Siderúrgicas brasileiras intensificam barreiras contra aço chinês com processos antidumping


CSN, Usiminas e ArcelorMittal entraram com petições pedindo investigação contra importação de alguns produtos; Aperam obteve direito definitivo, com sobretaxa de US$ 629,44 para aço inox

Por Ivo Ribeiro

Além das medidas lançadas pelo governo federal em abril, visando estancar as importações de aço, principalmente da China, siderúrgicas brasileiras decidiram atacar o material chinês por outro flanco. Fabricantes locais decidiram abrir vários processos antidumping na Secretaria de Comércio Exterior (Secex). As ações atingem, na maioria, produtos não incluídos no esquema de cotas-tarifas adotado nas medidas do governo, que passaram a vigorar no início de junho.

No início de março, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) obteve da Secex uma decisão para investigação das importações de folha metálica (estanhada e cromada) de origem chinesa. A CSN é a única fabricante desse tipo de aço no País, utilizado na fabricação de embalagens diversas, como latas de tintas. O pleito foi feito em novembro.

No mês passado, a Aperam South America, produtora de aços especiais inox, obteve decisão de direito definitivo antidumping contra importações de dois tipos de aço inox oriundos da China. A empresa entrou em julho do ano passado na Secex com pedido de extensão de medida aplicada em 2013, revalidada em 2019, indicando que os dois produtos sofreram alterações por parte de exportadores chineses para driblar o antidumping para continuar vendendo ao Brasil.

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Outros pedidos de investigação estão a caminho. Segundo o Estadão apurou com pessoas ligadas às empresas, recentemente pelo menos três pedidos entraram na Secex. A China, maior produtor mundial de aço e maior exportador de produtos siderúrgicos, é o alvo dos pleitos. Estimativas apontam que os embarques do país ao exterior neste ano podem chegar a 113 milhões de toneladas, alta de 25% ante 2023. O Brasil, além de outros países da América Latina, são mercados em que as usinas chinesas vêm fazendo desova de excedentes devido à retração da demanda no mercado chinês.

Aperam South America obteve decisão de direito definitivo antidumping contra importações de dois tipos de aço inox oriundos da China  Foto: Crédito: Elvira Nascimento/Crédito: Elvira Nascimento/Divulgação
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Os novos pedidos envolvem desde aços galvanizados, galvalume, aços pré-pintados até os laminados a frio. Além da CSN, os pleitos são endereçados por Usiminas e ArcelorMittal, dois importantes fabricantes desses tipos de aço usados no setor automotivo, na indústria de linha branca e na construção civil.

No caso do aço pré-pintado, utilizado na fabricação de telhas e revestimentos de fachadas e em geladeiras, freezers e fogões, a petição conta com o apoio da Tekno, um grande produtor desse tipo de aço, conforme acesso do Estadão à petição. A maior fabricante no País é a CSN.

O consumo de pré-pintado no mercado nacional é da ordem de 300 mil toneladas por ano. Neste ano, de janeiro a maio, já entraram 99 mil toneladas, conforme dados oficiais. Mantido o ritmo, o volume totalizaria quase 240 mil toneladas em 2024 - cerca de 80% da capacidade de produção local, disse uma pessoa que atua nesse segmento.

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Em março, um mês antes da divulgação das medidas, a Gerdau também avaliava entrar com pedido de medidas comerciais contra a entrada de vergalhões e outros tipos de aço. A empresa tomaria a decisão após a divulgação do “pacotaço de abril” de medidas contra o excesso de importações pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). CSN, Usiminas, ArcelorMittal e Gerdau não se manifestaram.

A invasão de aço estrangeiro ganhou dimensão nacional a partir do segundo trimestre de 2023, quando os volumes começaram a subir mês a mês e as siderúrgicas passaram a alertar o governo, em encontros com o ministro Geraldo Alckmin e depois com Fernando Haddad, da Fazenda. Ao final do ano, os desembarques somaram 5 milhões de toneladas, representando aumento acima de 40% sobre 2022 considerando apenas aços acabados. Quase dois terços do volume que entrou nos portos brasileiros tinha como origem a China.

