Casas Bahia, Tok&Stok, InterCement: por que as recuperações extrajudiciais dispararam no Brasil


Grandes companhias têm preferido essa modalidade vista como mais simples, menos custosa e mais rápida para reestruturação de dívidas

Por Cynthia Decloedt, Carlos Eduardo Valim e Renée Pereira
Atualização:

Com uma dívida de R$ 22 bilhões, a InterCement se juntou a um grupo de 31 empresas que buscaram o caminho da recuperação extrajudicial (RE) para reorganizar seus passivos. A terceira maior fabricante de cimento do País tem de longe a maior dívida que será reestruturada por meio de um acordo feito com os credores e homologado na Justiça. Mas está ao lado de outras empresas relevantes como Casas Bahia, com passivo de R$ 4 bilhões; Araguaia Níquel Metais, com R$ 2 bilhões; e Tok&Stok, R$ 402 milhões.

O valor total dos pedidos de recuperação extrajudicial que chegaram à Justiça este ano soma R$ 31 bilhões, mais de 300% acima do total de 2023. Esse é o maior volume de renegociações feitas por meio da modalidade, que tem ganhado a preferência das companhias por evitar o ônus do processo de recuperação judicial (RJ), que se arrasta por anos na Justiça, é custoso, prejudica a imagem da empresa e depende, em todo o seu percurso, do aval de um juiz.

“De cada cinco pedidos de reestruturação que chegam à Justiça por grandes empresas, um é da modalidade extrajudicial”, diz a advogada Juliana Biolchi, coordenadora do Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre), núcleo de pesquisa que busca reunir informações e dados sobre a utilização da recuperação extrajudicial no País.

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Para ela, o crescimento reflete a sofisticação e a flexibilidade oferecida pelo instrumento, uma vez que as negociações são feitas diretamente entre devedores e credores. O Judiciário entra no processo somente para chancelar o acordo.

O aumento das recuperações extrajudiciais é reflexo de um cenário ainda apertado, com o juro básico da economia em 10,75% ao ano e em ciclo de alta nos próximos meses. De janeiro de 2021 a agosto de 2023, a Selic subiu de 2% para 13,75%, pegando muitas empresas endividadas no contrapé. Em setembro de 2023, o Banco Central iniciou um processo de afrouxamento monetário até chegar a 10,5% em maio deste ano. Na última reunião do Copom, na semana passada, os diretores do BC decidiram retomar o processo de alta dos juros, que deve se manter até, pelo menos, janeiro de 2025.

O executivo Ricardo Knoepfelmacher, conhecido como Ricardo K., especialista em reestruturação de empresas em dificuldades financeiras, afirma que hoje 30% das 400 maiores empresas do País não têm condições de pagar suas dívidas como foram pactuadas inicialmente. “Esse é um momento em que muitos bancos estão tendo de fazer reestruturações bilaterais para evitar que as empresas entrem em recuperação judicial e eles sejam obrigados a provisionar o que não tem garantia real ou extraconcursal, como alienação fiduciária”, diz o especialista.

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Fábrica da cimenteira InterCement, em Ijaci (MG), que fez o maior pedido de recuperação extrajudicial de 2024 Foto: InterCement/Divulgação

A procura das empresas pela recuperação extrajudicial se deve à reforma da lei de recuperação judicial e falências, feita em 2020 e que entrou em vigor em 2021. Juliana Biolchi diz que as mudanças tornaram essa abordagem mais eficiente e simplificou procedimentos, como a diminuição do número de credores necessários para aprovar o plano. Tanto que de lá para cá, o número de novos pedidos dobrou. No ano passado, o crescimento já havia sido de 115%, segundo o Obre.

Antes da mudança regulatória, qualquer processo extrajudicial precisava de aprovação dos credores com 60% do valor da dívida para ser aprovado. A nova regra baixou a necessidade de aprovação para qualquer valor acima dos 50% dos créditos.

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Além disso, autorizou as empresas a darem entrada no processo de RE com apenas 33% garantidos. A partir desse momento, elas passam a ter 90 dias para atingir a maioria simples dos créditos. Uma vez que consigam isso, o restante dos credores são incluídos no processo.

Uma diferença entre RJ e RE é que a primeira exige, além da aprovação por valor de crédito, também em número de credores. Ou seja, na RE, se a empresa conseguir aprovação dos credores donos de mais da metade dos créditos, o processo passa a valer. Ela não precisa também conseguir a aprovação de mais da metade do número de credores.

