Empresas se desconectam do governo Bolsonaro para vender Brasil como ‘potência verde’ em Nova York


Brasil pode receber até US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa, de acordo com estudo da consultoria americana Boston Consulting Group

Por Aline Bronzati
Atualização:

NOVA YORK – O setor privado brasileiro quer marcar território na agenda climática de Nova York, que acontece todo ano no mês de setembro, em paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). O objetivo é vender o Brasil no exterior, em um esforço para posicioná-lo como uma potência verde, assumindo o protagonismo dessa agenda, na contramão da gestão Bolsonaro, criticada pela ausência de políticas ambientais no contexto internacional.

Para isso, o Brazil Climate Summit, realizado entre quinta e sexta-feira (dias 15 e 16), na Universidade de Columbia, às vésperas da semana do clima em Nova York, o maior evento com a temática clima do mundo e que ocorre na próxima semana, deve passar a ser um fórum permanente na Big Apple. “O evento não pode parar aqui. Independente do governo, queremos tomar a rédea”, diz a cofundadora da EB Capital e uma das idealizadoras do evento, Luciana Antonini Ribeiro.

O Brasil pode receber até US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa Foto: Dida Sampaio/Estadão
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De acordo com ela, que evita falar de questões políticas, alegando que não quer “contaminar” a iniciativa, a proposta do evento, que começou a ser gestado no meio da pandemia, foi criar uma ponte entre vários agentes, indo além do público de sustentabilidade.

O fórum atraiu cerca de 600 pessoas durante dois dias na Universidade de Columbia, em Manhattan, dentre os quais, alunos e ex-alunos, especialistas na agenda verde, executivos de empresas, de bancos e investidores internacionais. Uniu, assim, nomes como o do ex-CEO da Unilever Paul Polman e a presidente do UBS no Brasil, Silvia Coutinho.

O diretor da gestora de ativos ambientais Reservas Votorantim, David Canassa, ficou surpreso com o público e o avanço da agenda verde nas empresas brasileiras. “Há cinco anos, isso era impensável. À medida que você vê iniciativas adotadas por empresas de capital aberto, isso toma outra proporção porque os investidores começam a cobrar”, diz ele, ponderando que tal avanço se deu apesar da pandemia, que “poderia ter colocado tudo embaixo do tapete”.

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Busca de financiamento para iniciativas ESG

Dentre os temas debatidos no evento Brazil Climate Summit esteve a necessidade de estruturas financeiras para apoiar uma agenda verde no Brasil. O diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America, Max Volkov, mostrou um raio-x do mercado brasileiro. Segundo ele, há um estoque de US$ 19 bilhões de emissões de dívida externa no País com perfil ESG, sigla para questões ambientais, sociais e de governança, com foco exclusivamente no setor privado.

Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina

Max Volkov, Diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America

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“Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina”, disse Volkov, acrescentando que há bastante interesse de investidores nas emissões ESG.

Brazil Climate Summit aconteceu na semana passada, em Nova York Foto: Juan Arredondo/The New York Times

Em paralelo a opções de financiamento tradicionais, novas estruturas começam a surgir. O Banco do Brasil prepara o lançamento das suas primeiras emissões de créditos de carbono. A estreia será com quatro operações, no valor de R$ 25 milhões e um total de 500 mil toneladas de CO2. Mas o potencial é maior. O BB já mapeou 80 transações em seu portfólio de agronegócio, do qual é líder no Brasil.

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“Nós juntamos as duas pontas, o lado que tem excesso de crédito de carbono e o outro que precisa compensar. Mapeamos todo esse excedente e demanda e vamos lançar as primeiras quatro emissões no fim do mês”, afirmou o presidente do BB, Fausto Ribeiro, ao Estadão/Broadcast.

O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão

Bruno Aranha, Diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES

Na outra ponta, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está atuando para impulsionar a demanda. Nesse sentido, organizou dois editais para a compra de crédito de carbono, em um total de R$ 110 milhões. “O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão”, afirmou o diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES, Bruno Aranha.

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Sistema de créditos está completando 25 anos

O debate sobre o sistema de créditos de carbono está longe de ser novo. O modelo foi criado a partir do Protocolo de Kyoto, em 1997, e visa à diminuição dos gases de efeito estufa, que causam as mudanças climáticas. No Brasil, esse mercado atingiu a casa dos US$ 2 bilhões no ano passado e tem crescido a uma taxa anual de 30%, segundo especialistas que participaram do Brazil Climate Summit. A expectativa é que o segmento dê um salto nos próximos anos, podendo alcançar US$ 50 bilhões até 2030, de acordo com projeções da consultoria global McKinsey.

Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono

Janaina Dallan, CEO da Carbonext

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Para se multiplicar nos próximos anos, o mercado de crédito de carbono no Brasil precisa superar entraves que incluem falta de profissional especializado, escala, custos elevados devido ao processo de certificação apenas internacional, o que onera o processo, dentre outros. Há ainda uma questão chave que é o desmatamento da Amazônia. “Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono (quando as empresas não têm obrigação de fazê-lo)”, disse a CEO da Carbonext, Janaina Dallan. “Ao mesmo tempo que é o nosso maior problema, é a maior solução”.

A expectativa é de que o desmatamento da Amazônia cresça 20% neste ano ante 2021, quando já aumentou 12%, de acordo com o superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgilio Viana. “A gente está em uma trajetória crescente desde 2012. Não é coisa de agora. Esse ano, deve aumentar uns 20% em relação ao ano passado. Estamos em um caos total”, alertou.

Para o analista-sênior da consultoria americana Boston Consulting Group (BCG) e ex-BlackRock, Mark Wiseman, o Brasil foi tido como uma grande esperança de investimento sustentável, mas o elevado prêmio de risco do País impediu que isso se concretizasse. “O prêmio de risco é extraordinariamente alto... Isso é um fato infelizmente”, acrescentando que o investimento do Brasil perde em atratividade quando comparado a outros mercados como Europa e EUA.

O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

Ao falar em um painel sobre o financiamento para uma transição verde, Eduardo Melzer, da EB Capital, discordou de Mark Wiseman. “Os investidores também têm de se posicionar”, cobrou.

Público versus privado

Apesar da tentativa da iniciativa privada de se descolar do governo Bolsonaro, que tem sido extremamente criticado no exterior por sua postura anti-ambientalista, a responsabilidade pública recebeu holofotes. Para a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, o Brasil está atrasado e não sabe onde quer estar no futuro. “O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente”, disse.

Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas

Arthur Ramos, diretor executivo e sócio da BCG Brasil

Já no universo privado, enquanto de um lado há uma cobrança para empresas fazerem mais, do outro, exemplos positivos começam a surgir. Nomes como a Movida, de aluguel de carros, a aérea United Airlines, a mineradora Sigma Lithium, da boutique A10 Investimentos, mostram que é possível avançar na agenda verde, com iniciativas que vão além e pensam nos consumidores, no impacto futuro. O desafio é a escala. “A escala permite dar acesso e ajuda a influenciar esse ambiente, buscar e compartilhar conhecimento”, disse o diretor executivo da Vale, Rodrigo Lauria.

E também investimentos. O Brasil pode receber uma injeção de US$ 2 trilhões a US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa, principais causadoras das mudanças climáticas, até 2050, de acordo com estudo da consultoria norte-americana Boston Consulting Group (BCG), divulgado no evento. “Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas”, disse o diretor executivo e sócio da BCG Brasil, Arthur Ramos. “Mas é um número factível”, concluiu.

NOVA YORK – O setor privado brasileiro quer marcar território na agenda climática de Nova York, que acontece todo ano no mês de setembro, em paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). O objetivo é vender o Brasil no exterior, em um esforço para posicioná-lo como uma potência verde, assumindo o protagonismo dessa agenda, na contramão da gestão Bolsonaro, criticada pela ausência de políticas ambientais no contexto internacional.

Para isso, o Brazil Climate Summit, realizado entre quinta e sexta-feira (dias 15 e 16), na Universidade de Columbia, às vésperas da semana do clima em Nova York, o maior evento com a temática clima do mundo e que ocorre na próxima semana, deve passar a ser um fórum permanente na Big Apple. “O evento não pode parar aqui. Independente do governo, queremos tomar a rédea”, diz a cofundadora da EB Capital e uma das idealizadoras do evento, Luciana Antonini Ribeiro.

O Brasil pode receber até US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa Foto: Dida Sampaio/Estadão

De acordo com ela, que evita falar de questões políticas, alegando que não quer “contaminar” a iniciativa, a proposta do evento, que começou a ser gestado no meio da pandemia, foi criar uma ponte entre vários agentes, indo além do público de sustentabilidade.

O fórum atraiu cerca de 600 pessoas durante dois dias na Universidade de Columbia, em Manhattan, dentre os quais, alunos e ex-alunos, especialistas na agenda verde, executivos de empresas, de bancos e investidores internacionais. Uniu, assim, nomes como o do ex-CEO da Unilever Paul Polman e a presidente do UBS no Brasil, Silvia Coutinho.

