O presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Júnior, não vê, a menos de um mês das eleições presidenciais, um risco institucional para o Brasil – qualquer que seja o resultado das eleições. O executivo afirma que, para atrair mais investimentos, é necessário que o vencedor se comprometa com alguns pilares básicos: “Tranquilidade institucional. Respeito aos contratos, disciplina fiscal, simplificação tributária, reduzir a desigualdade, criar uma melhoria da formação do trabalhador’, disse Lazari.
Embora considere o ano de 2023 como “desafiador para o crédito”, o executivo não enxerga no horizonte problemas institucionais. “Com as eleições, haverá uma continuidade ou um novo governo. A democracia no Brasil é um patrimônio, está consolidada. Independente de quem ganhar, já olhamos pelo retrovisor, sabemos os erros que cometemos. À frente, é procurar não cometê-los e colocar o País no trilho para o crescimento.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista, em que o executivo também fala sobre a investida do Bradesco no México e o cenário de inflação e juros para o ano que vem.
Qual a importância do movimento com o BV (ex-Banco Votorantim) para a estratégia do Bradesco?
O mercado mudou muito, principalmente nos últimos cinco anos. Começou a haver uma migração de clientes procurando alternativas de investimento, principalmente quando houve uma redução acentuada de taxa de juros. E aí surgiu gente competente, como a XP, além dos agentes autônomos. Dentro desse contexto, surgiu a oportunidade de termos uma nova (asset), que tem produtos diferenciados, sócios sérios – a família Ermírio de Moraes e o Banco do Brasil –, e de comprarmos um controle (51%). Estrategistas de investimento e traders de qualidade, como a BV tem, não é algo que se ache fácil no mercado.
Octavio de Lazari
No México, parte do mercado via o Bradesco como forte candidato a comprar o Banamex. Por que faz mais sentido avançar como banco digital?
Comprar uma operação do tamanho do Banamex custa caro, algo como US$ 8 bilhões. É uma operação que tem estrutura física, agências. Isso tem um custo de manutenção caro. Olhando esse prisma, temos uma operação, a Bradescard México, que nasceu da compra do Ibi. Faz 12 anos que estamos lá, e são 3 milhões de cartões, R$ 3 bilhões em ativos. Hoje em dia, você pode ter um banco sem construir um prédio. Você não precisa ter o brick (tijolo), pode ter um banco a partir do clique. Nos pareceu muito mais inteligente comprar uma sociedade financeira popular (sofipo, a Ictineo). Já conhecemos bem o mercado mexicano e temos uma carteira de cartões estável e crescente - este ano, está crescendo em 500 mil cartões - inadimplência controlada, e que dá R$ 150 milhões em lucro ao ano. A partir da sofipo, podemos operar com todos os produtos que um banco pode operar. Nosso intuito nunca foi fazer varejo fora do Brasil, mas a oportunidade no México faz todo o sentido.
Devemos ver o Bradesco fazendo transações parecidas no futuro?
Com certeza. Por essência, o Bradesco é um banco comprador. Com a reprecificação dos ativos, sobretudo os digitais, há vários negócios que estamos olhando. Outras empresas farão sentido, principalmente as que tragam analytics, ajudem a trazer clientes para o Bradesco ou monetizar os que já estão aqui. O custo de aquisição de cliente é muito caro, algo entre R$ 82 e R$ 87, sem saber se ele de fato vai ficar com você, porque com o mobile, ele abre uma conta quando bem entender.
Se somarmos as contas das principais fintechs e neobancos, dá um número maior que o da população brasileira. Há uma consolidação a caminho? Que papel o Bradesco teria?
Não só uma consolidação, mas uma depuração. Qualquer pessoa, mesmo as de baixa renda, tem cinco, seis cartões, porque é fácil. Acho que vai ter uma depuração. Ouvimos muito (neobancos dizendo): tenho 70 milhões, 80 milhões de clientes. Mas quantos de fato operam com recorrência? 10% disso.
Movimentos do Bradesco
No começo do ano, falava-se na desaceleração do crédito, mas ela parece ter sido adiada. Ela ainda vem esse ano ou ficará para 2023?