Dessa forma, segundo especialistas no processo, a RE acaba servindo principalmente para empresas que têm as suas dívidas concentradas em menos credores, o que facilita a negociação entre os dois lados. Se a situação for de créditos muito dispersos, o processo é dificultado.

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“A recuperação extrajudicial tem ganhado destaque por ser útil para solucionar crises de empresas cujo endividamento ainda está limitado às dívidas financeiras. Ou seja, não afetou a operação, pagamento de fornecedores e o atendimento dos consumidores”, diz o advogado Eduardo Munhoz, um dos maiores especialistas em recuperação judicial do Brasil.

Segundo ele, são empresas que, em geral, são viáveis e saudáveis, mas têm problema de estrutura de capital. “O mercado como um todo, incluindo bancos, debenturistas e bondholders, aprendeu a lidar com a RE, preferindo esse instrumento à Recuperação Judicial.”

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Giuliano Colombo, sócio da área de reestruturação do escritório Pinheiro Neto Advogados, corrobora a opinião de Munhoz. Segundo ele, houve uma mudança de mentalidade, com um maior entendimento das ferramentas disponíveis para a recuperação das empresas, e também das dinâmicas de negociação. “Assim, os credores passaram a ser mais proativos na procura de soluções que evitem aquelas RJs mais sangrentas que levam muito tempo.”

Segundo ele, a tendência percebida nos últimos tempos, e a que deve se estabelecer no mercado, é de as empresas tentando evitar uma RJ a todo custo. A primeira alternativa para elas, se houver tempo, é buscar um acordo privado, conhecido pela expressão em inglês “liability management”, que pode ser traduzido como administração de passivos.

Se não houver um consenso, elas podem passar para a RE e buscar uma aprovação da maioria dos credores, para “arrastar o restante” para o acordo. Por fim, então, se nada disso der certo, rumar para a “inevitável” RJ.

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Vantagens

Entre os problemas percebidos nos últimos tempos com as RJs, estão os altos custos do processo, uma vez que envolvem a remuneração de um administrador judicial, o que pode chegar a até 5% do valor da dívida. Além disso, é preciso montar uma assembleia de credores.

Toda a aprovação é feita por meio de decisões de um juiz, e as discussões acabam se estendendo. Por esse período, a empresa enfrenta grandes dificuldades operacionais e de acesso a crédito.

Para grande parte dos especialistas, o modelo de RJ em si não é problemático, mas sim o fato de que as empresas costumam aderir a ele apenas como o último recurso. Normalmente, elas entram no processo quando já correm risco de falência, estão com os seus melhores ativos já comprometidos e perderam mercado. Tudo isso dificulta muito uma recuperação.

“A RJ é um instrumento muito poderoso, e muito bom, mas se o paciente vai para UTI muito tarde, a eficácia do tratamento vai diminuindo. Fica mais difícil, e o instituto da RJ acaba levando a fama”, diz Colombo. Com isso, quando as empresas aderem a RJ, costumam ficar marcadas como se estivessem numa espécie de antessala para a falência.

A RE, por outro lado, não carrega esta má fama, o que é uma de suas vantagens. Mas existem outros benefícios, além também dos menores custos. “Ela é muito mais rápida. A gente faz um acordo, e daí a RE já nasce pronta. É a preferida de quem está envolvido nesses casos. É muito mais leve e efetiva”, afirma o sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, especializada na recuperação de empresas, Eduardo Gallardo. “Sempre brinco com os clientes que o problema da RE é que o nome dela é muito parecida com o da RJ. Mas são ferramentas muito distintas”

O sócio da Felsberg Advogados, Thomaz Felsberg, também elogia a mecânica simples do plano de recuperação extrajudicial. “Há casos em que o processo se encerra em 40 dias, mitigando pela rapidez, os efeitos danosos do reconhecimento da insolvência. Em outras palavras, o processo é mais rápido do que uma recuperação judicial, custa menos e devolve rapidamente a empresa à economia, com sua dívida reestruturada.”

Histórico

O primeiro caso de recuperação extrajudicial no Brasil envolveu, em 2017, o grupo Colombo, dono da camisaria de mesmo nome fundada em 1917, e que tinha dívidas de R$ 1,6 bilhão. No ano seguinte, foi a vez da varejista Máquina de Vendas, dona da Ricardo Eletro, pedir uma RE, que foi a maior da primeira leva desses processos, com dívida na época estimada em R$ 1,9 bilhão. Esses dois processos envolveram o fundo de investimentos voltado a ativos problemáticos Starboard Partners.

