Shein: pressão de Brasil e EUA para taxar compras de baixo valor desafia IPO da empresa


Varejistas americanas e brasileiras cobram dos governos regras mais duras para entrada de produtos importados em mercado local por meio do marketplace

Por Aline Bronzati
Atualização:

NOVA YORK - A ameaça de cobrança de impostos a itens de baixo valor nos Estados Unidos e no Brasil pode ser uma pedra no caminho da Shein, um dos maiores nomes da moda fashionista, na ambição de colocar os pés em Wall Street. A companhia acaba de entrar com um pedido confidencial para uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) nos EUA que pode avaliá-la em US$ 90 bilhões, na maior abertura de capital esperada para 2024.

Enquanto isso, varejistas em diferentes países como EUA, Brasil e da Europa cobram regras mais duras para a taxação de produtos de baixo valor vendidos por plataformas estrangeiras. A justificativa é a mesma: o avanço da fashionista pelo mundo vendendo peças de US$ 5 pode ser o caminho para a mortalidade de negócios tradicionais e a destruição de empregos em seus respectivos países. No Brasil, toda a cadeia, incluindo a indústria e o varejo têxtil e de confecções, emprega 1,7 milhão de pessoas.

A Shein já ultrapassou nomes como Zara e H&M. Além dela, sites como o chinês Temu, de baixo custo nos moldes do Aliexpress, têm crescido em larga escala nos EUA.

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Como resposta à pressão do setor, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu voltar a taxar produtos importados que custam menos de US$ 50 até o fim do ano. O movimento ocorre na esteira da criação de um novo programa pela Receita Federal, batizado de Remessa Conforme, e que estabelece uma nova forma de tributação de importação para empresas de comércio eletrônico cadastradas. Aquelas que aderiram deixaram de ser taxadas.

“Há uma expectativa do varejo de uma decisão ainda no início de dezembro para que possa impactar positivamente o evento mais importante do varejo nacional que são as vendas de fim de ano, de Natal”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), Edmundo Lima, em entrevista ao Estadão/Broadcast. “Seria um alento”, reforça.

Varejo brasileiro espera uma mudança na taxação ainda neste ano Foto: Dado Ruvic/Reuters
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Nesta terça-feira, o vice-presidente Geraldo Alckmin garantiu que o governo já tem uma solução de isonomia tributária pronta para ser aplicada. Está à espera somente do retorno do presidente Lula da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-28), que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

De acordo com Lima, da ABVTEX, três temas preocupam o setor varejista brasileiro com o avanço das plataformas estrangeiras de marketplaces: isonomia tributária, ilegalidades e fraudes, além de questões referentes à saúde e segurança do consumidor e do meio ambiente. “A tributária é a que mais dói no varejo brasileiro”, afirma.

Alíquota

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De acordo com estudo do Bradesco BBI, para que varejistas locais, como Renner, igualem a concorrência com a Shein, seria necessário um imposto de importação de 60%. O cenário é considerado como “possível”, mas não “provável” pelo banco. “O atual ambiente de preços/impostos já incorpora o pior cenário para os varejistas locais. Quanto mais alto e mais cedo (for implementado um imposto), melhor para os estoques de vestuário”, dizem analistas do Bradesco BBI.

Nos EUA, o cerco também está se fechando. Tal como no Brasil, varejistas americanas fazem lobby por mudanças em uma antiga regra, conhecida como ‘de minimis’. Do latim, o termo é usado para se referir a algo pequeno demais para se preocupar. Em vigor há cerca de 100 anos, a política permite que encomendas de até US$ 800 (cerca de R$ 3.920) entrem no país sem taxação de imposto.

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“O limite para remessas ‘de minimis’ foi aumentado em 2015 de US$ 200 para US$ 800, e empresas como Temu e Shein foram beneficiadas, pois suas remessas diretas não estão sujeitas a tarifas”, diz o Bank of America, em recente relatório a clientes.

