‘Os concorrentes não conhecem o Nordeste’, diz presidente da Stellantis sobre críticas a incentivos


Grupo líder de vendas no País recebe benefício fiscal para fábrica em Pernambuco e defende sua prorrogação até 2032, via reforma tributária; empresas defendem fim do benefício

Por Cleide Silva
Entrevista comAntonio FilosaPresidente da Stellantis América do Sul

Alvo das principais montadoras do Sul e Sudeste, que querem o fim dos incentivos a montadoras do Nordeste, a Stellantis, líder em vendas de automóveis no País e atualmente a única com fábrica na região, em Goiana (PE), afirma que, ao contrário do que dizem as concorrentes e o Tribunal de Contas da União (TCU), o projeto local trouxe avanços econômicos e sociais para a cidade e seu entorno. Na área social, por exemplo, a criminalidade caiu 40%, e a evasão escolar diminuiu de 15% para 0,5%.

“Essas empresas não conhecem o Nordeste e nem o povo nordestino”, diz o presidente da companhia, Antonio Filosa. Segundo ele, várias das montadoras que atualmente criticam os incentivos do regime especial do Nordeste, criado em 1997 e prorrogado várias vezes, também avaliaram a instalação de plantas na mesma época, mas desistiram de investir na região. “Nós corremos o risco, e hoje somos um case de sucesso.”

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O incentivo está em vigor para a fábrica da Jeep, uma das marcas do grupo, desde 2015, e deveria se encerrar em 2025. Mas um movimento que envolve parlamentares e até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentar prorrogar o prazo até 2032, por meio de um adendo na reforma tributária.

A seguir, trechos da entrevista concedida na quinta-feira, 10.

Como o sr. avalia o movimento de montadoras do Sul e Sudeste pelo fim dos incentivos fiscais para a fábrica da Stellantis em Pernambuco?

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Sou contra etiquetar como incentivo, porque é um regime para o desenvolvimento regional. E o regime para o Nordeste não é o único para a indústria automotiva, tem também o do Centro-Oeste e outros fora dessas rotas, como Manaus (AM). O Brasil é composto por várias regiões, distantes umas das outras, com enormes populações e grandes diferenças econômicas, sociais e culturais. O Brasil não é só o Sudeste, e as outras quatro regiões merecem oportunidades de desenvolvimento, assim como o Sudeste teve e capitalizou muito bem, pois hoje é uma potência.

Um dos argumentos do grupo é que o incentivo foi criado para atrair empresas e já teria cumprido sua função, pois o complexo em Pernambuco é bastante desenvolvido.

O regime do Nordeste existe desde os anos 1990 e nós iniciamos operações em Pernambuco em 2015. Usufruímos de uma primeira parte e depois de cinco anos houve uma redefinição que cortou o incentivo em 44%. Quando falamos de indústria, a diferença entre as regiões se traduz em competitividade ou falta dela. Se você compara São Paulo com o entorno de Recife, onde está nossa fábrica, é possível enxergar uma diferença enorme de infraestrutura logística e de qualidade de rodovias, e de infraestrutura de dados, entre outras. Em São Paulo, por exemplo, o 5G está se expandido em alta velocidade. Lá, a conectividade de internet tem muitas dificuldades. Somando várias questões, a região tem um gap competitivo grande em relação ao Sul e Sudeste. E é esse gap que o regime visa compensar.

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Como se mede essa diferença?

Na época que a FCA (empresa que reunia a Fiat e a Chrysler e em 2021 se transformou na Stellantis, juntando outras marcas como as francesas Peugeot e Citroën) estava avaliando a instalação em Pernambuco, o governo federal contratou uma empresa de consultoria (Price), que fez um estudo e concluiu a existência de um gap de 22%, resultante da carência de investimentos em infraestrutura logística, além de vários outros fatores.

E qual era a contrapartida da empresa?

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Investir na fábrica, na localização de fornecedores, contratar mão de obra local. Começamos com sete fornecedores e agora temos 50 no entorno da fábrica, nas cidades e Estados vizinhos. Espero rapidamente chegar aos 100. Ter fornecedores próximos reduz parcialmente a diferença de competitividade, mas ainda há outro gap, o de levar nossos produtos para os principais mercados consumidores, no Sul e Sudeste, que custa muito caro.

Fábrica da Jeep em Goiana é a mais moderna do grupo, diz Filosa Foto: Stellantis/Divulgação

Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) avalia que não houve muitos avanços no desenvolvimento econômico e na criação de um polo industrial na região.