As medidas de 23 de abril que entraram em vigor dia 1º de junho, após nove meses de negociações com produtores e consumidores de aço, definiram o sistema de cotas-tarifas pelo prazo de um ano, ao invés de uma sobretaxa direta de 25% para todas as origens como pedia as siderúrgicas. De 31 tipos de aços apresentados pelo setor, apenas 11 foram contemplados.

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Foi uma saída salomônica do governo brasileiro, uma vez que a China, maior exportador de aço para o Brasil, é, ao mesmo tempo, o maior parceiro comercial do País, importando de minério de ferro a grãos e carnes, entre outros bens primários.

As cotas - média das importações de 2020 a 2022, acrescida de 30% - segundo informações do setor abrangem menos da metade (45%) do total de aço importado pelo País em 2023 de diversas origens: China, Rússia, Coreia do Sul, Japão, Turquia e outros países. A Gerdau, por exemplo, como informou em entrevistas o presidente, Gustavo Werneck, teve seu mix de produtos contemplado com apenas 25%.

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O vergalhão, material usado em obras civis e de infraestrutura e na construção imobiliária, ficou de fora. A companhia está fazendo rearranjo de suas operações brasileiras em vários Estados para focar em produtos mais competitivos, paralisando usinas de custos mais elevados e investindo no aumento da escala de produção de outras para melhorar suas margens de ganho frente ao importado.

A Aperam também não teve produtos inox contemplados nas medidas, assim como a CSN não teve para folhas metálicas, chapas pré-pintadas e aço galvalume. A alternativa das empresas frente à competição com material chinês foi abrir ações antidumping, disse ao Estadão pessoas que atuam no setor.

Desvio de especificação para burlar o antidumping

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O embate com produtos chineses, via antidumping, vem de longa data. Desde 2019, as ações envolvem mais de uma dezena de tipos de aço carbono, inox e tubos. As ações envolvem laminados planos de aços ao silício, tubos com costura de aços inoxidáveis, tubos de aço carbono sem costura e não ligados, chapas grossas, laminados planos a frio de aços inoxidáveis e carbono, tubos sem costura, cordoalhas, barras chatas de aço ligado, entre outros, de acordo com informações dos órgãos de comércio exterior do MDIC.

Segundo dados do MDIC e da indústria, em alguns casos, o volume importado já representa bem mais da metade do consumo interno do produto, o chamado “import penetration”. Em inox, por exemplo, fabricados pela Aperam, a participação do aço chinês no mercado nacional supera 40% em certos produtos.

A companhia aponta os dois casos de alteração na composição química do aço para driblar o antidumping que receberam do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex) parecer favorável à revisão anticircunvenção - ou seja, contra atos para enganar, ludibriar ou burlar - com extensão do direito antidumping definitivo. Foi fixada penalidade (sobretaxa) de US$ 629,44 por tonelada, em despacho de 24 de maio.

Esses produtos de inox estavam entrando no País com desvios de especificações para burlar os direitos de proteção comercial adotados em 2013, pelo período de seis anos. Essas medidas foram estendidas, em 2019, e vão vigorar até o final deste ano, agora reforçadas pela revisão anticircuvenção.

Rodrigo Damasceno, diretor comercial da Aperam, disse ao Estadão que os volumes respondiam por 30% a 40% das importações totais de aço inox. Ele explica que exportadores chineses, mais produtores do país, fizeram modificações na composição de ligas do inox 304 - carro-chefe da empresa, que leva níquel e cromo, utilizado em 90% dos produtos fabricados com inox - e no 430, que leva cromo e outros elementos.

Os produtos são vendidos ao Brasil para as mesmas aplicações dessas duas ligas originais (304 e 430), configurando uma irregularidade para fabricação de bens diversos com uso de inox, informa Damasceno. “A medida do governo é uma correção, pois havia uma redução do porcentual de cromo e níquel no aço para entrar no País”.

Na época (2013 e 2019), a sobretaxa estipulada foi de US$ 200 a US$ 300 a tonelada, mas como não houve colaboração de nenhum produtor ou exportador chinês no processo de investigação de desvio de qualidade dos produtos mencionados, o governo brasileiro decidiu pela sobretaxa de US$ 629,44 a tonelada, explica o executivo da Aperam.