Mas a decolagem desse instrumento começou só no último ano. Depois de uma série de RJs traumáticas para os bancos credores, no começo de 2023, com os casos de Lojas Americanas, Light e Oi, foi a vez de as REs ganharem mais chances.

Loja das Casas Bahia, em São Caetano do Sul, que ajudou a desmistificar os processos de RE nos últimos tempos Foto: Taba Benedicto/Estadão

O caso envolvendo a Casas Bahia, que pediu RE no dia 28 de abril deste ano, está sendo tratado como um marco para a nova tendência. Apesar de envolver dívidas de R$ 4,1 bilhões, todo o processo levou apenas 43 dias. Isso mostrou que a RE pode causar menor ruído no mercado, e facilitar com que a empresa continue operando de forma mais eficiente.

“A Casas Bahia ajudou a tirar um pouco da mística do mercado”, diz Gallardo, da Alvarez & Marsal, que participou do processo. “Agora, eu vejo um crescimento de REs acontecendo e ele vai ser ainda maior, chegando mais a setores como os de agronegócios e de serviços, além do próprio varejo.”

Os acordos de RE não incluem passivos trabalhistas. Empresas que precisam resolver essa questão acabam sendo levadas para RJ. Em comum, ambos os instrumentos não contemplam dívidas tributárias.

Segundo estudo da Serasa Experian, existiam, em julho deste ano, 6,9 milhões de empresas inadimplentes no Brasil. Isso pode ser um indicativo de que novas reestruturações de dívidas podem estar a caminho.

Com uma dívida de R$ 22 bilhões, a InterCement se juntou a um grupo de 31 empresas que buscaram o caminho da recuperação extrajudicial (RE) para reorganizar seus passivos. A terceira maior fabricante de cimento do País tem de longe a maior dívida que será reestruturada por meio de um acordo feito com os credores e homologado na Justiça. Mas está ao lado de outras empresas relevantes como Casas Bahia, com passivo de R$ 4 bilhões; Araguaia Níquel Metais, com R$ 2 bilhões; e Tok&Stok, R$ 402 milhões.

O valor total dos pedidos de recuperação extrajudicial que chegaram à Justiça este ano soma R$ 31 bilhões, mais de 300% acima do total de 2023. Esse é o maior volume de renegociações feitas por meio da modalidade, que tem ganhado a preferência das companhias por evitar o ônus do processo de recuperação judicial (RJ), que se arrasta por anos na Justiça, é custoso, prejudica a imagem da empresa e depende, em todo o seu percurso, do aval de um juiz.

“De cada cinco pedidos de reestruturação que chegam à Justiça por grandes empresas, um é da modalidade extrajudicial”, diz a advogada Juliana Biolchi, coordenadora do Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre), núcleo de pesquisa que busca reunir informações e dados sobre a utilização da recuperação extrajudicial no País.

Para ela, o crescimento reflete a sofisticação e a flexibilidade oferecida pelo instrumento, uma vez que as negociações são feitas diretamente entre devedores e credores. O Judiciário entra no processo somente para chancelar o acordo.

O aumento das recuperações extrajudiciais é reflexo de um cenário ainda apertado, com o juro básico da economia em 10,75% ao ano e em ciclo de alta nos próximos meses. De janeiro de 2021 a agosto de 2023, a Selic subiu de 2% para 13,75%, pegando muitas empresas endividadas no contrapé. Em setembro de 2023, o Banco Central iniciou um processo de afrouxamento monetário até chegar a 10,5% em maio deste ano. Na última reunião do Copom, na semana passada, os diretores do BC decidiram retomar o processo de alta dos juros, que deve se manter até, pelo menos, janeiro de 2025.

O executivo Ricardo Knoepfelmacher, conhecido como Ricardo K., especialista em reestruturação de empresas em dificuldades financeiras, afirma que hoje 30% das 400 maiores empresas do País não têm condições de pagar suas dívidas como foram pactuadas inicialmente. “Esse é um momento em que muitos bancos estão tendo de fazer reestruturações bilaterais para evitar que as empresas entrem em recuperação judicial e eles sejam obrigados a provisionar o que não tem garantia real ou extraconcursal, como alienação fiduciária”, diz o especialista.