O diretor da gestora de ativos ambientais Reservas Votorantim, David Canassa, ficou surpreso com o público e o avanço da agenda verde nas empresas brasileiras. “Há cinco anos, isso era impensável. À medida que você vê iniciativas adotadas por empresas de capital aberto, isso toma outra proporção porque os investidores começam a cobrar”, diz ele, ponderando que tal avanço se deu apesar da pandemia, que “poderia ter colocado tudo embaixo do tapete”.

Busca de financiamento para iniciativas ESG

Dentre os temas debatidos no evento Brazil Climate Summit esteve a necessidade de estruturas financeiras para apoiar uma agenda verde no Brasil. O diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America, Max Volkov, mostrou um raio-x do mercado brasileiro. Segundo ele, há um estoque de US$ 19 bilhões de emissões de dívida externa no País com perfil ESG, sigla para questões ambientais, sociais e de governança, com foco exclusivamente no setor privado.

Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina

Max Volkov, Diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America

“Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina”, disse Volkov, acrescentando que há bastante interesse de investidores nas emissões ESG.

Brazil Climate Summit aconteceu na semana passada, em Nova York Foto: Juan Arredondo/The New York Times

Em paralelo a opções de financiamento tradicionais, novas estruturas começam a surgir. O Banco do Brasil prepara o lançamento das suas primeiras emissões de créditos de carbono. A estreia será com quatro operações, no valor de R$ 25 milhões e um total de 500 mil toneladas de CO2. Mas o potencial é maior. O BB já mapeou 80 transações em seu portfólio de agronegócio, do qual é líder no Brasil.

“Nós juntamos as duas pontas, o lado que tem excesso de crédito de carbono e o outro que precisa compensar. Mapeamos todo esse excedente e demanda e vamos lançar as primeiras quatro emissões no fim do mês”, afirmou o presidente do BB, Fausto Ribeiro, ao Estadão/Broadcast.

O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão

Bruno Aranha, Diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES

Na outra ponta, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está atuando para impulsionar a demanda. Nesse sentido, organizou dois editais para a compra de crédito de carbono, em um total de R$ 110 milhões. “O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão”, afirmou o diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES, Bruno Aranha.

Sistema de créditos está completando 25 anos

O debate sobre o sistema de créditos de carbono está longe de ser novo. O modelo foi criado a partir do Protocolo de Kyoto, em 1997, e visa à diminuição dos gases de efeito estufa, que causam as mudanças climáticas. No Brasil, esse mercado atingiu a casa dos US$ 2 bilhões no ano passado e tem crescido a uma taxa anual de 30%, segundo especialistas que participaram do Brazil Climate Summit. A expectativa é que o segmento dê um salto nos próximos anos, podendo alcançar US$ 50 bilhões até 2030, de acordo com projeções da consultoria global McKinsey.

Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono

Janaina Dallan, CEO da Carbonext

Para se multiplicar nos próximos anos, o mercado de crédito de carbono no Brasil precisa superar entraves que incluem falta de profissional especializado, escala, custos elevados devido ao processo de certificação apenas internacional, o que onera o processo, dentre outros. Há ainda uma questão chave que é o desmatamento da Amazônia. “Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono (quando as empresas não têm obrigação de fazê-lo)”, disse a CEO da Carbonext, Janaina Dallan. “Ao mesmo tempo que é o nosso maior problema, é a maior solução”.

A expectativa é de que o desmatamento da Amazônia cresça 20% neste ano ante 2021, quando já aumentou 12%, de acordo com o superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgilio Viana. “A gente está em uma trajetória crescente desde 2012. Não é coisa de agora. Esse ano, deve aumentar uns 20% em relação ao ano passado. Estamos em um caos total”, alertou.

Para o analista-sênior da consultoria americana Boston Consulting Group (BCG) e ex-BlackRock, Mark Wiseman, o Brasil foi tido como uma grande esperança de investimento sustentável, mas o elevado prêmio de risco do País impediu que isso se concretizasse. “O prêmio de risco é extraordinariamente alto... Isso é um fato infelizmente”, acrescentando que o investimento do Brasil perde em atratividade quando comparado a outros mercados como Europa e EUA.

O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

Ao falar em um painel sobre o financiamento para uma transição verde, Eduardo Melzer, da EB Capital, discordou de Mark Wiseman. “Os investidores também têm de se posicionar”, cobrou.