No final do ano será feita nova análise dos volumes importados. “Se esses volumes continuarem, o governo poderá fazer a renovação do direito por mais cinco anos”, ressalta o executivo da Aperam.

Investimento de R$ 600 milhões congelado

O aço inox é empregado na fabricação de utensílios domésticos diversos, na indústria alimentícia (tanques de leite, de cerveja), material hospitalar, escapamentos de automóveis e bens de linha branca. Segundo dados do MDIC, importações de aços inoxidáveis planos e não planos subiram de 113 mil toneladas em 2019 para 170 mil em 2022 e ficaram próximas de 160 mil toneladas no ano passado. O mercado nacional demanda cerca de 360 mil toneladas. Ou seja, um índice de penetração de quase 45%.

“A competição saudável, em bases leais de mercado, faz parte do jogo. Mas a depreciação e os artifícios de produtos chineses para tomar mercado não é uma disputa leal”, afirma Damasceno. Ele diz que a empresa teve de se esforçar para direcionar parte da produção a mercados de países da América do Sul.

Devido ao grande aumento das importações de aço, inchadas pelo material burlado, a empresa congelou um investimento de R$ 600 milhões programado para sua usina em Timóteo, no Vale do Aço, em Minas Gerais. “As medidas são um sinal positivo, mas vamos esperar para ver se vão dar resultado antes de tomar a decisão para retomada dos investimentos”, afirma o diretor.

Os recursos seriam aplicados em melhorias tecnológicas na usina e no enobrecimento do mix de produtos, com a instalação de novo equipamento de laminação a frio de aço em bobinas na usina.

Além das medidas lançadas pelo governo federal em abril, visando estancar as importações de aço, principalmente da China, siderúrgicas brasileiras decidiram atacar o material chinês por outro flanco. Fabricantes locais decidiram abrir vários processos antidumping na Secretaria de Comércio Exterior (Secex). As ações atingem, na maioria, produtos não incluídos no esquema de cotas-tarifas adotado nas medidas do governo, que passaram a vigorar no início de junho.

No início de março, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) obteve da Secex uma decisão para investigação das importações de folha metálica (estanhada e cromada) de origem chinesa. A CSN é a única fabricante desse tipo de aço no País, utilizado na fabricação de embalagens diversas, como latas de tintas. O pleito foi feito em novembro.

No mês passado, a Aperam South America, produtora de aços especiais inox, obteve decisão de direito definitivo antidumping contra importações de dois tipos de aço inox oriundos da China. A empresa entrou em julho do ano passado na Secex com pedido de extensão de medida aplicada em 2013, revalidada em 2019, indicando que os dois produtos sofreram alterações por parte de exportadores chineses para driblar o antidumping para continuar vendendo ao Brasil.

Outros pedidos de investigação estão a caminho. Segundo o Estadão apurou com pessoas ligadas às empresas, recentemente pelo menos três pedidos entraram na Secex. A China, maior produtor mundial de aço e maior exportador de produtos siderúrgicos, é o alvo dos pleitos. Estimativas apontam que os embarques do país ao exterior neste ano podem chegar a 113 milhões de toneladas, alta de 25% ante 2023. O Brasil, além de outros países da América Latina, são mercados em que as usinas chinesas vêm fazendo desova de excedentes devido à retração da demanda no mercado chinês.

Aperam South America obteve decisão de direito definitivo antidumping contra importações de dois tipos de aço inox oriundos da China  Foto: Crédito: Elvira Nascimento/Crédito: Elvira Nascimento/Divulgação

Os novos pedidos envolvem desde aços galvanizados, galvalume, aços pré-pintados até os laminados a frio. Além da CSN, os pleitos são endereçados por Usiminas e ArcelorMittal, dois importantes fabricantes desses tipos de aço usados no setor automotivo, na indústria de linha branca e na construção civil.

No caso do aço pré-pintado, utilizado na fabricação de telhas e revestimentos de fachadas e em geladeiras, freezers e fogões, a petição conta com o apoio da Tekno, um grande produtor desse tipo de aço, conforme acesso do Estadão à petição. A maior fabricante no País é a CSN.