O segundo semestre será razoavelmente bom, mas a tendência é de uma redução do crescimento. Achamos que vamos crescer ao redor de 14% este ano. Primeiro por causa de uma base de comparação muito forte, e segundo, porque estamos enfrentando um problema de inadimplência. Vemos as pesquisas mostrando as famílias mais endividadas. Com a inflação alta e consequentemente a taxa de juros também, é natural que as pessoas tenham dificuldade de pagar dívidas, e que os bancos sejam mais restritivos. A tendência é de um segundo semestre mais fraco em crescimento, mas ainda acima de dois dígitos. O ano de 2023 será bem desafiador para o crédito, a não ser que cresça em grandes empresas.
Olhando para os cenários de juros após os pronunciamentos do Banco Central, esse crescimento em pessoa jurídica é mais ou menos provável do que era no final do primeiro semestre?
Menos provável, porque o sinal é de que o ciclo de juros não se encerrou, e o BC foi bem contundente de que não tem convicção do controle da inflação, não só para 2023, mas em 2024. Na melhor das hipóteses, vamos ficar com 13,75% (ao ano nos juros), podendo subir a 14% na próxima reunião do Copom. Eu acho que a inflação vai ceder, aos poucos, e isso só deve acontecer com maior incidência a partir do segundo semestre do ano que vem.
Octavio de Lazari
O aumento da inadimplência veio de quem tomou crédito na pandemia ou depois?
Diria que 60% veio de 2020, 2021, e 40% das novas operações. O consumo voltou, tanto é que o maior crescimento em todos os bancos neste ano foi no cartão de crédito, com um item importante: antes, a pessoa tinha um cartão; hoje, tem seis. Se está se endividando em todos, a tendência é de mais inadimplência. O importante a se observar é se tenho spread suficiente para pagar a provisão desse cartão e aumentar o spread líquido do banco.
Neste ano, o Bradesco está crescendo. O orçamento para 2023 é de crescimento?
Organicamente, miramos o crescimento. Acho que a inflação vai estar mais contida, vamos pagar o preço da inadimplência agora, e como os modelos estão mais restritivos desde o final do ano passado, a tendência é de safras melhores de crédito. Pode ser que o mercado de capitais volte a se movimentar. Existem boas expectativas, mas 2023 vai ser de muito desafio.
Entre os indicadores incertos para 2023, em qual a definição seria mais importante?
Inflação e taxa de juros. Esses dois vão dar o tom para a música que vamos tocar.
O que mais entra na conta, além do cenário fiscal?
Não falaria em reforma tributária, mas em simplificação. Diminuir o número de impostos, reduzir a burocracia. A simplificação vai ser um grande negócio, além da consolidação da reforma trabalhista, e a atração do investimento estrangeiro. Temos energia solar, eólica, saneamento básico, commodity. Tem muitos fatores, dentro do Brasil, de atração de investimento.
Octavio de Lazari
O que falta para atrair mais?
Essa tranquilidade institucional. Respeito aos contratos, disciplina fiscal, simplificação tributária, reduzir a desigualdade, criar uma melhoria da formação do trabalhador. E sobretudo, (seguir) a nossa vocação para commodity e de exportador de energia limpa.
Estabilidade também inclui estabilidade política?
Também. Com as eleições, haverá uma continuidade ou um novo governo. A democracia no Brasil é um patrimônio, está consolidada. Independente de quem ganhar, já olhamos pelo retrovisor, sabemos os erros que cometemos. À frente, é procurar não cometê-los e colocar o País no trilho para o crescimento. As alavancas para que isso aconteça são do conhecimento de qualquer um dos candidatos.
Como vocês veem o processo eleitoral? Tem surpresas?
Pelo que vimos nas pesquisas, parece que o quadro político está mais ou menos desenhado. Acho que vai ser uma transição pacífica como das outras vezes. Não vejo nenhum risco para o País.
Independente do governo, o que o Bradesco espera dele?
As ações a serem implementadas estão claras. Você não consegue crescer se não tiver inflação e juros menores, um dólar atrativo e equilibrado para o produtor e para o empresário brasileiro e para o estrangeiro. Não tem bala de prata.