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Eu gostaria de saber de onde saíram esses dados. Quando chegamos a Pernambuco levamos vários benefícios para a sociedade e, recentemente, um estudo feito pela Ceplan (Consultoria Econômica e Planejamento) mostrou dados que nós, inclusive, desconhecíamos. De tudo o que vi nesse estudo, quero destacar dois índices: o nível de criminalidade na região onde estamos caiu 40%, ou seja, tem 40% menos assassinatos, e isso é muito bom. O nível de abandono do ensino primário e secundário de crianças e adolescentes caiu de 15% para menos de 1%. Ou seja, as crianças ficam onde devem estar, nas escolas, e não na rua, onde podem encontrar ambientes muito complicados. Nós levamos para uma região rural a planta tecnologicamente mais avançada do mundo, estamos qualificando trabalhadores como nunca tinha ocorrido antes, tudo isso em nove anos. Outro dado da Ceplan é que a arrecadação fiscal, seja federal ou estadual, aumentou desde 2015. Para cada real do regime do Nordeste nós geramos R$ 5 em arrecadação, sendo R$ 2 pelo aumento da renda da população e R$ 3 pela atividade industrial.

As empresas que questionam a prorrogação do prazo de incentivos afirmam que a Stellantis recebe, em créditos tributários, cerca de R$ 5 bilhões ao ano e que esse incentivo resulta em redução de 20% nos preços dos carros feitos em Goiana, o que seria concorrência desleal.

É interessante ver que esse movimento é feito pelas mesmas empresas que, junto com a gente, estavam conversando com a Secretaria de Desenvolvimento de Pernambuco e de outros Estados a possibilidade de se instalar no Nordeste. Nós decidimos correr o risco e elas decidiram abandonar o projeto porque avaliaram que o risco, em relação ao benefício, era muito desafiador. Acho estranho isso agora, pois me parece que naquela época a visão dessas empresas era totalmente diferente. O tema é que provavelmente a Stellantis virou um case de sucesso em Pernambuco, no mesmo território e no mesmo regime em que a Ford decidiu abandonar o mercado, e isso está gerando algum tipo de interesse negativo. Creio que essas empresas não conhecem o Nordeste nem o povo nordestino. Já não conheciam antes, pois saíram de um projeto que, na nossa visão, era desafiador, mas estrategicamente importante, e conhecem menos agora porque não voltaram lá para ver o que aconteceu depois da nossa chegada.

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O que o sr. quer dizer com ‘interesse negativo’?

Acho que muitos preferem ter menos competidores e menos fábricas disputando um mesmo mercado. Nós não temos essa visão. Entendemos que quanto maior e mais qualificado é o nível de competição, melhor. Quando a Ford saiu de Camaçari vimos isso com uma perda, pois diminuiu o número de fornecedores e de clientes dos fornecedores que ficaram, e isso gera aumento de custos por causa da menor escala de produção e menor eficiência.

Filosa diz que grupo precisa de prorrogação de incentivos para ampliar investimentos Foto: Marcelo Chello/Estadão

Com todos os avanços citados, a Stellantis ainda precisa de subsídios até 2032?

Temos planos de investimento imenso de bilhões de reais para depois de 2025 em novas tecnologias, mais fornecedores locais, mais capacidade produtiva, novos produtos (principalmente híbridos e elétricos) e novos serviços. Para isso se materializar, precisamos de previsibilidade econômica. Entendemos que há possibilidade de um terceiro ciclo (o prazo do incentivo já foi prorrogado duas vezes) associado ao prazo estabelecido na Reforma Tributária para o ICMS, o que aumentaria nossa competitividade. Com maior nível de industrialização, a renda per capita das famílias locais aumenta. Quanto mais riqueza é gerada em um Estado, mais aumenta o consumo. Quando o PIB cresce territorialmente, há maior demanda por casas e carros, por exemplo.

Qual a produção em Goiana?

Temos capacidade para 280 mil veículos ao ano. É bom ressaltar também que transformamos Pernambuco numa planta de exportação para os países da América do Sul e para o México. Poderíamos, se quiséssemos, destinar toda a produção para o Brasil e pegar o regime em sua plenitude, pois ele só é aplicado nos modelos vendidos no mercado interno. Já exportamos 200 mil unidades.

Caso a extensão dos incentivos não seja aprovada pelo Senado, haverá mudanças no plano de investimentos?

