Quatro empresas acusam a Vivo de inadimplência em contratos e práticas abusivas que teriam resultado em pedidos de falência e de recuperação judicial dos negócios desde 2010.
A operadora - parte do grupo espanhol Telefonica - responde na Justiça a ações relacionadas ao estrangulamento das empresas de serviços Líder, Telsul e Dominion. Nesta semana, a empresa de telemarketing Vikstar engrossou a lista e também entrou com um processo no qual acusa a Vivo de levá-la a um quadro de endividamento progressivo e, posteriormente, ter obrigado a gestão a vender o negócio por valor irrisório para uma companhia espanhola, integrante do Grupo Abai.
Na ação, os advogados João Grandino (Grandino Advogados), Oreste Laspro (Laspro advogados) e João Augusto de Carvalho Ferreira (Silveira LAW) acusam a Vivo de um esquema financeiro que deixa a prestadora “refém” dos pagamentos da empresa. Essas empresas, com receita menor, acabam por contrato recorrendo à própria Vivo para capitalização por meio de um fundo da operadora.
Procurada, a Vivo afirma que ainda não foi notificada sobre a nova ação judicial e que o caso havia sido concluído em 2021. “A Vivo não foi citada na ação em questão. A relação com a Vikstar terminou há dois anos. A Vivo cumpriu todos os compromissos com a prestadora de serviços de call center e tem valores a serem ressarcidos”, informou a empresa, em nota.
A Vikstar acusa a Vivo de fazer cobranças para recebimento dos serviços prestados que não constam em contrato. Segundo o relato, as empresas brasileiras precisam pagar 4% do faturamento líquido para a própria Vivo para o recebimento de valores a partir da unidade na Alemanha, chamada Telefonica Global Services (TGS). O sistema de emissão de notas fiscais da Vivo, feito pela empresa argentina Adquira, também cobraria uma taxa de até 4%.
Segundo a acusação, a Vivo ainda teria aumentado os trabalhos de menor valor em detrimento dos de maior valor, levando a prestadora a ter as finanças comprometidas. Os pagamentos aos fornecedores eram feitos em um prazo de 75 dias.
Outra prática teria ocorrido no caso da Vikstar: deixar de remunerar vendas que foram feitas pela empresa devido à reprovação na análise de crédito, sendo que o cliente havia sido selecionado pela própria operadora. A Vivo teria passado também a não remunerar as vendas quando havia downgrade de plano ou inadimplência dos clientes. A ação judicial diz ter o objetivo de “denunciar o sufocamento econômico e a tomada hostil do efetivo controle de uma empresa nacional”.
O valor total pedido pela Vikstar na ação, considerando também os cerca de R$ 600 milhões referentes à desmobilização da operação de atendimento à operadora, é quase o mesmo que o lucro reportado pela operadora no quarto trimestre de 2022, que foi de R$ 1,1 bilhão.
A solução para tirar a prestadora de serviço do quadro de endividamento é oferecida pela Vivo, sendo esta a única autorizada em contrato. O FOR-TE é um Fundo de Investimento de Direitos Creditórios (FIDC), criado em 2004, também chamado de Vivo Factoring. De acordo com documentos publicados na CVM, o fundo “destina-se a investidores qualificados e tem por objeto a captação de recursos para aquisição de direitos creditórios cujos devedores sejam empresas do grupo Telefonica, sociedades sediadas no Brasil em que a Telefonica S.A., tenha participação acionária direta ou indireta”.
Ou seja, a prestadora, por contrato, precisaria pegar crédito da própria Vivo para manter a sua operação de atendimento para a operadora de telefonia, gerando crédito para si mesma a partir da redução de pagamentos para a prestadora, colocada em um quadro de endividamento sistemático.
A Vikstar acusa a Vivo de ter forçado seu endividamento com objetivo final de vender o negócio a uma empresa espanhola, o Grupo Abai, por um valor que representaria menos de 10% do potencial de faturamento da companhia.
Arthur Barrionuevo, professor de economia da FGV EAESP, afirma que, se o comportamento da Vivo com os prestadores de serviço for mesmo como descrevem os reclamantes, as mudanças feitas na remuneração pela operadora podem ser consideradas quebra de contrato.
