BRASÍLIA E SÃO PAULO - O ministro Kássio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), conduz a portas fechadas nesta segunda-feira, 18, uma audiência de conciliação entre a J&F, holding dos irmãos Wesley e Joesley Batista, e a empresa indonésia Paper Excellence. A disputa, que dura mais de seis anos e envolve cerca de R$ 15 bilhões, é pelo controle da fabricante de celulose Eldorado. Fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast avaliam que há pouco espaço para negociação.
Procuradas pelo Estadão/Broadcast, a J&F e a Paper Excellence disseram que não iriam se manifestar sobre a audiência.
Em 2017, a Paper comprou 49,41% da Eldorado e, pelo contrato, teria o direito a adquirir os 50,59% restantes das ações que permanecem com a holding dos Batista. O acordo tem sido judicializado em diversas frentes desde então.
A audiência no STF ocorre apenas alguns dias depois de o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) emitir um parecer dizendo que a compra da Eldorado pela Paper nos termos em que foi realizada viola a legislação de terras do País. No documento publicado no último dia 14, o Incra disse que o negócio deveria ter sido previamente autorizado, sob pena de “nulidade de pleno direito da aquisição”.
Também na semana passada, a Paper enviou uma proposta ao governo federal para formalizar um termo de compromisso que garantiria a venda das terras rurais e a conversão dos contratos de arrendamento em parceria rural, a fim solucionar o impasse. Para pessoas ligadas à empresa indonésia ouvidas pela reportagem, a avaliação é de que, caso o termo de compromisso seja aceito, o parecer do Incra perde o objeto. Ainda há discussões sobre levar ou não o parecer à Justiça. Interlocutores na J&F, por sua vez, veem a proposta ao governo como uma tentativa de “burlar” a legislação.
Medida preventiva do Cade
Em documento assinado nesta segunda-feira, 18, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) adotou uma medida preventiva para suspender os direitos políticos que a CA Investment, representante da Paper no Brasil, tem na Eldorado. Segundo o órgão antitruste, a medida se dá no âmbito de um procedimento para apurar supostas condutas anticompetitivas praticadas pela CA Investment no mercado de celulose no País.
Sobre a decisão do Cade, a Paper Excellence divulgou uma nota em que diz que “é lamentável que a J&F use a Eldorado Celulose para tentar instrumentalizar o Cade, como já tentou fazer com outros órgãos reguladores e fiscalizadores sem sucesso” (leia a íntegra da nota mais abaixo).
Procurada pelo Estadão/Broadcast, a Eldorado Celulose não respondeu até a publicação desta reportagem se iria se manifestar sobre a questão.
Pouca expectativa de acordo
Em meio às mais recentes movimentações, o Estadão/Broadcast apurou que há pouca expectativa de um acordo na audiência desta segunda-feira, 18, o que deve deixar a decisão nas mãos de Nunes Marques, relator de duas reclamações apresentadas pela Paper. O ministro negou o pedido de liminar da empresa e manteve suspensa a transferência das ações. A Paper chegou a pedir ao STF a anulação dos processos que originaram a audiência, mas o magistrado indeferiu o pedido, falou em “má-fé processual” e manteve a agenda.
Nas reclamações ao Supremo, a Paper questionou uma decisão do desembargador Rogério Favreto, confirmada pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que suspendeu a transferência de ações em 2023 “até que sejam apresentadas as permissões pelo Incra e pelo Congresso Nacional”. Ele acolheu uma ação popular de Luciano José Buligon, ex-prefeito de Chapecó. O argumento do catarinense foi que a venda da Eldorado para uma empresa estrangeira colocaria em risco a soberania nacional, já que, segundo ele, ela teria o objetivo de comprar propriedades rurais em Santa Catarina. Essa pretensão é negada pela Paper.
