O técnico em telecomunicações Daniel Cecchetti, de 54 anos, e a tradutora Andrea Cecchetti, de 53 anos, sua esposa, não querem saber de usar o Pix. Para o casal, a conta conjunta e os cartões de débito e crédito resolvem toda a vida financeira da família. “O principal motivo de não ter Pix é a segurança de não carregar nossos dados bancários por aí. Meu celular nem tem aplicativo do banco”, conta Andrea, que tem um pacote de serviços de R$ 40 para fazer transferências por DOC e TED – sempre no caixa eletrônico.
Daniel diz não sentir falta do Pix para pagar as contas, mas já precisou dele para receber o pagamento por um serviço e teve de recorrer ao Pix da filha, Maria Elisa. O casal admite que, em algum momento, vai se render ao uso do novo meio de pagamento, mas ainda não vê motivos para isso.
A modalidade lançada pelo Banco Central em novembro de 2020 ainda enfrenta resistência de parte dos brasileiros, apesar dos benefícios de ser gratuita e instantânea. Em fevereiro, 105 milhões de pessoas usaram o Pix, um salto de quase 30% em relação ao mesmo período em 2022.
Os “antipix” são formados, sobretudo, por dois grupos. O primeiro é o de jovens, com idade abaixo de 19 anos. Nesse caso, a falta de adesão deve-se mais a uma questão financeira, já que muitos desses consumidores são estudantes, sem renda fixa, dependente dos pais. Na outra ponta, está o público com 50 anos ou mais, que tem renda, mas temem fraudes ou roubos.
Apenas três a cada dez pessoas dessa faixa etária usam o Pix. Esse número é ainda pior quando avaliada a população com 60 anos ou mais. Nesse caso, apenas duas em cada dez pessoas usam a transferência, ou seja, só 18%, segundo dados levantados pelo Estadão com informações do Banco Central e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Apesar da facilidade de uso, o Pix ainda não está integrado à rotina dos brasileiros de forma indispensável. O uso do meio de transferência cresce e tende a substituir o boleto bancário em compras online ou até no pagamento de contas de consumo. Entretanto, as alternativas antigas continuam disponíveis, ou seja, não há uma necessidade real de usar o Pix.
Uma das mentes por trás do Pix e CEO da empresa de pagamentos Matera, Carlos Netto afirma que o desenvolvimento de modalidades adicionais às disponíveis hoje devem acelerar a adoção do meio de transferência no País. “O modelo que mais me agrada é o pagamento em 10 vezes com ganho de milhas, mas em maior quantidade do que no cartão, algo como três vezes mais milhas. Isso é possível porque o varejista não é onerado na transação e o banco vai ganhar três vezes mais dinheiro com o Pix, que é imediato. Esse é um modelo que deve vingar”, diz.
Uso crescente
Mesmo com a desconfiança de parte do público, o uso do Pix pelos brasileiros já chega a ser maior do que o do cartão de crédito. Uma pesquisa feita pela consultoria Bain & Company mostrou, com base nos relatos de 16.852 pessoas, que 28% usam a transferência instantânea, ante 20% do cartão de crédito e 19% do cartão de débito.
A pesquisa apontou ainda que a segurança é o principal motivo que afasta parte dos brasileiros do Pix, especialmente entre as pessoas com mais de 35 anos de idade. Já para quem usa o Pix, o uso poderia ser maior se houvesse possibilidade de parcelamento, como no cartão de crédito – funcionalidade planejada pelo Banco Central e já implementada, com juros, por startups e até bancos.
Márcia Dessen, da Planejar, também afirma que a segurança é o principal motivo para o Pix não ser usado por mais da metade dos brasileiros, além do fator da desbancarização da população. Dessen recomenda a redução do limite de transferências ou mesmo o uso de dois celulares, um com Pix, que fica em casa, e outro sem. “O fato de ter Pix no celular, alvo de roubos, ainda mais sendo fácil demais de usar, traz um risco para o usuário. O Pix precisa encontrar o equilíbrio entre a facilidade e a segurança”, diz.
Márcia Dessen, da Planejar
Do ponto de vista técnico, o Pix é uma transação bancária segura e amplamente utilizada tanto por instituições financeiras tradicionais, como Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil ou Caixa, quanto pelas fintechs. Algumas delas chegam até mesmo a oferecer seguros que cobrem o Pix sob coação, quando o cliente é intimidado por um criminoso a fazer a transferência.
Segundo Thiago Saldanha, diretor de tecnologia da Sinqia, o protocolo usado no Pix é seguro e o Banco Central utiliza padrões internacionais para garantir que o dinheiro seja corretamente transferido de pessoa para pessoa ou de pessoa para empresa. “O BC vem criando regras para evitar problemas com o Pix e o sequestro relâmpago. Para um crime relacionado a isso que dure um dia todo, a pena muda para a de crime hediondo”, diz.
Em 2021, o BC criou os limites diurno e noturno para o valor das transações via Pix. Desde então, as regras vêm se modernizando. Antes, o turno da noite era apenas entre 20h e 6h. Mas, no início do ano, a regra mudou para permitir que o usuário escolha o início do período noturno entre 20h e 22h. A alteração dos limites só pode acontecer depois do prazo de 24 horas.
Apesar de todo o processo de transferência de valores ser, em tese, seguro, ainda podem existir brechas, como em qualquer outro serviço bancário. “O que se não pode garantir é a segurança de onde o Pix é utilizado, por exemplo, no aplicativo de cada banco. Eles podem ter alguma vulnerabilidade. Mas as regras e processos do Pix, em si, são muito seguros”, diz Saldanha.