O Congresso americano tem monitorado o assunto bem de perto, a exemplo do movimento que ocorre no Brasil. Um projeto de lei tentou excluir países como China e Rússia da regra ‘de minimis’ em junho último, mas a iniciativa não passou pelo crivo do Senado. Apesar de apoiá-la, o Conselho Nacional de Organizações Têxteis dos EUA, um dos grupos de lobby, defende uma medida mais eficaz.

“Acreditamos que o governo precisa usar sua autoridade executiva para tirar todos os envios de comércio eletrônico do tratamento ‘de minimis’”, disse a presidente do grupo de lobby, Kim Glas, em recente entrevista ao New York Times.

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A woman holds a Shein shopping bag stand outside the first permanent showroom of Chinese online fast fashion giant Shein on the opening day of the shop in Tokyo on November 13, 2022. (Photo by Yuichi YAMAZAKI / AFP) Foto: Yuichi Yamazaki/AFP

Diversos países como Canadá, África do Sul, Indonésia e Argentina já fizeram alterações em suas regras ‘de minimis’ locais, baixando ou zerando valores para isenção tributária. Mesmo nos Estados Unidos, o tema deixou de ser uma discussão política e passou a a ser uma discussão comercial e até mesmo de segurança nacional, diz um executivo do setor, na condição de anonimato.

Práticas trabalhistas injustas por trás da produção dos produtos vendidos por marketplaces estrangeiros também preocupam. Nos EUA, há uma investigação em curso no Congresso americano sobre produtos vendidos no país e que poderiam ser fabricados com trabalho análogo a escravidão.

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“É uma política de Estado na China”, critica um executivo. A própria Shein tem tentado se distanciar do seu país de origem alegando que é uma empresa internacional e com sede em Cingapura.

No Brasil, não há uma investigação em curso, mas o tema preocupa à medida que também não há fiscalização dos pacotes que chegam diariamente nas casas dos consumidores e que não cumprem requisitos exigidos às varejistas locais, segundo o diretor executivo da ABVTEX. Além da questão trabalhista, ele menciona ainda o padrão para as roupas, limitação de uso de substâncias químicas restritas, proteção ao meio ambiente, dentre outras.

Crescimento estelar

Mas o principal motivo para o desconforto dos varejistas americanos com uma medida tão antiga nos EUA tem por trás a escala de negócios como a Shein e a Temu nos EUA. Somente pela regra ‘de minimis’, entram no país cerca de 3 milhões de produtos todos os dias. Metade são produtos têxteis e de vestuário. Temu e Shein eram responsáveis por cerca de 30% dos pacotes, mostrou relatório do comitê da Câmara de Representantes dos EUA sobre o Partido Comunista Chinês (PCC).

A Shein parte para o IPO após resultados recordes neste ano, segundo fontes em Wall Street. Depois de registrar US$ 24 bilhões em vendas globais em 2022, a empresa indicou como meta uma receita global de US$ 60 bilhões em 2025, conforme matéria do britânico Financial Times de fevereiro. Como comparação, a gigante do varejo americano Target prevê US$ 108 bilhões em vendas no ano fiscal de 2024.

“E as vendas da Temu já ultrapassam o dobro das vendas da Shein, apesar da longa história da Shein nos EUA”, diz o Bank of America. O site foi lançado há pouco mais de um ano e a sustentabilidade do seu crescimento, ancorado em gastos com publicidade são questionáveis em Wall Street.

A questão tributária é considerada uma ameaça para os resultados futuros de plataformas estrangeiras de marketplaces, na visão de especialistas. “Isso, logicamente, faz com que esse crescimento estelar perca velocidade”, diz uma fonte, que prefere não ser mencionada.

O tema preocupa investidores estrangeiros e deve ser um dos pontos abordados durante a jornada da Shein para emplacar o seu IPO nos EUA, na visão de fontes ouvidas pelo Broadcast.