Uma tentativa de conciliação já foi realizada em Frankfurt, na Alemanha, em 2023. Na ocasião, o empresário Joesley Batista, da J&F, e o dono da Paper, Jackson Wijaya, se encontraram pela primeira vez. A J&F propôs o desfazimento voluntário do contrato para evitar a condenação na Justiça — as duas empresas são rés -, mas a proposta foi negada pela Paper.
Briga de versões
A lei de 1971 que restringe a compra de terras brasileiras por estrangeiros se tornou o principal impasse que impede a conclusão da venda da Eldorado, que possui 14 mil hectares de terra própria. De acordo com a J&F, o total de áreas sob controle da Eldorado é de cerca de 450 mil hectares, o que inclui áreas arrendadas. O posicionamento da holding dos irmãos Batista é que era necessária autorização do Congresso e do Incra para essa transação, antes mesmo da assinatura do contrato.
A Paper, ao apresentar o documento dizendo que abriria mão de qualquer terra rural pertencente à Eldorado, deu uma entrevista à Folha de S. Paulo dizendo que as terras representam 0,6% do negócio de R$ 15 bilhões. “É irrelevante. Nosso negócio não é terra. Não precisamos de terras”, afirmou o diretor-presidente da Paper no Brasil, Cláudio Cotrim, na última quinta-feira.
Em resposta a Cotrim, o presidente da J&F, Aguinaldo Filho, afirmou em artigo publicado no site Poder360 neste domingo, 17, que a entrevista é uma “confissão de culpa” de que a empresa não pediu autorização ao Incra para a compra das terras.
Posição do STF
A questão das terras ainda não está pacificada no Supremo. A lei de 1971 é discutida em duas ações na Corte, que tiveram seu julgamento iniciado em 2021. Nunes Marques, atual relator das ações da Paper, votou para validar a lei que restringe a aquisição de terras por estrangeiros. O julgamento estava em 2 a 1 para manter a norma até ser suspenso por pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes. Desde então, o caso foi mantido na gaveta por três presidentes do Supremo: Luiz Fux, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso.
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Durante esse período, o atual relator do caso, ministro André Mendonça, determinou a suspensão de todos os processos que envolvem a questão na Justiça, a fim de evitar decisões contraditórias. A liminar, concedida em abril de 2023, foi submetida ao referendo dos demais ministros, mas acabou sendo derrubada devido a um empate de 5 a 5.
A discussão sobre terras ocorre paralelamente à tentativa da J&F de anular uma sentença arbitral do ICC Brasil, que determinou por 3 a 0 que a empresa dos irmãos Batista cumprisse com os termos da negociação feita em 2017 e vendesse 100% da Eldorado à Paper. O caso está sendo discutido no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
A nota da Paper sobre a decisão do Cade
Leia a íntegra da Paper Excellence sobre a decisão do Cade:
“É lamentável que a J&F use a Eldorado Celulose para tentar instrumentalizar o Cade, como já tentou fazer com outros órgãos reguladores e fiscalizadores sem sucesso. "
“O argumento da Eldorado de que a Paper estaria provocando ‘prejuízos de ordem financeira e concorrencial’ à Eldorado é infundado e ilógico. Infundado porque usa a premissa de suposto dano à concorrência para pretender interferir nos direitos societários da Paper, em estratégia sem precedentes no direito brasileiro. Ilógico porque pressupõe que uma acionista com 49,41% do capital social e que luta, há seis anos, para ter 100% do capital da Eldorado pudesse atuar para prejudicar a própria companhia.”
“J&F e a Eldorado apelam agora ao CADE, justamente porque já fracassaram nestes mesmos argumentos em arbitragens e na própria Comissão de Valores Imobiliários (CVM).”
“A Paper reitera seu compromisso de, uma vez assumindo o total controle da Eldorado, investir mais R$ 20 bilhões para dobrar a capacidade produtiva da fábrica com a construção de uma segunda linha de produção, que vai gerar empregos e impostos para o País.”
“A Paper entende que houve um imenso equívoco na decisão do superintendente Geral do Cade e que tomará todas as medidas necessárias para esclarecimento e reversão de tamanha injustiça.”