Fábrica da cimenteira InterCement, em Ijaci (MG), que fez o maior pedido de recuperação extrajudicial de 2024 Foto: InterCement/Divulgação

A procura das empresas pela recuperação extrajudicial se deve à reforma da lei de recuperação judicial e falências, feita em 2020 e que entrou em vigor em 2021. Juliana Biolchi diz que as mudanças tornaram essa abordagem mais eficiente e simplificou procedimentos, como a diminuição do número de credores necessários para aprovar o plano. Tanto que de lá para cá, o número de novos pedidos dobrou. No ano passado, o crescimento já havia sido de 115%, segundo o Obre.

Antes da mudança regulatória, qualquer processo extrajudicial precisava de aprovação dos credores com 60% do valor da dívida para ser aprovado. A nova regra baixou a necessidade de aprovação para qualquer valor acima dos 50% dos créditos.

Além disso, autorizou as empresas a darem entrada no processo de RE com apenas 33% garantidos. A partir desse momento, elas passam a ter 90 dias para atingir a maioria simples dos créditos. Uma vez que consigam isso, o restante dos credores são incluídos no processo.

Uma diferença entre RJ e RE é que a primeira exige, além da aprovação por valor de crédito, também em número de credores. Ou seja, na RE, se a empresa conseguir aprovação dos credores donos de mais da metade dos créditos, o processo passa a valer. Ela não precisa também conseguir a aprovação de mais da metade do número de credores.

Dessa forma, segundo especialistas no processo, a RE acaba servindo principalmente para empresas que têm as suas dívidas concentradas em menos credores, o que facilita a negociação entre os dois lados. Se a situação for de créditos muito dispersos, o processo é dificultado.

“A recuperação extrajudicial tem ganhado destaque por ser útil para solucionar crises de empresas cujo endividamento ainda está limitado às dívidas financeiras. Ou seja, não afetou a operação, pagamento de fornecedores e o atendimento dos consumidores”, diz o advogado Eduardo Munhoz, um dos maiores especialistas em recuperação judicial do Brasil.

Segundo ele, são empresas que, em geral, são viáveis e saudáveis, mas têm problema de estrutura de capital. “O mercado como um todo, incluindo bancos, debenturistas e bondholders, aprendeu a lidar com a RE, preferindo esse instrumento à Recuperação Judicial.”

Giuliano Colombo, sócio da área de reestruturação do escritório Pinheiro Neto Advogados, corrobora a opinião de Munhoz. Segundo ele, houve uma mudança de mentalidade, com um maior entendimento das ferramentas disponíveis para a recuperação das empresas, e também das dinâmicas de negociação. “Assim, os credores passaram a ser mais proativos na procura de soluções que evitem aquelas RJs mais sangrentas que levam muito tempo.”

Segundo ele, a tendência percebida nos últimos tempos, e a que deve se estabelecer no mercado, é de as empresas tentando evitar uma RJ a todo custo. A primeira alternativa para elas, se houver tempo, é buscar um acordo privado, conhecido pela expressão em inglês “liability management”, que pode ser traduzido como administração de passivos.

Se não houver um consenso, elas podem passar para a RE e buscar uma aprovação da maioria dos credores, para “arrastar o restante” para o acordo. Por fim, então, se nada disso der certo, rumar para a “inevitável” RJ.

Vantagens

Entre os problemas percebidos nos últimos tempos com as RJs, estão os altos custos do processo, uma vez que envolvem a remuneração de um administrador judicial, o que pode chegar a até 5% do valor da dívida. Além disso, é preciso montar uma assembleia de credores.

Toda a aprovação é feita por meio de decisões de um juiz, e as discussões acabam se estendendo. Por esse período, a empresa enfrenta grandes dificuldades operacionais e de acesso a crédito.

Para grande parte dos especialistas, o modelo de RJ em si não é problemático, mas sim o fato de que as empresas costumam aderir a ele apenas como o último recurso. Normalmente, elas entram no processo quando já correm risco de falência, estão com os seus melhores ativos já comprometidos e perderam mercado. Tudo isso dificulta muito uma recuperação.

“A RJ é um instrumento muito poderoso, e muito bom, mas se o paciente vai para UTI muito tarde, a eficácia do tratamento vai diminuindo. Fica mais difícil, e o instituto da RJ acaba levando a fama”, diz Colombo. Com isso, quando as empresas aderem a RJ, costumam ficar marcadas como se estivessem numa espécie de antessala para a falência.