Como há muito dinheiro no mundo, a ameaça tributária pode não impedir a gigante fashionista de avançar com o seu plano, mas pode restringir a oferta, diz uma delas. Para essa fonte, o tema tende a gerar mais barulho e faz com que a empresa tenha “pressa” em seguir com o IPO.

Para o Bank of America, a pauta ESG pode ser o “principal obstáculo” para a Shein. “A empresa enfrenta algumas preocupações ESG que podem impedir a sua ascensão”, diz.

O banco vê quatro riscos principais: práticas trabalhistas, violação de direitos autorais nas confecções, produtos ofensivos sob o aspecto cultural e o uso de algodão vinculado à Xinjiang, região chinesa acusada de trabalho forçado e que é proibido de entrar nos EUA por lei federal. “Estas questões podem levar a potenciais proibições governamentais, como na Índia (antes o seu principal mercado)”, alerta o Bank of America.

A Shein foi avaliada em US$ 66 bilhões em sua última rodada de aportes, em junho. Dentre seus investidores, tem nomes como a gestora General Atlantic, o Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi, e a Sequoia Capital, do Vale do Silício. Em Wall Street, a expectativa é de que a abertura de capital avalie a fashionista em US$ 90 bilhões. A empresa contratou Goldman Sachs, JPMorgan Chase e o Morgan Stanley para assessorá-la nessa jornada, que deve ter a questão tributária como um dos desafios à frente.

Procurada, a Shein disse que não comenta assuntos relacionados ao IPO.

NOVA YORK - A ameaça de cobrança de impostos a itens de baixo valor nos Estados Unidos e no Brasil pode ser uma pedra no caminho da Shein, um dos maiores nomes da moda fashionista, na ambição de colocar os pés em Wall Street. A companhia acaba de entrar com um pedido confidencial para uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) nos EUA que pode avaliá-la em US$ 90 bilhões, na maior abertura de capital esperada para 2024.

Enquanto isso, varejistas em diferentes países como EUA, Brasil e da Europa cobram regras mais duras para a taxação de produtos de baixo valor vendidos por plataformas estrangeiras. A justificativa é a mesma: o avanço da fashionista pelo mundo vendendo peças de US$ 5 pode ser o caminho para a mortalidade de negócios tradicionais e a destruição de empregos em seus respectivos países. No Brasil, toda a cadeia, incluindo a indústria e o varejo têxtil e de confecções, emprega 1,7 milhão de pessoas.

A Shein já ultrapassou nomes como Zara e H&M. Além dela, sites como o chinês Temu, de baixo custo nos moldes do Aliexpress, têm crescido em larga escala nos EUA.

Como resposta à pressão do setor, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu voltar a taxar produtos importados que custam menos de US$ 50 até o fim do ano. O movimento ocorre na esteira da criação de um novo programa pela Receita Federal, batizado de Remessa Conforme, e que estabelece uma nova forma de tributação de importação para empresas de comércio eletrônico cadastradas. Aquelas que aderiram deixaram de ser taxadas.

“Há uma expectativa do varejo de uma decisão ainda no início de dezembro para que possa impactar positivamente o evento mais importante do varejo nacional que são as vendas de fim de ano, de Natal”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), Edmundo Lima, em entrevista ao Estadão/Broadcast. “Seria um alento”, reforça.

Varejo brasileiro espera uma mudança na taxação ainda neste ano Foto: Dado Ruvic/Reuters

Nesta terça-feira, o vice-presidente Geraldo Alckmin garantiu que o governo já tem uma solução de isonomia tributária pronta para ser aplicada. Está à espera somente do retorno do presidente Lula da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-28), que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

De acordo com Lima, da ABVTEX, três temas preocupam o setor varejista brasileiro com o avanço das plataformas estrangeiras de marketplaces: isonomia tributária, ilegalidades e fraudes, além de questões referentes à saúde e segurança do consumidor e do meio ambiente. “A tributária é a que mais dói no varejo brasileiro”, afirma.

