A onda de insolvência nas empresas brasileiras, que emergiu no ano passado, segue ganhando volume, apesar do crescimento econômico acima das expectativas. Os juros altos são apontados por especialistas como o maior vilão, já que ficou mais caro financiar os negócios. Mas há também outros fatores minando a capacidade de pagamento das empresas, como a inadimplência dos consumidores, o impacto das mudanças climáticas na produção de alimentos, a depreciação cambial, que pressiona custos, e a dificuldade de acompanhar as transformações tecnológicas.
Balanço da Serasa Experian, com dados até setembro, mostra que 1,7 mil empresas já pediram recuperação judicial neste ano, 73% a mais do que no mesmo período de 2023, quando crises na Americanas e na Light atraíram maior atenção à saúde financeira das companhias brasileiras. É o maior número, entre iguais períodos, da série estatística de 19 anos, sendo comparável apenas a 2016.
Em meio à recessão econômica provocada por desequilíbrios fiscais, escândalos revelados pela operação Lava Jato e uma crise política que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, 1,5 mil empresas entraram com pedidos de recuperação judicial, último recurso para evitar a falência, nos nove meses daquele ano.
Com 6,9 milhões de empresas no vermelho e R$ 149,1 bilhões em débitos inadimplentes registrados na Serasa -, não há perspectiva de arrefecimento nos pedidos de recuperação judicial no curto prazo. O risco é de a situação frear o crédito, cuja aceleração tem sido um dos motores do crescimento do consumo e da reação dos investimentos. Uma crise de crédito, o chamado credit crunch, não está no cenário provável de especialistas, mas é possível que, dada a elevação do risco, os bancos passem a cobrar taxas mais altas e se tornem mais seletivos nas concessões a empresas.
“Juros altos, acima de dois dígitos por muito tempo, é como levar socos no fígado durante oito rounds, numa comparação com uma luta de box. O fígado da empresa é o capital de giro, é o custo de carregamento financeiro da dívida. Chega uma hora em que os juros ficam tão altos que toda a geração de caixa acaba sendo consumida pela despesa financeira, e a empresa vai a nocaute”, comenta o economista Fábio Astrauskas, CEO da Siegen, uma consultoria especializada em recuperação judicial e reestruturação de empresas.
Um relatório global produzido pela Allianz Trade prevê um aumento de 33% nos casos de insolvência no Brasil em 2024, atingindo 3,5 mil negócios em situação de recuperação judicial ou mesmo falência. Para 2025 e 2026, a expectativa é de números ainda elevados: 3,4 mil e 3,2 mil casos, respectivamente.
Analista líder da pesquisa na Allianz Trade, Maxime Lemerle também atribui o salto dos casos de insolvência, que já tinham subido 39% no ano passado, ao efeito da política monetária restritiva sobre as finanças de empresas mais frágeis, principalmente as mais endividadas. Após um período de afrouxamento moderado, o Banco Central (BC) voltou a subir os juros no mês passado, e a expectativa no mercado é de a taxa básica, atualmente em 10,75%, passar de 12% no começo do ano que vem.
Leia Também:
Lemerle acrescenta que a alta volatilidade de preços nos últimos anos, tanto de insumos de produção quanto de bens de consumo, aumentou a dificuldade na gestão dos negócios, levando a erros das empresas em seus orçamentos. “Também temos mudanças estruturais em andamento que exigem das empresas ajustes, como a maior complexidade do comércio global, a concorrência do comércio eletrônico e a transição para a economia verde.” O analista da seguradora de crédito pondera, porém, que, embora esteja em tendência de alta atualmente, o Brasil já passou por momentos piores na década de 1990, quando os casos de insolvência superavam 6,6 mil empresas por ano.
O economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, vê uma tendência de elevação dos spreads - a diferença entre as taxas de captação e os juros cobrados pelos bancos aos clientes - por causa da combinação de juros mais altos e inadimplência. Se a expectativa for confirmada, os maiores impactos se darão nos investimentos e nas micro e pequenas empresas, segmento que sente primeiro a maior cautela das instituições financeiras.
“O crédito para a micro e pequena empresa vai ficar um pouco mais difícil porque os bancos, nessa situação, acabam sendo mais seletivos e criteriosos nas concessões”, prevê Rabi. “Provavelmente teremos um crédito crescendo menos, abaixo de dois dígitos, no ano que vem. Mas ainda não é um quadro recessivo. Não estamos batendo às portas de uma recessão, por enquanto é um cenário de desaceleração”, acrescenta o economista da Serasa Experian.