A RE, por outro lado, não carrega esta má fama, o que é uma de suas vantagens. Mas existem outros benefícios, além também dos menores custos. “Ela é muito mais rápida. A gente faz um acordo, e daí a RE já nasce pronta. É a preferida de quem está envolvido nesses casos. É muito mais leve e efetiva”, afirma o sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, especializada na recuperação de empresas, Eduardo Gallardo. “Sempre brinco com os clientes que o problema da RE é que o nome dela é muito parecida com o da RJ. Mas são ferramentas muito distintas”

O sócio da Felsberg Advogados, Thomaz Felsberg, também elogia a mecânica simples do plano de recuperação extrajudicial. “Há casos em que o processo se encerra em 40 dias, mitigando pela rapidez, os efeitos danosos do reconhecimento da insolvência. Em outras palavras, o processo é mais rápido do que uma recuperação judicial, custa menos e devolve rapidamente a empresa à economia, com sua dívida reestruturada.”

Histórico

O primeiro caso de recuperação extrajudicial no Brasil envolveu, em 2017, o grupo Colombo, dono da camisaria de mesmo nome fundada em 1917, e que tinha dívidas de R$ 1,6 bilhão. No ano seguinte, foi a vez da varejista Máquina de Vendas, dona da Ricardo Eletro, pedir uma RE, que foi a maior da primeira leva desses processos, com dívida na época estimada em R$ 1,9 bilhão. Esses dois processos envolveram o fundo de investimentos voltado a ativos problemáticos Starboard Partners.

Mas a decolagem desse instrumento começou só no último ano. Depois de uma série de RJs traumáticas para os bancos credores, no começo de 2023, com os casos de Lojas Americanas, Light e Oi, foi a vez de as REs ganharem mais chances.

Loja das Casas Bahia, em São Caetano do Sul, que ajudou a desmistificar os processos de RE nos últimos tempos Foto: Taba Benedicto/Estadão

O caso envolvendo a Casas Bahia, que pediu RE no dia 28 de abril deste ano, está sendo tratado como um marco para a nova tendência. Apesar de envolver dívidas de R$ 4,1 bilhões, todo o processo levou apenas 43 dias. Isso mostrou que a RE pode causar menor ruído no mercado, e facilitar com que a empresa continue operando de forma mais eficiente.

“A Casas Bahia ajudou a tirar um pouco da mística do mercado”, diz Gallardo, da Alvarez & Marsal, que participou do processo. “Agora, eu vejo um crescimento de REs acontecendo e ele vai ser ainda maior, chegando mais a setores como os de agronegócios e de serviços, além do próprio varejo.”

Os acordos de RE não incluem passivos trabalhistas. Empresas que precisam resolver essa questão acabam sendo levadas para RJ. Em comum, ambos os instrumentos não contemplam dívidas tributárias.

Segundo estudo da Serasa Experian, existiam, em julho deste ano, 6,9 milhões de empresas inadimplentes no Brasil. Isso pode ser um indicativo de que novas reestruturações de dívidas podem estar a caminho.

Com uma dívida de R$ 22 bilhões, a InterCement se juntou a um grupo de 31 empresas que buscaram o caminho da recuperação extrajudicial (RE) para reorganizar seus passivos. A terceira maior fabricante de cimento do País tem de longe a maior dívida que será reestruturada por meio de um acordo feito com os credores e homologado na Justiça. Mas está ao lado de outras empresas relevantes como Casas Bahia, com passivo de R$ 4 bilhões; Araguaia Níquel Metais, com R$ 2 bilhões; e Tok&Stok, R$ 402 milhões.

O valor total dos pedidos de recuperação extrajudicial que chegaram à Justiça este ano soma R$ 31 bilhões, mais de 300% acima do total de 2023. Esse é o maior volume de renegociações feitas por meio da modalidade, que tem ganhado a preferência das companhias por evitar o ônus do processo de recuperação judicial (RJ), que se arrasta por anos na Justiça, é custoso, prejudica a imagem da empresa e depende, em todo o seu percurso, do aval de um juiz.

“De cada cinco pedidos de reestruturação que chegam à Justiça por grandes empresas, um é da modalidade extrajudicial”, diz a advogada Juliana Biolchi, coordenadora do Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre), núcleo de pesquisa que busca reunir informações e dados sobre a utilização da recuperação extrajudicial no País.