Alíquota

De acordo com estudo do Bradesco BBI, para que varejistas locais, como Renner, igualem a concorrência com a Shein, seria necessário um imposto de importação de 60%. O cenário é considerado como “possível”, mas não “provável” pelo banco. “O atual ambiente de preços/impostos já incorpora o pior cenário para os varejistas locais. Quanto mais alto e mais cedo (for implementado um imposto), melhor para os estoques de vestuário”, dizem analistas do Bradesco BBI.

Nos EUA, o cerco também está se fechando. Tal como no Brasil, varejistas americanas fazem lobby por mudanças em uma antiga regra, conhecida como ‘de minimis’. Do latim, o termo é usado para se referir a algo pequeno demais para se preocupar. Em vigor há cerca de 100 anos, a política permite que encomendas de até US$ 800 (cerca de R$ 3.920) entrem no país sem taxação de imposto.

“O limite para remessas ‘de minimis’ foi aumentado em 2015 de US$ 200 para US$ 800, e empresas como Temu e Shein foram beneficiadas, pois suas remessas diretas não estão sujeitas a tarifas”, diz o Bank of America, em recente relatório a clientes.

O Congresso americano tem monitorado o assunto bem de perto, a exemplo do movimento que ocorre no Brasil. Um projeto de lei tentou excluir países como China e Rússia da regra ‘de minimis’ em junho último, mas a iniciativa não passou pelo crivo do Senado. Apesar de apoiá-la, o Conselho Nacional de Organizações Têxteis dos EUA, um dos grupos de lobby, defende uma medida mais eficaz.

“Acreditamos que o governo precisa usar sua autoridade executiva para tirar todos os envios de comércio eletrônico do tratamento ‘de minimis’”, disse a presidente do grupo de lobby, Kim Glas, em recente entrevista ao New York Times.

A woman holds a Shein shopping bag stand outside the first permanent showroom of Chinese online fast fashion giant Shein on the opening day of the shop in Tokyo on November 13, 2022. (Photo by Yuichi YAMAZAKI / AFP) Foto: Yuichi Yamazaki/AFP

Diversos países como Canadá, África do Sul, Indonésia e Argentina já fizeram alterações em suas regras ‘de minimis’ locais, baixando ou zerando valores para isenção tributária. Mesmo nos Estados Unidos, o tema deixou de ser uma discussão política e passou a a ser uma discussão comercial e até mesmo de segurança nacional, diz um executivo do setor, na condição de anonimato.

Práticas trabalhistas injustas por trás da produção dos produtos vendidos por marketplaces estrangeiros também preocupam. Nos EUA, há uma investigação em curso no Congresso americano sobre produtos vendidos no país e que poderiam ser fabricados com trabalho análogo a escravidão.

“É uma política de Estado na China”, critica um executivo. A própria Shein tem tentado se distanciar do seu país de origem alegando que é uma empresa internacional e com sede em Cingapura.

No Brasil, não há uma investigação em curso, mas o tema preocupa à medida que também não há fiscalização dos pacotes que chegam diariamente nas casas dos consumidores e que não cumprem requisitos exigidos às varejistas locais, segundo o diretor executivo da ABVTEX. Além da questão trabalhista, ele menciona ainda o padrão para as roupas, limitação de uso de substâncias químicas restritas, proteção ao meio ambiente, dentre outras.

Crescimento estelar

Mas o principal motivo para o desconforto dos varejistas americanos com uma medida tão antiga nos EUA tem por trás a escala de negócios como a Shein e a Temu nos EUA. Somente pela regra ‘de minimis’, entram no país cerca de 3 milhões de produtos todos os dias. Metade são produtos têxteis e de vestuário. Temu e Shein eram responsáveis por cerca de 30% dos pacotes, mostrou relatório do comitê da Câmara de Representantes dos EUA sobre o Partido Comunista Chinês (PCC).