O consumo de pré-pintado no mercado nacional é da ordem de 300 mil toneladas por ano. Neste ano, de janeiro a maio, já entraram 99 mil toneladas, conforme dados oficiais. Mantido o ritmo, o volume totalizaria quase 240 mil toneladas em 2024 - cerca de 80% da capacidade de produção local, disse uma pessoa que atua nesse segmento.

Em março, um mês antes da divulgação das medidas, a Gerdau também avaliava entrar com pedido de medidas comerciais contra a entrada de vergalhões e outros tipos de aço. A empresa tomaria a decisão após a divulgação do “pacotaço de abril” de medidas contra o excesso de importações pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). CSN, Usiminas, ArcelorMittal e Gerdau não se manifestaram.

A invasão de aço estrangeiro ganhou dimensão nacional a partir do segundo trimestre de 2023, quando os volumes começaram a subir mês a mês e as siderúrgicas passaram a alertar o governo, em encontros com o ministro Geraldo Alckmin e depois com Fernando Haddad, da Fazenda. Ao final do ano, os desembarques somaram 5 milhões de toneladas, representando aumento acima de 40% sobre 2022 considerando apenas aços acabados. Quase dois terços do volume que entrou nos portos brasileiros tinha como origem a China.

As medidas de 23 de abril que entraram em vigor dia 1º de junho, após nove meses de negociações com produtores e consumidores de aço, definiram o sistema de cotas-tarifas pelo prazo de um ano, ao invés de uma sobretaxa direta de 25% para todas as origens como pedia as siderúrgicas. De 31 tipos de aços apresentados pelo setor, apenas 11 foram contemplados.

Foi uma saída salomônica do governo brasileiro, uma vez que a China, maior exportador de aço para o Brasil, é, ao mesmo tempo, o maior parceiro comercial do País, importando de minério de ferro a grãos e carnes, entre outros bens primários.

As cotas - média das importações de 2020 a 2022, acrescida de 30% - segundo informações do setor abrangem menos da metade (45%) do total de aço importado pelo País em 2023 de diversas origens: China, Rússia, Coreia do Sul, Japão, Turquia e outros países. A Gerdau, por exemplo, como informou em entrevistas o presidente, Gustavo Werneck, teve seu mix de produtos contemplado com apenas 25%.

O vergalhão, material usado em obras civis e de infraestrutura e na construção imobiliária, ficou de fora. A companhia está fazendo rearranjo de suas operações brasileiras em vários Estados para focar em produtos mais competitivos, paralisando usinas de custos mais elevados e investindo no aumento da escala de produção de outras para melhorar suas margens de ganho frente ao importado.

A Aperam também não teve produtos inox contemplados nas medidas, assim como a CSN não teve para folhas metálicas, chapas pré-pintadas e aço galvalume. A alternativa das empresas frente à competição com material chinês foi abrir ações antidumping, disse ao Estadão pessoas que atuam no setor.

Desvio de especificação para burlar o antidumping

O embate com produtos chineses, via antidumping, vem de longa data. Desde 2019, as ações envolvem mais de uma dezena de tipos de aço carbono, inox e tubos. As ações envolvem laminados planos de aços ao silício, tubos com costura de aços inoxidáveis, tubos de aço carbono sem costura e não ligados, chapas grossas, laminados planos a frio de aços inoxidáveis e carbono, tubos sem costura, cordoalhas, barras chatas de aço ligado, entre outros, de acordo com informações dos órgãos de comércio exterior do MDIC.

Segundo dados do MDIC e da indústria, em alguns casos, o volume importado já representa bem mais da metade do consumo interno do produto, o chamado “import penetration”. Em inox, por exemplo, fabricados pela Aperam, a participação do aço chinês no mercado nacional supera 40% em certos produtos.

A companhia aponta os dois casos de alteração na composição química do aço para driblar o antidumping que receberam do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex) parecer favorável à revisão anticircunvenção - ou seja, contra atos para enganar, ludibriar ou burlar - com extensão do direito antidumping definitivo. Foi fixada penalidade (sobretaxa) de US$ 629,44 por tonelada, em despacho de 24 de maio.

