RIO - A Petrobras está prestes a retomar a produção de fertilizantes no Brasil, mas deve enfrentar grandes desafios nessa empreitada, avaliam especialistas. Desde a necessidade de modernização das fábricas existentes à escassez e ao preço alto do gás natural, a companhia terá de fazer altos investimentos para cumprir o objetivo determinado pelo presidente Lula de voltar a atuar nessa área. Além disso, ainda terá de estar atenta à velocidade da transição energética, com a demanda cada vez mais voltada para as versões “verdes” dos produtos usados no agronegócio — ou seja, sem usar combustíveis fósseis, como o gás natural.
A pressão para que a Petrobras acelerasse a entrada no setor foi um dos motivos da demissão do ex-presidente Jean Paul Prates. Já na posse, a nova presidente da estatal, Magda Chambriard, fez questão de deixar claro que “está totalmente alinhada com a visão do presidente Lula” nesse setor, de reduzir a dependência das importações. Além dos fertilizantes, Lula também determinou que a Petrobras retome investimentos em refinarias e incentive a retomada dos estaleiros no Brasil, encomendando novos navios — movimentos que provocaram muitas críticas, por já terem sido feitos nas gestões anteriores do PT, com resultados negativos.
No ano passado, o consumo de fertilizantes no Brasil chegou a 45,8 milhões de toneladas. Desse total, apenas 6,8 milhões de toneladas foram produzidas no País, segundo números da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda). Em 2013, como comparação, o consumo foi de 30,7 milhões de toneladas, e quase um terço foi produzido aqui — 9,3 milhões de toneladas.
A estatal já chegou a ter uma participação importante no mercado brasileiro de fertilizantes quando estavam em operação as fábricas do Paraná (Araucária Nitrogenados - Ansa), Sergipe e Bahia, que possuem uma capacidade instalada de 2,87 milhões de toneladas por ano. Uma quarta fábrica, a UFN-III, em Três Lagoas (MS), cujas obras não foram finalizadas, terá capacidade para cerca de 1,3 milhão de toneladas por ano.
A empresa, porém, havia saído desse setor. De acordo com a estatal, essa saída fazia parte do plano de desinvestimento para que o foco fosse totalmente voltado à produção de petróleo e gás. Mas diz que agora pretende retomar seu papel nessa área. No mercado, há muitas dúvidas se essa é uma operação viável financeiramente — ou seja, se a Petrobras vai conseguir ter retorno para o seu investimento. A iniciativa privada vem evitando investir no Brasil nessa área, por conta dos custos muito altos. Mas a estatal afirma que “busca a atuação no negócio de fertilizantes de forma sustentável e com retorno financeiro”.
Fábricas paradas
Das quatro unidades de fertilizantes ligadas à Petrobras, nenhuma está atualmente em funcionamento. A Ansa, no Paraná, entrou em hibernação (parou de produzir) em 2020, após um processo de venda fracassado que durou dois anos. As unidades de Sergipe e da Bahia foram arrendadas à Unigel, mas também estão com as operações paralisadas. Há uma forte pressão para que a estatal reassuma as fábricas. Uma das entidades que mais têm pressionado nesse sentido é a Federação Única dos Petroleiros (FUP), que participa do grupo de trabalho de fertilizantes coordenado pela Petrobras.
A quarta unidade, em Mato Grosso do Sul, nunca foi terminada. As obras foram paralisadas em 2015, quando cerca de 80% da fábrica estava pronta. As tentativas de vendê-la nunca foram à frente.
A Petrobras informou que foi aprovada em 6 de junho, a reativação da Ansa, “já em curso e com investimento previsto na ordem de R$ 1,2 bilhão”. Além disso, a estatal diz que pretende retomar as obras da UFN-III. “O estudo de viabilidade técnica e econômica da unidade de Três Lagoas (MS) está em andamento”, informa. “As unidades situadas nos Estados da Bahia e Sergipe estão arrendadas e permanecem de posse da Proquigel (empresa do Grupo Unigel), agora em condição de hibernação. A Petrobras vem mantendo diálogo com a Unigel em busca da melhor condição para o retorno da operação das duas fábricas.” Os possíveis investimentos nessas outras fábricas não foram divulgados.
No início deste mês, a estatal deu mais um passo para voltar aos fertilizantes, com o avanço nas negociações para uma parceria com a Yara, uma das três maiores produtoras globais de fertilizantes, o que poderá acelerar o ganho de escala que o governo brasileiro quer.
Setor privado
De acordo com o diretor da área de fertilizantes da consultoria Stonex, Marcelo Mello, sem investimentos nessa área, seja público, seja privado, o Brasil pode se tornar nos próximos dois a três anos o maior importador mundial de fertilizantes, ultrapassando a Índia, que vem aumentando sua produção interna. Isso porque a tendência é a produção agrícola brasileira continuar em expansão.