Certamente muda, porque a previsibilidade econômica mudaria. Teremos de ver que impactos teremos, mas nesse momento não sei quantificar.

O sr. ou sua equipe estão conversando com governos e parlamentares para tentar garantir a prorrogação?

Nossos competidores estão conversando muito mais (para evitar a prorrogação).

Alvo das principais montadoras do Sul e Sudeste, que querem o fim dos incentivos a montadoras do Nordeste, a Stellantis, líder em vendas de automóveis no País e atualmente a única com fábrica na região, em Goiana (PE), afirma que, ao contrário do que dizem as concorrentes e o Tribunal de Contas da União (TCU), o projeto local trouxe avanços econômicos e sociais para a cidade e seu entorno. Na área social, por exemplo, a criminalidade caiu 40%, e a evasão escolar diminuiu de 15% para 0,5%.

“Essas empresas não conhecem o Nordeste e nem o povo nordestino”, diz o presidente da companhia, Antonio Filosa. Segundo ele, várias das montadoras que atualmente criticam os incentivos do regime especial do Nordeste, criado em 1997 e prorrogado várias vezes, também avaliaram a instalação de plantas na mesma época, mas desistiram de investir na região. “Nós corremos o risco, e hoje somos um case de sucesso.”

O incentivo está em vigor para a fábrica da Jeep, uma das marcas do grupo, desde 2015, e deveria se encerrar em 2025. Mas um movimento que envolve parlamentares e até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentar prorrogar o prazo até 2032, por meio de um adendo na reforma tributária.

A seguir, trechos da entrevista concedida na quinta-feira, 10.

Como o sr. avalia o movimento de montadoras do Sul e Sudeste pelo fim dos incentivos fiscais para a fábrica da Stellantis em Pernambuco?

Sou contra etiquetar como incentivo, porque é um regime para o desenvolvimento regional. E o regime para o Nordeste não é o único para a indústria automotiva, tem também o do Centro-Oeste e outros fora dessas rotas, como Manaus (AM). O Brasil é composto por várias regiões, distantes umas das outras, com enormes populações e grandes diferenças econômicas, sociais e culturais. O Brasil não é só o Sudeste, e as outras quatro regiões merecem oportunidades de desenvolvimento, assim como o Sudeste teve e capitalizou muito bem, pois hoje é uma potência.

Um dos argumentos do grupo é que o incentivo foi criado para atrair empresas e já teria cumprido sua função, pois o complexo em Pernambuco é bastante desenvolvido.

O regime do Nordeste existe desde os anos 1990 e nós iniciamos operações em Pernambuco em 2015. Usufruímos de uma primeira parte e depois de cinco anos houve uma redefinição que cortou o incentivo em 44%. Quando falamos de indústria, a diferença entre as regiões se traduz em competitividade ou falta dela. Se você compara São Paulo com o entorno de Recife, onde está nossa fábrica, é possível enxergar uma diferença enorme de infraestrutura logística e de qualidade de rodovias, e de infraestrutura de dados, entre outras. Em São Paulo, por exemplo, o 5G está se expandido em alta velocidade. Lá, a conectividade de internet tem muitas dificuldades. Somando várias questões, a região tem um gap competitivo grande em relação ao Sul e Sudeste. E é esse gap que o regime visa compensar.

Como se mede essa diferença?

Na época que a FCA (empresa que reunia a Fiat e a Chrysler e em 2021 se transformou na Stellantis, juntando outras marcas como as francesas Peugeot e Citroën) estava avaliando a instalação em Pernambuco, o governo federal contratou uma empresa de consultoria (Price), que fez um estudo e concluiu a existência de um gap de 22%, resultante da carência de investimentos em infraestrutura logística, além de vários outros fatores.

E qual era a contrapartida da empresa?

Investir na fábrica, na localização de fornecedores, contratar mão de obra local. Começamos com sete fornecedores e agora temos 50 no entorno da fábrica, nas cidades e Estados vizinhos. Espero rapidamente chegar aos 100. Ter fornecedores próximos reduz parcialmente a diferença de competitividade, mas ainda há outro gap, o de levar nossos produtos para os principais mercados consumidores, no Sul e Sudeste, que custa muito caro.

Fábrica da Jeep em Goiana é a mais moderna do grupo, diz Filosa Foto: Stellantis/Divulgação

Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) avalia que não houve muitos avanços no desenvolvimento econômico e na criação de um polo industrial na região.