Esses produtos de inox estavam entrando no País com desvios de especificações para burlar os direitos de proteção comercial adotados em 2013, pelo período de seis anos. Essas medidas foram estendidas, em 2019, e vão vigorar até o final deste ano, agora reforçadas pela revisão anticircuvenção.

Rodrigo Damasceno, diretor comercial da Aperam, disse ao Estadão que os volumes respondiam por 30% a 40% das importações totais de aço inox. Ele explica que exportadores chineses, mais produtores do país, fizeram modificações na composição de ligas do inox 304 - carro-chefe da empresa, que leva níquel e cromo, utilizado em 90% dos produtos fabricados com inox - e no 430, que leva cromo e outros elementos.

Os produtos são vendidos ao Brasil para as mesmas aplicações dessas duas ligas originais (304 e 430), configurando uma irregularidade para fabricação de bens diversos com uso de inox, informa Damasceno. “A medida do governo é uma correção, pois havia uma redução do porcentual de cromo e níquel no aço para entrar no País”.

Na época (2013 e 2019), a sobretaxa estipulada foi de US$ 200 a US$ 300 a tonelada, mas como não houve colaboração de nenhum produtor ou exportador chinês no processo de investigação de desvio de qualidade dos produtos mencionados, o governo brasileiro decidiu pela sobretaxa de US$ 629,44 a tonelada, explica o executivo da Aperam.

No final do ano será feita nova análise dos volumes importados. “Se esses volumes continuarem, o governo poderá fazer a renovação do direito por mais cinco anos”, ressalta o executivo da Aperam.

Investimento de R$ 600 milhões congelado

O aço inox é empregado na fabricação de utensílios domésticos diversos, na indústria alimentícia (tanques de leite, de cerveja), material hospitalar, escapamentos de automóveis e bens de linha branca. Segundo dados do MDIC, importações de aços inoxidáveis planos e não planos subiram de 113 mil toneladas em 2019 para 170 mil em 2022 e ficaram próximas de 160 mil toneladas no ano passado. O mercado nacional demanda cerca de 360 mil toneladas. Ou seja, um índice de penetração de quase 45%.

“A competição saudável, em bases leais de mercado, faz parte do jogo. Mas a depreciação e os artifícios de produtos chineses para tomar mercado não é uma disputa leal”, afirma Damasceno. Ele diz que a empresa teve de se esforçar para direcionar parte da produção a mercados de países da América do Sul.

Devido ao grande aumento das importações de aço, inchadas pelo material burlado, a empresa congelou um investimento de R$ 600 milhões programado para sua usina em Timóteo, no Vale do Aço, em Minas Gerais. “As medidas são um sinal positivo, mas vamos esperar para ver se vão dar resultado antes de tomar a decisão para retomada dos investimentos”, afirma o diretor.

Os recursos seriam aplicados em melhorias tecnológicas na usina e no enobrecimento do mix de produtos, com a instalação de novo equipamento de laminação a frio de aço em bobinas na usina.

Além das medidas lançadas pelo governo federal em abril, visando estancar as importações de aço, principalmente da China, siderúrgicas brasileiras decidiram atacar o material chinês por outro flanco. Fabricantes locais decidiram abrir vários processos antidumping na Secretaria de Comércio Exterior (Secex). As ações atingem, na maioria, produtos não incluídos no esquema de cotas-tarifas adotado nas medidas do governo, que passaram a vigorar no início de junho.

No início de março, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) obteve da Secex uma decisão para investigação das importações de folha metálica (estanhada e cromada) de origem chinesa. A CSN é a única fabricante desse tipo de aço no País, utilizado na fabricação de embalagens diversas, como latas de tintas. O pleito foi feito em novembro.

No mês passado, a Aperam South America, produtora de aços especiais inox, obteve decisão de direito definitivo antidumping contra importações de dois tipos de aço inox oriundos da China. A empresa entrou em julho do ano passado na Secex com pedido de extensão de medida aplicada em 2013, revalidada em 2019, indicando que os dois produtos sofreram alterações por parte de exportadores chineses para driblar o antidumping para continuar vendendo ao Brasil.