A Shein parte para o IPO após resultados recordes neste ano, segundo fontes em Wall Street. Depois de registrar US$ 24 bilhões em vendas globais em 2022, a empresa indicou como meta uma receita global de US$ 60 bilhões em 2025, conforme matéria do britânico Financial Times de fevereiro. Como comparação, a gigante do varejo americano Target prevê US$ 108 bilhões em vendas no ano fiscal de 2024.

“E as vendas da Temu já ultrapassam o dobro das vendas da Shein, apesar da longa história da Shein nos EUA”, diz o Bank of America. O site foi lançado há pouco mais de um ano e a sustentabilidade do seu crescimento, ancorado em gastos com publicidade são questionáveis em Wall Street.

A questão tributária é considerada uma ameaça para os resultados futuros de plataformas estrangeiras de marketplaces, na visão de especialistas. “Isso, logicamente, faz com que esse crescimento estelar perca velocidade”, diz uma fonte, que prefere não ser mencionada.

O tema preocupa investidores estrangeiros e deve ser um dos pontos abordados durante a jornada da Shein para emplacar o seu IPO nos EUA, na visão de fontes ouvidas pelo Broadcast.

Como há muito dinheiro no mundo, a ameaça tributária pode não impedir a gigante fashionista de avançar com o seu plano, mas pode restringir a oferta, diz uma delas. Para essa fonte, o tema tende a gerar mais barulho e faz com que a empresa tenha “pressa” em seguir com o IPO.

Para o Bank of America, a pauta ESG pode ser o “principal obstáculo” para a Shein. “A empresa enfrenta algumas preocupações ESG que podem impedir a sua ascensão”, diz.

O banco vê quatro riscos principais: práticas trabalhistas, violação de direitos autorais nas confecções, produtos ofensivos sob o aspecto cultural e o uso de algodão vinculado à Xinjiang, região chinesa acusada de trabalho forçado e que é proibido de entrar nos EUA por lei federal. “Estas questões podem levar a potenciais proibições governamentais, como na Índia (antes o seu principal mercado)”, alerta o Bank of America.

A Shein foi avaliada em US$ 66 bilhões em sua última rodada de aportes, em junho. Dentre seus investidores, tem nomes como a gestora General Atlantic, o Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi, e a Sequoia Capital, do Vale do Silício. Em Wall Street, a expectativa é de que a abertura de capital avalie a fashionista em US$ 90 bilhões. A empresa contratou Goldman Sachs, JPMorgan Chase e o Morgan Stanley para assessorá-la nessa jornada, que deve ter a questão tributária como um dos desafios à frente.

Procurada, a Shein disse que não comenta assuntos relacionados ao IPO.

NOVA YORK - A ameaça de cobrança de impostos a itens de baixo valor nos Estados Unidos e no Brasil pode ser uma pedra no caminho da Shein, um dos maiores nomes da moda fashionista, na ambição de colocar os pés em Wall Street. A companhia acaba de entrar com um pedido confidencial para uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) nos EUA que pode avaliá-la em US$ 90 bilhões, na maior abertura de capital esperada para 2024.

Enquanto isso, varejistas em diferentes países como EUA, Brasil e da Europa cobram regras mais duras para a taxação de produtos de baixo valor vendidos por plataformas estrangeiras. A justificativa é a mesma: o avanço da fashionista pelo mundo vendendo peças de US$ 5 pode ser o caminho para a mortalidade de negócios tradicionais e a destruição de empregos em seus respectivos países. No Brasil, toda a cadeia, incluindo a indústria e o varejo têxtil e de confecções, emprega 1,7 milhão de pessoas.

A Shein já ultrapassou nomes como Zara e H&M. Além dela, sites como o chinês Temu, de baixo custo nos moldes do Aliexpress, têm crescido em larga escala nos EUA.