Eu gostaria de saber de onde saíram esses dados. Quando chegamos a Pernambuco levamos vários benefícios para a sociedade e, recentemente, um estudo feito pela Ceplan (Consultoria Econômica e Planejamento) mostrou dados que nós, inclusive, desconhecíamos. De tudo o que vi nesse estudo, quero destacar dois índices: o nível de criminalidade na região onde estamos caiu 40%, ou seja, tem 40% menos assassinatos, e isso é muito bom. O nível de abandono do ensino primário e secundário de crianças e adolescentes caiu de 15% para menos de 1%. Ou seja, as crianças ficam onde devem estar, nas escolas, e não na rua, onde podem encontrar ambientes muito complicados. Nós levamos para uma região rural a planta tecnologicamente mais avançada do mundo, estamos qualificando trabalhadores como nunca tinha ocorrido antes, tudo isso em nove anos. Outro dado da Ceplan é que a arrecadação fiscal, seja federal ou estadual, aumentou desde 2015. Para cada real do regime do Nordeste nós geramos R$ 5 em arrecadação, sendo R$ 2 pelo aumento da renda da população e R$ 3 pela atividade industrial.

As empresas que questionam a prorrogação do prazo de incentivos afirmam que a Stellantis recebe, em créditos tributários, cerca de R$ 5 bilhões ao ano e que esse incentivo resulta em redução de 20% nos preços dos carros feitos em Goiana, o que seria concorrência desleal.

É interessante ver que esse movimento é feito pelas mesmas empresas que, junto com a gente, estavam conversando com a Secretaria de Desenvolvimento de Pernambuco e de outros Estados a possibilidade de se instalar no Nordeste. Nós decidimos correr o risco e elas decidiram abandonar o projeto porque avaliaram que o risco, em relação ao benefício, era muito desafiador. Acho estranho isso agora, pois me parece que naquela época a visão dessas empresas era totalmente diferente. O tema é que provavelmente a Stellantis virou um case de sucesso em Pernambuco, no mesmo território e no mesmo regime em que a Ford decidiu abandonar o mercado, e isso está gerando algum tipo de interesse negativo. Creio que essas empresas não conhecem o Nordeste nem o povo nordestino. Já não conheciam antes, pois saíram de um projeto que, na nossa visão, era desafiador, mas estrategicamente importante, e conhecem menos agora porque não voltaram lá para ver o que aconteceu depois da nossa chegada.

O que o sr. quer dizer com ‘interesse negativo’?

Acho que muitos preferem ter menos competidores e menos fábricas disputando um mesmo mercado. Nós não temos essa visão. Entendemos que quanto maior e mais qualificado é o nível de competição, melhor. Quando a Ford saiu de Camaçari vimos isso com uma perda, pois diminuiu o número de fornecedores e de clientes dos fornecedores que ficaram, e isso gera aumento de custos por causa da menor escala de produção e menor eficiência.

Filosa diz que grupo precisa de prorrogação de incentivos para ampliar investimentos Foto: Marcelo Chello/Estadão

Com todos os avanços citados, a Stellantis ainda precisa de subsídios até 2032?

Temos planos de investimento imenso de bilhões de reais para depois de 2025 em novas tecnologias, mais fornecedores locais, mais capacidade produtiva, novos produtos (principalmente híbridos e elétricos) e novos serviços. Para isso se materializar, precisamos de previsibilidade econômica. Entendemos que há possibilidade de um terceiro ciclo (o prazo do incentivo já foi prorrogado duas vezes) associado ao prazo estabelecido na Reforma Tributária para o ICMS, o que aumentaria nossa competitividade. Com maior nível de industrialização, a renda per capita das famílias locais aumenta. Quanto mais riqueza é gerada em um Estado, mais aumenta o consumo. Quando o PIB cresce territorialmente, há maior demanda por casas e carros, por exemplo.

Qual a produção em Goiana?

Temos capacidade para 280 mil veículos ao ano. É bom ressaltar também que transformamos Pernambuco numa planta de exportação para os países da América do Sul e para o México. Poderíamos, se quiséssemos, destinar toda a produção para o Brasil e pegar o regime em sua plenitude, pois ele só é aplicado nos modelos vendidos no mercado interno. Já exportamos 200 mil unidades.

Caso a extensão dos incentivos não seja aprovada pelo Senado, haverá mudanças no plano de investimentos?

Certamente muda, porque a previsibilidade econômica mudaria. Teremos de ver que impactos teremos, mas nesse momento não sei quantificar.

O sr. ou sua equipe estão conversando com governos e parlamentares para tentar garantir a prorrogação?