Outros pedidos de investigação estão a caminho. Segundo o Estadão apurou com pessoas ligadas às empresas, recentemente pelo menos três pedidos entraram na Secex. A China, maior produtor mundial de aço e maior exportador de produtos siderúrgicos, é o alvo dos pleitos. Estimativas apontam que os embarques do país ao exterior neste ano podem chegar a 113 milhões de toneladas, alta de 25% ante 2023. O Brasil, além de outros países da América Latina, são mercados em que as usinas chinesas vêm fazendo desova de excedentes devido à retração da demanda no mercado chinês.

Aperam South America obteve decisão de direito definitivo antidumping contra importações de dois tipos de aço inox oriundos da China  Foto: Crédito: Elvira Nascimento/Crédito: Elvira Nascimento/Divulgação

Os novos pedidos envolvem desde aços galvanizados, galvalume, aços pré-pintados até os laminados a frio. Além da CSN, os pleitos são endereçados por Usiminas e ArcelorMittal, dois importantes fabricantes desses tipos de aço usados no setor automotivo, na indústria de linha branca e na construção civil.

No caso do aço pré-pintado, utilizado na fabricação de telhas e revestimentos de fachadas e em geladeiras, freezers e fogões, a petição conta com o apoio da Tekno, um grande produtor desse tipo de aço, conforme acesso do Estadão à petição. A maior fabricante no País é a CSN.

O consumo de pré-pintado no mercado nacional é da ordem de 300 mil toneladas por ano. Neste ano, de janeiro a maio, já entraram 99 mil toneladas, conforme dados oficiais. Mantido o ritmo, o volume totalizaria quase 240 mil toneladas em 2024 - cerca de 80% da capacidade de produção local, disse uma pessoa que atua nesse segmento.

Em março, um mês antes da divulgação das medidas, a Gerdau também avaliava entrar com pedido de medidas comerciais contra a entrada de vergalhões e outros tipos de aço. A empresa tomaria a decisão após a divulgação do “pacotaço de abril” de medidas contra o excesso de importações pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). CSN, Usiminas, ArcelorMittal e Gerdau não se manifestaram.

A invasão de aço estrangeiro ganhou dimensão nacional a partir do segundo trimestre de 2023, quando os volumes começaram a subir mês a mês e as siderúrgicas passaram a alertar o governo, em encontros com o ministro Geraldo Alckmin e depois com Fernando Haddad, da Fazenda. Ao final do ano, os desembarques somaram 5 milhões de toneladas, representando aumento acima de 40% sobre 2022 considerando apenas aços acabados. Quase dois terços do volume que entrou nos portos brasileiros tinha como origem a China.

As medidas de 23 de abril que entraram em vigor dia 1º de junho, após nove meses de negociações com produtores e consumidores de aço, definiram o sistema de cotas-tarifas pelo prazo de um ano, ao invés de uma sobretaxa direta de 25% para todas as origens como pedia as siderúrgicas. De 31 tipos de aços apresentados pelo setor, apenas 11 foram contemplados.

Foi uma saída salomônica do governo brasileiro, uma vez que a China, maior exportador de aço para o Brasil, é, ao mesmo tempo, o maior parceiro comercial do País, importando de minério de ferro a grãos e carnes, entre outros bens primários.

As cotas - média das importações de 2020 a 2022, acrescida de 30% - segundo informações do setor abrangem menos da metade (45%) do total de aço importado pelo País em 2023 de diversas origens: China, Rússia, Coreia do Sul, Japão, Turquia e outros países. A Gerdau, por exemplo, como informou em entrevistas o presidente, Gustavo Werneck, teve seu mix de produtos contemplado com apenas 25%.

O vergalhão, material usado em obras civis e de infraestrutura e na construção imobiliária, ficou de fora. A companhia está fazendo rearranjo de suas operações brasileiras em vários Estados para focar em produtos mais competitivos, paralisando usinas de custos mais elevados e investindo no aumento da escala de produção de outras para melhorar suas margens de ganho frente ao importado.

A Aperam também não teve produtos inox contemplados nas medidas, assim como a CSN não teve para folhas metálicas, chapas pré-pintadas e aço galvalume. A alternativa das empresas frente à competição com material chinês foi abrir ações antidumping, disse ao Estadão pessoas que atuam no setor.