Como resposta à pressão do setor, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu voltar a taxar produtos importados que custam menos de US$ 50 até o fim do ano. O movimento ocorre na esteira da criação de um novo programa pela Receita Federal, batizado de Remessa Conforme, e que estabelece uma nova forma de tributação de importação para empresas de comércio eletrônico cadastradas. Aquelas que aderiram deixaram de ser taxadas.

“Há uma expectativa do varejo de uma decisão ainda no início de dezembro para que possa impactar positivamente o evento mais importante do varejo nacional que são as vendas de fim de ano, de Natal”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), Edmundo Lima, em entrevista ao Estadão/Broadcast. “Seria um alento”, reforça.

Varejo brasileiro espera uma mudança na taxação ainda neste ano Foto: Dado Ruvic/Reuters

Nesta terça-feira, o vice-presidente Geraldo Alckmin garantiu que o governo já tem uma solução de isonomia tributária pronta para ser aplicada. Está à espera somente do retorno do presidente Lula da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-28), que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

De acordo com Lima, da ABVTEX, três temas preocupam o setor varejista brasileiro com o avanço das plataformas estrangeiras de marketplaces: isonomia tributária, ilegalidades e fraudes, além de questões referentes à saúde e segurança do consumidor e do meio ambiente. “A tributária é a que mais dói no varejo brasileiro”, afirma.

Alíquota

De acordo com estudo do Bradesco BBI, para que varejistas locais, como Renner, igualem a concorrência com a Shein, seria necessário um imposto de importação de 60%. O cenário é considerado como “possível”, mas não “provável” pelo banco. “O atual ambiente de preços/impostos já incorpora o pior cenário para os varejistas locais. Quanto mais alto e mais cedo (for implementado um imposto), melhor para os estoques de vestuário”, dizem analistas do Bradesco BBI.

Nos EUA, o cerco também está se fechando. Tal como no Brasil, varejistas americanas fazem lobby por mudanças em uma antiga regra, conhecida como ‘de minimis’. Do latim, o termo é usado para se referir a algo pequeno demais para se preocupar. Em vigor há cerca de 100 anos, a política permite que encomendas de até US$ 800 (cerca de R$ 3.920) entrem no país sem taxação de imposto.

“O limite para remessas ‘de minimis’ foi aumentado em 2015 de US$ 200 para US$ 800, e empresas como Temu e Shein foram beneficiadas, pois suas remessas diretas não estão sujeitas a tarifas”, diz o Bank of America, em recente relatório a clientes.

O Congresso americano tem monitorado o assunto bem de perto, a exemplo do movimento que ocorre no Brasil. Um projeto de lei tentou excluir países como China e Rússia da regra ‘de minimis’ em junho último, mas a iniciativa não passou pelo crivo do Senado. Apesar de apoiá-la, o Conselho Nacional de Organizações Têxteis dos EUA, um dos grupos de lobby, defende uma medida mais eficaz.

“Acreditamos que o governo precisa usar sua autoridade executiva para tirar todos os envios de comércio eletrônico do tratamento ‘de minimis’”, disse a presidente do grupo de lobby, Kim Glas, em recente entrevista ao New York Times.

A woman holds a Shein shopping bag stand outside the first permanent showroom of Chinese online fast fashion giant Shein on the opening day of the shop in Tokyo on November 13, 2022. (Photo by Yuichi YAMAZAKI / AFP) Foto: Yuichi Yamazaki/AFP

Diversos países como Canadá, África do Sul, Indonésia e Argentina já fizeram alterações em suas regras ‘de minimis’ locais, baixando ou zerando valores para isenção tributária. Mesmo nos Estados Unidos, o tema deixou de ser uma discussão política e passou a a ser uma discussão comercial e até mesmo de segurança nacional, diz um executivo do setor, na condição de anonimato.

Práticas trabalhistas injustas por trás da produção dos produtos vendidos por marketplaces estrangeiros também preocupam. Nos EUA, há uma investigação em curso no Congresso americano sobre produtos vendidos no país e que poderiam ser fabricados com trabalho análogo a escravidão.