Nossos competidores estão conversando muito mais (para evitar a prorrogação).

Alvo das principais montadoras do Sul e Sudeste, que querem o fim dos incentivos a montadoras do Nordeste, a Stellantis, líder em vendas de automóveis no País e atualmente a única com fábrica na região, em Goiana (PE), afirma que, ao contrário do que dizem as concorrentes e o Tribunal de Contas da União (TCU), o projeto local trouxe avanços econômicos e sociais para a cidade e seu entorno. Na área social, por exemplo, a criminalidade caiu 40%, e a evasão escolar diminuiu de 15% para 0,5%.

“Essas empresas não conhecem o Nordeste e nem o povo nordestino”, diz o presidente da companhia, Antonio Filosa. Segundo ele, várias das montadoras que atualmente criticam os incentivos do regime especial do Nordeste, criado em 1997 e prorrogado várias vezes, também avaliaram a instalação de plantas na mesma época, mas desistiram de investir na região. “Nós corremos o risco, e hoje somos um case de sucesso.”

O incentivo está em vigor para a fábrica da Jeep, uma das marcas do grupo, desde 2015, e deveria se encerrar em 2025. Mas um movimento que envolve parlamentares e até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentar prorrogar o prazo até 2032, por meio de um adendo na reforma tributária.

A seguir, trechos da entrevista concedida na quinta-feira, 10.

Como o sr. avalia o movimento de montadoras do Sul e Sudeste pelo fim dos incentivos fiscais para a fábrica da Stellantis em Pernambuco?

Sou contra etiquetar como incentivo, porque é um regime para o desenvolvimento regional. E o regime para o Nordeste não é o único para a indústria automotiva, tem também o do Centro-Oeste e outros fora dessas rotas, como Manaus (AM). O Brasil é composto por várias regiões, distantes umas das outras, com enormes populações e grandes diferenças econômicas, sociais e culturais. O Brasil não é só o Sudeste, e as outras quatro regiões merecem oportunidades de desenvolvimento, assim como o Sudeste teve e capitalizou muito bem, pois hoje é uma potência.

Um dos argumentos do grupo é que o incentivo foi criado para atrair empresas e já teria cumprido sua função, pois o complexo em Pernambuco é bastante desenvolvido.

O regime do Nordeste existe desde os anos 1990 e nós iniciamos operações em Pernambuco em 2015. Usufruímos de uma primeira parte e depois de cinco anos houve uma redefinição que cortou o incentivo em 44%. Quando falamos de indústria, a diferença entre as regiões se traduz em competitividade ou falta dela. Se você compara São Paulo com o entorno de Recife, onde está nossa fábrica, é possível enxergar uma diferença enorme de infraestrutura logística e de qualidade de rodovias, e de infraestrutura de dados, entre outras. Em São Paulo, por exemplo, o 5G está se expandido em alta velocidade. Lá, a conectividade de internet tem muitas dificuldades. Somando várias questões, a região tem um gap competitivo grande em relação ao Sul e Sudeste. E é esse gap que o regime visa compensar.

Como se mede essa diferença?

Na época que a FCA (empresa que reunia a Fiat e a Chrysler e em 2021 se transformou na Stellantis, juntando outras marcas como as francesas Peugeot e Citroën) estava avaliando a instalação em Pernambuco, o governo federal contratou uma empresa de consultoria (Price), que fez um estudo e concluiu a existência de um gap de 22%, resultante da carência de investimentos em infraestrutura logística, além de vários outros fatores.

E qual era a contrapartida da empresa?

Investir na fábrica, na localização de fornecedores, contratar mão de obra local. Começamos com sete fornecedores e agora temos 50 no entorno da fábrica, nas cidades e Estados vizinhos. Espero rapidamente chegar aos 100. Ter fornecedores próximos reduz parcialmente a diferença de competitividade, mas ainda há outro gap, o de levar nossos produtos para os principais mercados consumidores, no Sul e Sudeste, que custa muito caro.

Fábrica da Jeep em Goiana é a mais moderna do grupo, diz Filosa Foto: Stellantis/Divulgação

Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) avalia que não houve muitos avanços no desenvolvimento econômico e na criação de um polo industrial na região.