Desvio de especificação para burlar o antidumping

O embate com produtos chineses, via antidumping, vem de longa data. Desde 2019, as ações envolvem mais de uma dezena de tipos de aço carbono, inox e tubos. As ações envolvem laminados planos de aços ao silício, tubos com costura de aços inoxidáveis, tubos de aço carbono sem costura e não ligados, chapas grossas, laminados planos a frio de aços inoxidáveis e carbono, tubos sem costura, cordoalhas, barras chatas de aço ligado, entre outros, de acordo com informações dos órgãos de comércio exterior do MDIC.

Segundo dados do MDIC e da indústria, em alguns casos, o volume importado já representa bem mais da metade do consumo interno do produto, o chamado “import penetration”. Em inox, por exemplo, fabricados pela Aperam, a participação do aço chinês no mercado nacional supera 40% em certos produtos.

A companhia aponta os dois casos de alteração na composição química do aço para driblar o antidumping que receberam do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex) parecer favorável à revisão anticircunvenção - ou seja, contra atos para enganar, ludibriar ou burlar - com extensão do direito antidumping definitivo. Foi fixada penalidade (sobretaxa) de US$ 629,44 por tonelada, em despacho de 24 de maio.

Esses produtos de inox estavam entrando no País com desvios de especificações para burlar os direitos de proteção comercial adotados em 2013, pelo período de seis anos. Essas medidas foram estendidas, em 2019, e vão vigorar até o final deste ano, agora reforçadas pela revisão anticircuvenção.

Rodrigo Damasceno, diretor comercial da Aperam, disse ao Estadão que os volumes respondiam por 30% a 40% das importações totais de aço inox. Ele explica que exportadores chineses, mais produtores do país, fizeram modificações na composição de ligas do inox 304 - carro-chefe da empresa, que leva níquel e cromo, utilizado em 90% dos produtos fabricados com inox - e no 430, que leva cromo e outros elementos.

Os produtos são vendidos ao Brasil para as mesmas aplicações dessas duas ligas originais (304 e 430), configurando uma irregularidade para fabricação de bens diversos com uso de inox, informa Damasceno. “A medida do governo é uma correção, pois havia uma redução do porcentual de cromo e níquel no aço para entrar no País”.

Na época (2013 e 2019), a sobretaxa estipulada foi de US$ 200 a US$ 300 a tonelada, mas como não houve colaboração de nenhum produtor ou exportador chinês no processo de investigação de desvio de qualidade dos produtos mencionados, o governo brasileiro decidiu pela sobretaxa de US$ 629,44 a tonelada, explica o executivo da Aperam.

No final do ano será feita nova análise dos volumes importados. “Se esses volumes continuarem, o governo poderá fazer a renovação do direito por mais cinco anos”, ressalta o executivo da Aperam.

Investimento de R$ 600 milhões congelado

O aço inox é empregado na fabricação de utensílios domésticos diversos, na indústria alimentícia (tanques de leite, de cerveja), material hospitalar, escapamentos de automóveis e bens de linha branca. Segundo dados do MDIC, importações de aços inoxidáveis planos e não planos subiram de 113 mil toneladas em 2019 para 170 mil em 2022 e ficaram próximas de 160 mil toneladas no ano passado. O mercado nacional demanda cerca de 360 mil toneladas. Ou seja, um índice de penetração de quase 45%.

“A competição saudável, em bases leais de mercado, faz parte do jogo. Mas a depreciação e os artifícios de produtos chineses para tomar mercado não é uma disputa leal”, afirma Damasceno. Ele diz que a empresa teve de se esforçar para direcionar parte da produção a mercados de países da América do Sul.

Devido ao grande aumento das importações de aço, inchadas pelo material burlado, a empresa congelou um investimento de R$ 600 milhões programado para sua usina em Timóteo, no Vale do Aço, em Minas Gerais. “As medidas são um sinal positivo, mas vamos esperar para ver se vão dar resultado antes de tomar a decisão para retomada dos investimentos”, afirma o diretor.

Os recursos seriam aplicados em melhorias tecnológicas na usina e no enobrecimento do mix de produtos, com a instalação de novo equipamento de laminação a frio de aço em bobinas na usina.

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