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No passado, por meio da Petrofértil (hoje Gaspetro), criada no início da década de 1970, a Petrobras atendia parte do mercado, mas nunca conseguiu abranger toda a demanda. E nem será desta vez, segundo o analista de Insumos do Rabobank Brasil, Bruno Fonseca, que considera uma tarefa quase impossível a autossuficiência. Para ele, a volta da Petrobras ao setor está ligada ao Plano Nacional de Fertilizantes, lançado em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro, após a crise no setor trazida pela guerra na Ucrânia, e renovado agora no governo Lula. Na versão anterior, a iniciativa privada seria a responsável pelo aumento da oferta. Mas isso nunca aconteceu.
“O Brasil levou um susto com a invasão da Rússia à Ucrânia. O preço dos fertilizantes disparou até três vezes do que era, e teve risco de faltar, o que seria um desastre para um País agrícola como o nosso. Então, foi criado o Plano Nacional de Fertilizantes”, disse Fonseca. “O Brasil entendeu isso como uma política importante para a continuidade da agricultura no País, porque sem fertilizante você não produz. É isso que mais espanta, deve espantar todo mundo, porque é um País que abastece o mundo inteiro e não produz fertilizante.”
Mesmo com o “susto”, porém, a iniciativa privada não abraçou o Plano lançado pelo governo. Atualmente, empresas internacionais do setor, como Mosaic e Yara, contribuem com uma parte da oferta no Brasil, mas que não chega a 20% da demanda.
“Muitas empresas evitam o investimento em uma nova fábrica ou até mesmo expandir sua capacidade instalada por conta dos altos custos”, diz Fonseca. “Em muitos casos, o custo desta nova capacidade é até superior ao preço de mercado do próprio fertilizante, o que acaba inviabilizando a operação.”
Segundo Mello, da StoneX, a iniciativa privada até tem investido no segmento de fertilizantes, mas focando basicamente nas atividades de mistura e distribuição, incluindo logística. Já os investimentos em produção efetiva de fertilizantes, tanto em plantas petroquímicas para produção de nitrogenados, quanto em atividades minerais para produção de fosfatados e potássio, ainda não cresceram significativamente.
“Possivelmente, os principais motivos para esta situação são o alto custo estrutural de energia no País; o alto preço de gás natural, não apenas para geração de energia em si, mas também para produção de amônia e ureia; e os baixos teores minerais em muitas das reservas já provadas de fósforo e potássio”, disse.
Entre os poucos projetos que chegaram ao País, Mello cita o da EuroChem, na Serra do Salitre, em Minas Gerais, um investimento de US$ 1 bilhão, que vai incrementar a produção nacional em cerca de 1 milhão de toneladas de fosfatados por ano. A operação começou em março deste ano, e a previsão é de que a capacidade total seja atingida no ano que vem.
Investimentos
Segundo Mello, a primeira planta da Petrobras a ser reativada, no Paraná (Ansa), é muito antiga e terá de passar por muita modernização para ser eficiente. Hibernada no governo Bolsonaro, a Ansa, inaugurada em 1982, já não operava bem, destacou, ficando mais tempo parada do que produzindo. Já as duas fábricas de fertilizantes do Nordeste, em Sergipe e na Bahia, são mais modernas que a do Paraná, mas também foram construídas na década de 1980 e ainda sofrem com a falta de gás natural para operar, “tanto que a Unigel não deu conta”, explicou o executivo. Mas agora, com a descoberta de reservatórios de gás no Nordeste, é possível que a estatal consiga colocar essas fábricas em operação, ressaltou.
A melhor das fábricas da estatal, na avaliação de Mello, é a de Mato Grosso do Sul, que por não ter sido concluída ainda pode passar por uma modernização para atender o novo perfil de mercado, voltado para a descarbonização. A UFN-III quase foi adquirida por uma empresa russa (Acron) no governo anterior. Com a troca de gestão, a unidade deve ser concluída e utilizar o gás argentino da região de Vaca Muerta, que será trazido pelo Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), se as negociações entre os três países derem certo.
“Se você conseguir trazer o gás de Vaca Muerta pela Bolívia para Mato Grosso do Sul, pronto, você resolveu o problema logístico e está no centro consumidor. Seria bom, mas mesmo assim é uma tecnologia mais ultrapassada. No mundo, hoje em dia, todos os investimentos estão saindo com a pegada de carbono, e você já partir do gás natural, que é um combustível fóssil, é bem complexo”, explicou Mello. “No curto prazo, porém, a gente precisa disso, para reduzir a importação, mas aparentemente não vai ser uma operação economicamente viável, porque o gás é um problema no Brasil”, concluiu.