Iniciada em 2021, com previsão de R$ 5,1 bilhões de investimentos até 2025, a renovação do portfólio de produtos da montadora francesa Renault entrou na segunda fase no Brasil no fim do ano passado. Esse novo momento envolveu o lançamento do Renault Kardian, um utilitário-esportivo (SUV) compacto que começou a ser vendido em março, e o anúncio do desenvolvimento para o próximo ano de um SUV de médio porte, ainda sem nome, que terá uma versão híbrida flex. A montadora incrementará, dessa forma, sua carteira de veículos elétricos e híbridos vendidos no País. Ela já importa os elétricos Kwid E-Tech, Megane E-Tech e Kangoo E-Tech.
Em entrevista ao Estadão, o presidente da Renault do Brasil, Ricardo Gondo, afirma que o mercado de elétricos brasileiro depende menos de ter uma infraestrutura pronta de carregamento das baterias do que a Europa. “A diferença é que, no Brasil, a maioria dos clientes que estão comprando carros elétricos já instala carregadores em casa”, afirma. Lá, por falta de garagens particulares nas grandes cidades, isso não é possível na mesma medida.
Gondo também defende a taxação da importação dos carros elétricos chineses para estimular a produção local, “a exemplo do que Estados Unidos, Canadá e Europa estão fazendo”.
Para o mercado como um todo, o executivo defende que o setor está no caminho de voltar a ter o tamanho que já teve no passado. Em 2013, chegou a produzir 3,6 milhões de veículos leves no País, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Para este ano, estão previstas ao menos 2,3 milhões de unidades produzidas, um crescimento em relação ao volume de 2,2 milhões de unidades do ano passado. Mas esse caminho de volta ao patamar anterior pode demorar e a previsão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que o setor já pode passar dos 3 milhões em 2026 ainda é bastante ousada, segundo Gondo. Para ser cumprida, precisará haver uma queda dos juros, combinada com a atual queda do desemprego.
Leia os principais pontos da entrevista.
A briga pelo mercado de automóveis híbridos e elétricos está esquentando no Brasil com a chegada das montadoras chinesas. A Renault também pretende se posicionar mais fortemente nesse mercado depois do anúncio, em dezembro, de um novo SUV de médio porte que terá uma versão híbrida flex?
Estamos trabalhando com a nossa unidade chamada Horse (iniciada em março deste ano), que é uma empresa criada pela Renault, pela (montadora chinesa) Geely e pela (estatal saudita do petróleo) Aramco, com participação acionária de 45%, 45% e 10%, respectivamente. Acreditamos que o mercado de carros que utilizam motor a combustão híbrido ainda não chegou ao pico e que ainda existe espaço para crescer até 2040. Então, estamos trabalhando para ter um motor híbrido flex aqui para o mercado brasileiro.
A transição para o elétrico ainda prevê um período grande de vendas de híbridos?
Por um período importante, teremos todas as tecnologias convivendo ao mesmo tempo. Olhando para a Europa, em 2023, metade das vendas foram de veículos à combustão interna, 33% foram dos híbridos e 17%, dos elétricos.
O que pode ajudar a destravar o mercado brasileiro para elétricos, para a demanda crescer mais? Precisa de mais oferta? O preço precisa baixar mais?
Apareceu bastante oferta nos últimos 12 meses, com novos concorrentes e novos carros sendo lançados. Temos de entender primeiro os clientes que estão comprando. No caso de clientes particulares, são os que chamamos de early adopters (os primeiros a adotar uma tecnologia ou tendência). Eles são as pessoas que estão buscando novidades, são os clientes que querem ser os primeiros a experimentar uma nova tecnologia. São eles que estão comprando os veículos elétricos. Atualmente, os puramente elétricos estão representando em torno de 4% do mercado brasileiro. Contando os híbridos mais os elétricos, a participação já se aproxima dos 8,5% do mercado total. Teremos de acompanhar para saber qual é a real quantidade de clientes early adopters, quantos mais temos por aí.