Para ela, o crescimento reflete a sofisticação e a flexibilidade oferecida pelo instrumento, uma vez que as negociações são feitas diretamente entre devedores e credores. O Judiciário entra no processo somente para chancelar o acordo.

O aumento das recuperações extrajudiciais é reflexo de um cenário ainda apertado, com o juro básico da economia em 10,75% ao ano e em ciclo de alta nos próximos meses. De janeiro de 2021 a agosto de 2023, a Selic subiu de 2% para 13,75%, pegando muitas empresas endividadas no contrapé. Em setembro de 2023, o Banco Central iniciou um processo de afrouxamento monetário até chegar a 10,5% em maio deste ano. Na última reunião do Copom, na semana passada, os diretores do BC decidiram retomar o processo de alta dos juros, que deve se manter até, pelo menos, janeiro de 2025.

O executivo Ricardo Knoepfelmacher, conhecido como Ricardo K., especialista em reestruturação de empresas em dificuldades financeiras, afirma que hoje 30% das 400 maiores empresas do País não têm condições de pagar suas dívidas como foram pactuadas inicialmente. “Esse é um momento em que muitos bancos estão tendo de fazer reestruturações bilaterais para evitar que as empresas entrem em recuperação judicial e eles sejam obrigados a provisionar o que não tem garantia real ou extraconcursal, como alienação fiduciária”, diz o especialista.

Fábrica da cimenteira InterCement, em Ijaci (MG), que fez o maior pedido de recuperação extrajudicial de 2024 Foto: InterCement/Divulgação

A procura das empresas pela recuperação extrajudicial se deve à reforma da lei de recuperação judicial e falências, feita em 2020 e que entrou em vigor em 2021. Juliana Biolchi diz que as mudanças tornaram essa abordagem mais eficiente e simplificou procedimentos, como a diminuição do número de credores necessários para aprovar o plano. Tanto que de lá para cá, o número de novos pedidos dobrou. No ano passado, o crescimento já havia sido de 115%, segundo o Obre.

Antes da mudança regulatória, qualquer processo extrajudicial precisava de aprovação dos credores com 60% do valor da dívida para ser aprovado. A nova regra baixou a necessidade de aprovação para qualquer valor acima dos 50% dos créditos.

Além disso, autorizou as empresas a darem entrada no processo de RE com apenas 33% garantidos. A partir desse momento, elas passam a ter 90 dias para atingir a maioria simples dos créditos. Uma vez que consigam isso, o restante dos credores são incluídos no processo.

Uma diferença entre RJ e RE é que a primeira exige, além da aprovação por valor de crédito, também em número de credores. Ou seja, na RE, se a empresa conseguir aprovação dos credores donos de mais da metade dos créditos, o processo passa a valer. Ela não precisa também conseguir a aprovação de mais da metade do número de credores.

Dessa forma, segundo especialistas no processo, a RE acaba servindo principalmente para empresas que têm as suas dívidas concentradas em menos credores, o que facilita a negociação entre os dois lados. Se a situação for de créditos muito dispersos, o processo é dificultado.

“A recuperação extrajudicial tem ganhado destaque por ser útil para solucionar crises de empresas cujo endividamento ainda está limitado às dívidas financeiras. Ou seja, não afetou a operação, pagamento de fornecedores e o atendimento dos consumidores”, diz o advogado Eduardo Munhoz, um dos maiores especialistas em recuperação judicial do Brasil.

Segundo ele, são empresas que, em geral, são viáveis e saudáveis, mas têm problema de estrutura de capital. “O mercado como um todo, incluindo bancos, debenturistas e bondholders, aprendeu a lidar com a RE, preferindo esse instrumento à Recuperação Judicial.”

Giuliano Colombo, sócio da área de reestruturação do escritório Pinheiro Neto Advogados, corrobora a opinião de Munhoz. Segundo ele, houve uma mudança de mentalidade, com um maior entendimento das ferramentas disponíveis para a recuperação das empresas, e também das dinâmicas de negociação. “Assim, os credores passaram a ser mais proativos na procura de soluções que evitem aquelas RJs mais sangrentas que levam muito tempo.”

Segundo ele, a tendência percebida nos últimos tempos, e a que deve se estabelecer no mercado, é de as empresas tentando evitar uma RJ a todo custo. A primeira alternativa para elas, se houver tempo, é buscar um acordo privado, conhecido pela expressão em inglês “liability management”, que pode ser traduzido como administração de passivos.

