A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch, pode ser a produtora de aço mais afetada caso o governo americano acate o pedido de abertura de processos antidumping e de direitos compensatórios por subsídios contra importações de aço laminados de vários países. As petições foram protocolados na quinta-feira, 5, por siderúrgicas americanas, entre elas a gigante US Steel, no Departamento de Comércio dos Estados Unidos (DoC) e na Comissão de Comércio Internacional do país. O movimento conta ainda com apoio do sindicato União Nacional de Trabalhadores, o USW.
Nas reclamações, as empresas locais apontam que estão sendo prejudicadas pela entrada de um tipo de aço, o galvanizado (revestido contra a corrosão), em seus mercados, uma vez que são fabricantes do produto. Elas pedem às autoridades de comércio americanas que abram investigação para imposição de direitos antidumping (AD) e também compensatórios (CVD) por prática de subsídios nos países de origem.
As petições arrolam, além do Brasil, siderúrgicas da Austrália, Canadá, México, Holanda, África do Sul, Taiwan, Turquia, Emirados Árabes Unidos e da República Socialista do Vietnã. Os documentos são assinados pelas siderúrgicas locais Steel Dynamics, US Steel, Nucor Corporation e Wheeling-Nippon Steel, na condição de fabricantes de aço resistente à corrosão, um produto usado no setor automotivo, construção civil e bens da linha branca. E contam com a chancela do USW, que representa trabalhadores em instalações dessas companhias.
No documento, ao qual o Estadão teve acesso, as siderúrgicas brasileiras citadas são ArcelorMittal e sua subsidiária ArcelorMittal Vega (de São Francisco do Sul-SC, que beneficia aços galvanizados), a CSN e a Usiminas. Foram arroladas também empresas beneficiadoras de aço - grupo Aço Cearense, Armco do Brasil e Tuper Indústria Metalúrgica. Estranhamente, a Vale, que não tem mais operações de fabricação de aço no Brasil desde meados de 2022, também tem seu nome incluído nas petições.
Fabricantes brasileiros ainda vivem os impactos de medida imposta pelo governo do ex-presidente Donald Trump, em março de 2018, a seção 232, que determinou uma tarifa de 25% para importações de aço de diversos países, consideradas “ameaçadoras à segurança nacional dos EUA”. As tarifas envolviam uma ampla gama de produtos, de aço laminado plano ao carbono e ligas, incluindo os aços contra corrosão (galvanizados), agora novamente alvos.
Segundo informam as petições, na época alguns países receberam isenções das tarifas. O Brasil conseguiu ficar isento delas em troca de cotas sobre as importações dos EUA oriundas do País. No caso dos aços galvanizados, o volume fixado foi de 253.468 toneladas líquidas por ano. O Canadá e o México também ficaram isentos após concordarem que os Estados Unidos poderiam reimpor as tarifas da Seção 232 se as importações desses países excedessem certos volumes.
Segundo apurou o Estadão com pessoas do setor, a CSN é quem exporta a maior parte de aço galvanizado que se destina ao mercado americano - mais de 200 mil toneladas anuais. Os volumes de Usiminas são pouco expressivos e ArcelorMittal praticamente não vende àquele mercado, para o qual o grupo tem outros acessos (via Canadá). Para a CSN, de acordo com uma pessoa próxima à direção da empresa, é uma notícia muito ruim, considerando que, na enxurrada de importações que atingiram o Brasil a partir de 2023, produtos galvanizados (zincados, galvalume e pré-pintados) fabricados por ela, Usiminas e ArcelorMittal foram muito afetados. Procurada, a CSN informou que não iria se manifestar.
De acordo com o documento das siderúrgicas americanas, de janeiro a junho deste ano entraram nos Estados unidos 1,95 milhão de toneladas de aço galvanizado, alta de 58% sobre igual período do ano passado. Os destaques são Canadá, Vietnã - que vem se tornando um grande exportador mundial de aço -, México e Taiwan. O total anual foi de 3,4 milhões de toneladas (2021), 3,18 milhões (2022) e 2,49 milhões de toneladas no ao passado.
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Nos mesmos anos, os embarques de aço galvanizado do Brasil para o EUA, conforme os documentos, somaram 220,96 mil toneladas, 201 mil e 209,7 mil toneladas respectivamente. De janeiro a junho deste ano, os volumes somaram 135,6 mil toneladas, aumento de 17,7%.
Processos têm de demonstrar danos e perdas
Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, que reúne as fabricantes no Brasil, disse ainda não dispor das informações detalhadas das petições protocoladas no DoC e no ITC, para comentar, mas que isso tem prazo. “Primeiro, esperar para ver se os dois órgãos de comércio do país vão aceitar as petições para abrir investigações”, disse. Uma investigação de antidumping e direito compensatório demanda tempo, não menos que um ano, afirmou.
Segundo Lopes, se aberta, terá de demonstrar que as importações desse produto pelo mercado americano causaram danos e perdas às empresas locais e também nexo causal (vinculação entre as duas primeiras). No caso de imposição de antidumping, a defesa é feita pela empresas. Já em relação a subsídios são as autoridades do governo brasileiro que atuam.
A avaliação é que faz parte da regra do jogo tomar medidas de defesa comercial, mas o que chama atenção nessas petições é o grande número de países, de vários continentes - Américas, Europa, África, Ásia -, além de países do Oriente Médio e da Oceania. “O mundo inteiro estaria vendendo aço com preço baixo aos EUA?”, questiona Lopes. Ele observa que as empresas americanas já têm a proteção da seção 232, de Trump, com tarifa de 25% ou sistema de cotas, no caso do Brasil.
Para um especialista do setor siderúrgico, que preferiu não ser identificado, o processo, no caso do Brasil, atinge em cheio a CSN. E, do alvo mirado pelas usinas americanas, o volume brasileiro corresponde a menos de 7%. Canadá, México e Vietnã são os grandes exportadores desse tipo de material para os EUA. Para ele, há uma escalada protecionista global, todo mundo contra todos, em meio a um excesso de capacidade de oferta, principalmente da China, que beira 600 milhões de toneladas.