“Dado o tamanho das empresas, inegavelmente há o direito das empresas fazerem valer do equilíbrio econômico e financeiro. Todavia, se a Vivo prejudica empresas e fere a concorrência, deixa de ser um problema entre particulares. Passa a interessar as entidades reguladoras, como Anatel e Cade. Já existe um impacto social, com certeza”, diz Barrionuevo.
Caso Líder
No caso da Líder, a empresa acusa a Telefônica/Vivo de romper de forma antecipada e unilateral um acordo de prestação de serviço de call center, em 2015, um ano antes do prazo. A decisão da multinacional espanhola levou a Líder a demitir 3,5 mil funcionários que trabalhavam na operação de atendimento aos clientes da operadora de telecomunicações.
Após o episódio, a empresa entrou em recuperação judicial e teve tratamento especial, com alongamento de pagamento de passivo trabalhista acima dos 12 meses, como previsto na Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005).
A empresa luta na Justiça pelo recebimento de R$ 354 milhões, referentes ao compromisso não cumprido pela Telefonica/Vivo de arcar com os gastos da desmobilização da operação de telemarketing, dos juros e mora, e por ter ludibriado a Líder Telecom sobre a possível continuidade da parceria comercial. A ação é movida pelo escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados.
O processo aponta a prestação de serviços sem o pagamento liberado pela Vivo, bem como rescisões contratuais unilaterais injustificadas que não permitiram à empresa recuperar os investimentos em contratações, treinamento e aquisições de bens.
Questionada sobre o caso, a Vivo não se pronunciou.
Caso Telsul
A Telsul briga na Justiça por valores referentes à quitação de débitos de encerramento de atividades, conforme previamente acordado. Com multa e juros, a ação pede valor total de R$ 14,6 milhões, além de um valor a ser apurado de reparação de danos causados à fornecedora.
O contrato foi encerrado em 2009, após dez anos de prestação de serviços, e até hoje a Vivo deve à Telsul valores relacionados ao encerramento da operação de atendimento. O processo descreve a necessidade de R$ 36 milhões para migrar os funcionários da Telsul para a nova fornecedora da Vivo, bem como R$ 44 milhões para arcar com os custos das demissões de todos os empregados.
Questionada sobre o caso, a Vivo não se pronunciou.
Caso Dominion
A Dominion acusa a Vivo de ter levado a empresa à falência devido a práticas abusivas de supremacia econômica e contratual. A companhia tinha a operadora como principal cliente e, portanto, recebia atendimento prioritário. A partir de 2015, a Dominion acusa a Vivo de ter realizado cancelamentos unilaterais de serviços em contratos vigentes, não ter renovado contratos que haviam sido sucessivamente prorrogados e não ter celebrado novos contratos, como acontecia com frequência, sem aviso prévio minimamente razoável.
“A Ré, porém, contrariando as justas expectativas da Autora, repentinamente passou a diminuir o volume de demandas de serviço em contratos ativos, além de cancelar trabalhos previamente agendados e gradativamente deixar de seguir uma prática absolutamente consolidada de renovação de contratos ou substituição por outros novos”, diz a ação da Domion contra a Vivo.
De acordo com o processo, a Telefonica teria multiplicado por quatro a taxa cobrada nas faturas emitidas contra a Telefonica Global Services, indo de 1% para 4%, em uma decisão unilateral.
Na ação de julho de 2021, a empresa alega que, a partir de 2015, a redução de serviços da Vivo levou ao desligamento de funcionários e reclamações trabalhistas que geraram uma exposição de caixa no valor de R$ 78 milhões. A redução de serviços em relação à quantidade prevista entre 2015 e 2019 levou a Dominion a um prejuízo de R$ 89 milhões, segundo o documento. Em 2014, a prestadora teve faturamento de R$ 146 milhões e lucro operacional de R$ 1,25 milhão.
O quadro de funcionários da empresa passou de 850, no início de 2015, para 140 em 2018, quando houve pedido de recuperação judicial. Na defesa, a operadora alega que os contratos tinham duração determinada e que os pedidos são improcedentes.
A Dominion não sobreviveu à redução de serviços e cobranças de taxas e teve falência decretada em 2019.
Questionada sobre o caso, a Vivo não se pronunciou./ COLABOROU LUIZ VASSALLO