Se não houver um consenso, elas podem passar para a RE e buscar uma aprovação da maioria dos credores, para “arrastar o restante” para o acordo. Por fim, então, se nada disso der certo, rumar para a “inevitável” RJ.

Vantagens

Entre os problemas percebidos nos últimos tempos com as RJs, estão os altos custos do processo, uma vez que envolvem a remuneração de um administrador judicial, o que pode chegar a até 5% do valor da dívida. Além disso, é preciso montar uma assembleia de credores.

Toda a aprovação é feita por meio de decisões de um juiz, e as discussões acabam se estendendo. Por esse período, a empresa enfrenta grandes dificuldades operacionais e de acesso a crédito.

Para grande parte dos especialistas, o modelo de RJ em si não é problemático, mas sim o fato de que as empresas costumam aderir a ele apenas como o último recurso. Normalmente, elas entram no processo quando já correm risco de falência, estão com os seus melhores ativos já comprometidos e perderam mercado. Tudo isso dificulta muito uma recuperação.

“A RJ é um instrumento muito poderoso, e muito bom, mas se o paciente vai para UTI muito tarde, a eficácia do tratamento vai diminuindo. Fica mais difícil, e o instituto da RJ acaba levando a fama”, diz Colombo. Com isso, quando as empresas aderem a RJ, costumam ficar marcadas como se estivessem numa espécie de antessala para a falência.

A RE, por outro lado, não carrega esta má fama, o que é uma de suas vantagens. Mas existem outros benefícios, além também dos menores custos. “Ela é muito mais rápida. A gente faz um acordo, e daí a RE já nasce pronta. É a preferida de quem está envolvido nesses casos. É muito mais leve e efetiva”, afirma o sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, especializada na recuperação de empresas, Eduardo Gallardo. “Sempre brinco com os clientes que o problema da RE é que o nome dela é muito parecida com o da RJ. Mas são ferramentas muito distintas”

O sócio da Felsberg Advogados, Thomaz Felsberg, também elogia a mecânica simples do plano de recuperação extrajudicial. “Há casos em que o processo se encerra em 40 dias, mitigando pela rapidez, os efeitos danosos do reconhecimento da insolvência. Em outras palavras, o processo é mais rápido do que uma recuperação judicial, custa menos e devolve rapidamente a empresa à economia, com sua dívida reestruturada.”

Histórico

O primeiro caso de recuperação extrajudicial no Brasil envolveu, em 2017, o grupo Colombo, dono da camisaria de mesmo nome fundada em 1917, e que tinha dívidas de R$ 1,6 bilhão. No ano seguinte, foi a vez da varejista Máquina de Vendas, dona da Ricardo Eletro, pedir uma RE, que foi a maior da primeira leva desses processos, com dívida na época estimada em R$ 1,9 bilhão. Esses dois processos envolveram o fundo de investimentos voltado a ativos problemáticos Starboard Partners.

Mas a decolagem desse instrumento começou só no último ano. Depois de uma série de RJs traumáticas para os bancos credores, no começo de 2023, com os casos de Lojas Americanas, Light e Oi, foi a vez de as REs ganharem mais chances.

Loja das Casas Bahia, em São Caetano do Sul, que ajudou a desmistificar os processos de RE nos últimos tempos Foto: Taba Benedicto/Estadão

O caso envolvendo a Casas Bahia, que pediu RE no dia 28 de abril deste ano, está sendo tratado como um marco para a nova tendência. Apesar de envolver dívidas de R$ 4,1 bilhões, todo o processo levou apenas 43 dias. Isso mostrou que a RE pode causar menor ruído no mercado, e facilitar com que a empresa continue operando de forma mais eficiente.

“A Casas Bahia ajudou a tirar um pouco da mística do mercado”, diz Gallardo, da Alvarez & Marsal, que participou do processo. “Agora, eu vejo um crescimento de REs acontecendo e ele vai ser ainda maior, chegando mais a setores como os de agronegócios e de serviços, além do próprio varejo.”

Os acordos de RE não incluem passivos trabalhistas. Empresas que precisam resolver essa questão acabam sendo levadas para RJ. Em comum, ambos os instrumentos não contemplam dívidas tributárias.

Segundo estudo da Serasa Experian, existiam, em julho deste ano, 6,9 milhões de empresas inadimplentes no Brasil. Isso pode ser um indicativo de que novas reestruturações de dívidas podem estar a caminho.

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