“É uma política de Estado na China”, critica um executivo. A própria Shein tem tentado se distanciar do seu país de origem alegando que é uma empresa internacional e com sede em Cingapura.

No Brasil, não há uma investigação em curso, mas o tema preocupa à medida que também não há fiscalização dos pacotes que chegam diariamente nas casas dos consumidores e que não cumprem requisitos exigidos às varejistas locais, segundo o diretor executivo da ABVTEX. Além da questão trabalhista, ele menciona ainda o padrão para as roupas, limitação de uso de substâncias químicas restritas, proteção ao meio ambiente, dentre outras.

Crescimento estelar

Mas o principal motivo para o desconforto dos varejistas americanos com uma medida tão antiga nos EUA tem por trás a escala de negócios como a Shein e a Temu nos EUA. Somente pela regra ‘de minimis’, entram no país cerca de 3 milhões de produtos todos os dias. Metade são produtos têxteis e de vestuário. Temu e Shein eram responsáveis por cerca de 30% dos pacotes, mostrou relatório do comitê da Câmara de Representantes dos EUA sobre o Partido Comunista Chinês (PCC).

A Shein parte para o IPO após resultados recordes neste ano, segundo fontes em Wall Street. Depois de registrar US$ 24 bilhões em vendas globais em 2022, a empresa indicou como meta uma receita global de US$ 60 bilhões em 2025, conforme matéria do britânico Financial Times de fevereiro. Como comparação, a gigante do varejo americano Target prevê US$ 108 bilhões em vendas no ano fiscal de 2024.

“E as vendas da Temu já ultrapassam o dobro das vendas da Shein, apesar da longa história da Shein nos EUA”, diz o Bank of America. O site foi lançado há pouco mais de um ano e a sustentabilidade do seu crescimento, ancorado em gastos com publicidade são questionáveis em Wall Street.

A questão tributária é considerada uma ameaça para os resultados futuros de plataformas estrangeiras de marketplaces, na visão de especialistas. “Isso, logicamente, faz com que esse crescimento estelar perca velocidade”, diz uma fonte, que prefere não ser mencionada.

O tema preocupa investidores estrangeiros e deve ser um dos pontos abordados durante a jornada da Shein para emplacar o seu IPO nos EUA, na visão de fontes ouvidas pelo Broadcast.

Como há muito dinheiro no mundo, a ameaça tributária pode não impedir a gigante fashionista de avançar com o seu plano, mas pode restringir a oferta, diz uma delas. Para essa fonte, o tema tende a gerar mais barulho e faz com que a empresa tenha “pressa” em seguir com o IPO.

Para o Bank of America, a pauta ESG pode ser o “principal obstáculo” para a Shein. “A empresa enfrenta algumas preocupações ESG que podem impedir a sua ascensão”, diz.

O banco vê quatro riscos principais: práticas trabalhistas, violação de direitos autorais nas confecções, produtos ofensivos sob o aspecto cultural e o uso de algodão vinculado à Xinjiang, região chinesa acusada de trabalho forçado e que é proibido de entrar nos EUA por lei federal. “Estas questões podem levar a potenciais proibições governamentais, como na Índia (antes o seu principal mercado)”, alerta o Bank of America.

A Shein foi avaliada em US$ 66 bilhões em sua última rodada de aportes, em junho. Dentre seus investidores, tem nomes como a gestora General Atlantic, o Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi, e a Sequoia Capital, do Vale do Silício. Em Wall Street, a expectativa é de que a abertura de capital avalie a fashionista em US$ 90 bilhões. A empresa contratou Goldman Sachs, JPMorgan Chase e o Morgan Stanley para assessorá-la nessa jornada, que deve ter a questão tributária como um dos desafios à frente.

Procurada, a Shein disse que não comenta assuntos relacionados ao IPO.

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