Então, é mais uma questão de tecnologia do que de preocupação com o meio ambiente, e o tamanho desse mercado ainda não está plenamente identificado?
Nós percebemos que nos últimos meses está mais ou menos estável o volume de vendas dos elétricos. Mas, além do cliente particular, existem as empresas que estão comprando veículos elétricos pensando numa estratégia de descarbonização. Principalmente, as de logística. Por exemplo, para as empresas, estamos vendendo hoje o (furgão) Kangoo E-Tech, que é 100% elétrico. Elas utilizam o veículo elétrico para reduzir a pegada de carbono. Existe um nicho de mercado dos clientes que compraram veículos elétricos e estamos chegando ao limite dos clientes com este perfil.
Leia Também:
A falta de infraestrutura de carregamento elétrico pode ser uma barreira?
Se a gente pega a Europa, que é um mercado que acompanhamos de perto, a infraestrutura é um tema importante. A aceleração das vendas dos veículos foi alta em função das ajudas dos governos, mas a infraestrutura não estava preparada para isso. Então, muitos clientes tiveram problemas. A diferença é que, no Brasil, a maioria dos clientes que estão comprando já instala carregadores em casa. Isso ajuda no desenvolvimento da tecnologia e reduz a dependência de carregadores públicos. Na Europa, os primeiros compradores de elétricos estavam nas grandes cidades. Mas, nas grandes cidades europeias, nem todo mundo tem garagem. Muitos estacionam na rua. Existe uma dependência maior de carregar a bateria nas ruas nas grandes cidades europeias do que no Brasil.
A Comissão Europeia anunciou que deve taxar os veículos elétricos chineses em até 45%. Como o sr. vê o pedido da indústria automotiva ao governo brasileiro para aumentar a tarifa dos automóveis elétricos importados da China?
A indústria automotiva é reconhecida pela competição. Somos a indústria mais competitiva do mundo. Nós sempre tivemos uma enorme concorrência e a competição deve ser justa, em igualdade de condições. A indústria automotiva é marcada por altos investimentos e longos ciclos de desenvolvimento de produtos. Por isso, precisamos de previsibilidade para seguir aprovando os próximos investimentos no país. E também, por isso, é importante a retomada do imposto de importação. A exemplo do que Estados Unidos, Canadá e Europa estão fazendo em relação ao imposto de importação de veículos.
Como serão as vendas totais de veículos da Renault no Brasil este ano?
Podemos falar do mercado como um todo. Acreditamos que ele vai crescer em relação ao ano passado. A previsão é de um crescimento de 6% a 10%. Ou seja, o mercado chegará no mínimo a 2,3 milhões de unidades, considerando veículos de passeio e comerciais leves. Se a gente volta 12 anos atrás, o mercado chegou a ser de 3,6 milhões de unidades produzidas por ano. O potencial no Brasil existe. A expectativa para os próximos anos é de um mercado em crescimento. Podemos aproveitar o crescimento do setor e também ganhar participação de mercado. É o que acreditamos que acontecerá, em função da chegada dos nossos carros novos, como o SUV de médio porte que será desenvolvido e o Kardian (um SUV compacto lançado este ano, e que soma 13.012 unidades emplacadas, entre 20 de março e o fim de setembro), o primeiro veículo produzido no Brasil com a nova identidade visual da marca Renault.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a mencionar que é possível o mercado voltar a produzir mais de 3 milhões de unidades já em 2026. Essa meta é factível?
É um crescimento bastante forte, né? É agressivo. Mas o potencial do mercado existe. Vai depender das condições econômicas. O nosso mercado é muito dependente da taxa de juros. Então, precisamos ver como ficará a taxa de juros e de desemprego. A taxa de desemprego se reduzindo é ótimo, porque gera confiança no consumidor para comprar bens duráveis, como o automóvel.