Eu gostaria de saber de onde saíram esses dados. Quando chegamos a Pernambuco levamos vários benefícios para a sociedade e, recentemente, um estudo feito pela Ceplan (Consultoria Econômica e Planejamento) mostrou dados que nós, inclusive, desconhecíamos. De tudo o que vi nesse estudo, quero destacar dois índices: o nível de criminalidade na região onde estamos caiu 40%, ou seja, tem 40% menos assassinatos, e isso é muito bom. O nível de abandono do ensino primário e secundário de crianças e adolescentes caiu de 15% para menos de 1%. Ou seja, as crianças ficam onde devem estar, nas escolas, e não na rua, onde podem encontrar ambientes muito complicados. Nós levamos para uma região rural a planta tecnologicamente mais avançada do mundo, estamos qualificando trabalhadores como nunca tinha ocorrido antes, tudo isso em nove anos. Outro dado da Ceplan é que a arrecadação fiscal, seja federal ou estadual, aumentou desde 2015. Para cada real do regime do Nordeste nós geramos R$ 5 em arrecadação, sendo R$ 2 pelo aumento da renda da população e R$ 3 pela atividade industrial.

As empresas que questionam a prorrogação do prazo de incentivos afirmam que a Stellantis recebe, em créditos tributários, cerca de R$ 5 bilhões ao ano e que esse incentivo resulta em redução de 20% nos preços dos carros feitos em Goiana, o que seria concorrência desleal.

É interessante ver que esse movimento é feito pelas mesmas empresas que, junto com a gente, estavam conversando com a Secretaria de Desenvolvimento de Pernambuco e de outros Estados a possibilidade de se instalar no Nordeste. Nós decidimos correr o risco e elas decidiram abandonar o projeto porque avaliaram que o risco, em relação ao benefício, era muito desafiador. Acho estranho isso agora, pois me parece que naquela época a visão dessas empresas era totalmente diferente. O tema é que provavelmente a Stellantis virou um case de sucesso em Pernambuco, no mesmo território e no mesmo regime em que a Ford decidiu abandonar o mercado, e isso está gerando algum tipo de interesse negativo. Creio que essas empresas não conhecem o Nordeste nem o povo nordestino. Já não conheciam antes, pois saíram de um projeto que, na nossa visão, era desafiador, mas estrategicamente importante, e conhecem menos agora porque não voltaram lá para ver o que aconteceu depois da nossa chegada.

O que o sr. quer dizer com ‘interesse negativo’?

Acho que muitos preferem ter menos competidores e menos fábricas disputando um mesmo mercado. Nós não temos essa visão. Entendemos que quanto maior e mais qualificado é o nível de competição, melhor. Quando a Ford saiu de Camaçari vimos isso com uma perda, pois diminuiu o número de fornecedores e de clientes dos fornecedores que ficaram, e isso gera aumento de custos por causa da menor escala de produção e menor eficiência.

Filosa diz que grupo precisa de prorrogação de incentivos para ampliar investimentos Foto: Marcelo Chello/Estadão

Com todos os avanços citados, a Stellantis ainda precisa de subsídios até 2032?

Temos planos de investimento imenso de bilhões de reais para depois de 2025 em novas tecnologias, mais fornecedores locais, mais capacidade produtiva, novos produtos (principalmente híbridos e elétricos) e novos serviços. Para isso se materializar, precisamos de previsibilidade econômica. Entendemos que há possibilidade de um terceiro ciclo (o prazo do incentivo já foi prorrogado duas vezes) associado ao prazo estabelecido na Reforma Tributária para o ICMS, o que aumentaria nossa competitividade. Com maior nível de industrialização, a renda per capita das famílias locais aumenta. Quanto mais riqueza é gerada em um Estado, mais aumenta o consumo. Quando o PIB cresce territorialmente, há maior demanda por casas e carros, por exemplo.

Qual a produção em Goiana?

Temos capacidade para 280 mil veículos ao ano. É bom ressaltar também que transformamos Pernambuco numa planta de exportação para os países da América do Sul e para o México. Poderíamos, se quiséssemos, destinar toda a produção para o Brasil e pegar o regime em sua plenitude, pois ele só é aplicado nos modelos vendidos no mercado interno. Já exportamos 200 mil unidades.

Caso a extensão dos incentivos não seja aprovada pelo Senado, haverá mudanças no plano de investimentos?

Certamente muda, porque a previsibilidade econômica mudaria. Teremos de ver que impactos teremos, mas nesse momento não sei quantificar.

O sr. ou sua equipe estão conversando com governos e parlamentares para tentar garantir a prorrogação?

Nossos competidores estão conversando muito mais (para evitar a prorrogação).

Entrevista por Cleide Silva

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