A decisão do deputado Átila Lira (PP-PI) de incluir o fim da isenção de compras de até US$ 50 em plataformas estrangeiras dentro do Projeto de Lei do programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) preocupou o “chairman” para a América Latina da gigante chinesa Shein, Marcelo Claure.
Em entrevista ao Estadão, ele afirmou que a medida vai punir mais os brasileiros mais pobres, que representam os principais clientes da empresa: 91% dos clientes do marketplace são das classes C, D e E.
A alteração feita pelo relator (chamada de jabuti por se tratar de assunto diferente do tema principal do PL) alcança plataformas estrangeiras como Shein, Shopee e AliExpress, entre outros e-commerces. Se aprovada a inclusão ao PL, as mudanças darão fim ao programa federal Remessa Conforme, que isenta de impostos as importações, programa ao qual a Shein foi a primeira companhia a se vincular.
Para Claure, a alteração no texto do projeto que tratava inicialmente de incentivos à indústria automotiva foi vista como uma surpresa por parte da companhia, que esperava uma “conversa aberta” com agentes do governo. “Introduzir isso dentro de uma outra lei, que é a lei da Mover que é de energia e mobilidade, não tem nenhum sentido para mim”, afirma.
O executivo usa uma frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao dizer que as classes menos favorecidas economicamente serão as mais punidas com a aprovação do projeto. “O presidente Lula mesmo fala que nós não podemos ser punitivos contra os pobres. Os clientes da Shein são das classes C, D e E. Eu não acredito que ele (Lula) deixaria isso acontecer”, diz.
Ao criticar o fim da desoneração, o executivo da Shein comenta que os brasileiros que viajam para destinos internacionais podem consumir até US$ 1 mil sem ter de pagar nenhum tipo de tributação de importação, o que demonstraria, segundo ele, uma punição às classes mais pobres que consomem através dos sites de cross border e não em viagens para o exterior.
“Eu viajo muito para o Brasil, e quando eu aterrisso aqui posso comprar até US$ 1 mil de roupas pagando zero imposto. Ou seja, se você tem dinheiro para viajar, você pode importar e não pagar nada por isso”, critica.
De acordo com as estimativas da Shein, a aprovação da PL Mover com o aditivo sobre desoneração de compras internacionais pode impactar o preço dos produtos em até 100%, o que dobraria o custo para a empresa e também o valor repassado aos mais de 45 milhões de consumidores da varejista de moda no País.
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Apesar de afirmar que não tomará nenhuma decisão antes da aprovação do PL pela Câmara, Claure adiantou que caso o projeto prossiga no Legislativo, o impacto para os negócios da companhia podem alterar os planos da empresa no País. “É um impacto muito negativo, você não pode subir 92% dos impostos assim”, avalia. “Eu não acredito que o presidente Lula permitiria uma barbaridade assim de que o rico não pague imposto e o pobre sim.”
Conforme divulgado no último relatório da Receita Federal, o mercado de e-commerce de cross border movimenta aproximadamente R$ 18 bilhões no País, o equivalente a 2% do montante movimentado pelo varejo tradicional.
Para o especialista em varejo da FGV Ulysses Reis, um ajuste na lei ligada à mobilidade e à energia para findar a desoneração de compras internacionais é um movimento “preocupante e confuso”, que se baseia na premissa de que os varejistas nacionais estariam “pedindo por mais impostos” para ter maior competitividade no mercado doméstico.
Na análise do especialista, da forma como está, a aprovação do texto traria um impacto negativo, em especial, para os consumidores mais pobres. “O aumento da carga tributária nunca beneficia o consumidor final, pelo contrário, ele reduz o poder de compra das pessoas”, diz.
Reis afirma que o aumento da carga tributária para esse tipo de compra vai na direção oposta de outros governos, a exemplo dos Estados Unidos, que reduziram os impostos dos varejistas nacionais para aumentar a competitividade do setor ante o crescimento dos sites internacionais. “Falando claramente, o que precisamos é redução da carga tributária atual e do custo Brasil, não o contrário”, afirma.
Na avaliação de Henrique Lopes, sócio de direito tributário do escritório KLA Advogados, as possíveis mudanças no sistema de isenção de tributos para as compras internacionais são um tópico sensível para o governo porque envolve “interesses antagônicos”: de um lado as varejistas nacionais e do outro os e-commerces internacionais.
“A favor da desoneração pode-se citar o interesse do consumidor em acessar produtos baratos e de qualidade e a economia de recursos da fiscalização, que deixa de ter de fiscalizar um volume enorme de operações, podendo se concentrar nas operações de valor maior. Contra a desoneração está o interesse da indústria e o comércio local, que emprega pessoas e paga impostos no Brasil”, afirma.
Em relação à posição de Claure de que, no agregado, o volume de importações possa ser relativamente baixo na comparação com o varejo total, Lopes acredita que “para os negócios de bens de consumo de baixo valor a concorrência é direta e desigual”. “Além disso, a cobrança de impostos reforça o caixa do governo e iguala as condições de competição entre os produtos importados e os nacionais. Portanto, é de fato uma escolha política”, complementa.