Público versus privado

Apesar da tentativa da iniciativa privada de se descolar do governo Bolsonaro, que tem sido extremamente criticado no exterior por sua postura anti-ambientalista, a responsabilidade pública recebeu holofotes. Para a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, o Brasil está atrasado e não sabe onde quer estar no futuro. “O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente”, disse.

Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas

Arthur Ramos, diretor executivo e sócio da BCG Brasil

Já no universo privado, enquanto de um lado há uma cobrança para empresas fazerem mais, do outro, exemplos positivos começam a surgir. Nomes como a Movida, de aluguel de carros, a aérea United Airlines, a mineradora Sigma Lithium, da boutique A10 Investimentos, mostram que é possível avançar na agenda verde, com iniciativas que vão além e pensam nos consumidores, no impacto futuro. O desafio é a escala. “A escala permite dar acesso e ajuda a influenciar esse ambiente, buscar e compartilhar conhecimento”, disse o diretor executivo da Vale, Rodrigo Lauria.

E também investimentos. O Brasil pode receber uma injeção de US$ 2 trilhões a US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa, principais causadoras das mudanças climáticas, até 2050, de acordo com estudo da consultoria norte-americana Boston Consulting Group (BCG), divulgado no evento. “Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas”, disse o diretor executivo e sócio da BCG Brasil, Arthur Ramos. “Mas é um número factível”, concluiu.

NOVA YORK – O setor privado brasileiro quer marcar território na agenda climática de Nova York, que acontece todo ano no mês de setembro, em paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). O objetivo é vender o Brasil no exterior, em um esforço para posicioná-lo como uma potência verde, assumindo o protagonismo dessa agenda, na contramão da gestão Bolsonaro, criticada pela ausência de políticas ambientais no contexto internacional.

Para isso, o Brazil Climate Summit, realizado entre quinta e sexta-feira (dias 15 e 16), na Universidade de Columbia, às vésperas da semana do clima em Nova York, o maior evento com a temática clima do mundo e que ocorre na próxima semana, deve passar a ser um fórum permanente na Big Apple. “O evento não pode parar aqui. Independente do governo, queremos tomar a rédea”, diz a cofundadora da EB Capital e uma das idealizadoras do evento, Luciana Antonini Ribeiro.

O Brasil pode receber até US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa Foto: Dida Sampaio/Estadão

De acordo com ela, que evita falar de questões políticas, alegando que não quer “contaminar” a iniciativa, a proposta do evento, que começou a ser gestado no meio da pandemia, foi criar uma ponte entre vários agentes, indo além do público de sustentabilidade.

O fórum atraiu cerca de 600 pessoas durante dois dias na Universidade de Columbia, em Manhattan, dentre os quais, alunos e ex-alunos, especialistas na agenda verde, executivos de empresas, de bancos e investidores internacionais. Uniu, assim, nomes como o do ex-CEO da Unilever Paul Polman e a presidente do UBS no Brasil, Silvia Coutinho.

O diretor da gestora de ativos ambientais Reservas Votorantim, David Canassa, ficou surpreso com o público e o avanço da agenda verde nas empresas brasileiras. “Há cinco anos, isso era impensável. À medida que você vê iniciativas adotadas por empresas de capital aberto, isso toma outra proporção porque os investidores começam a cobrar”, diz ele, ponderando que tal avanço se deu apesar da pandemia, que “poderia ter colocado tudo embaixo do tapete”.

Busca de financiamento para iniciativas ESG

Dentre os temas debatidos no evento Brazil Climate Summit esteve a necessidade de estruturas financeiras para apoiar uma agenda verde no Brasil. O diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America, Max Volkov, mostrou um raio-x do mercado brasileiro. Segundo ele, há um estoque de US$ 19 bilhões de emissões de dívida externa no País com perfil ESG, sigla para questões ambientais, sociais e de governança, com foco exclusivamente no setor privado.

Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina

Max Volkov, Diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America

“Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina”, disse Volkov, acrescentando que há bastante interesse de investidores nas emissões ESG.

Brazil Climate Summit aconteceu na semana passada, em Nova York Foto: Juan Arredondo/The New York Times

Em paralelo a opções de financiamento tradicionais, novas estruturas começam a surgir. O Banco do Brasil prepara o lançamento das suas primeiras emissões de créditos de carbono. A estreia será com quatro operações, no valor de R$ 25 milhões e um total de 500 mil toneladas de CO2. Mas o potencial é maior. O BB já mapeou 80 transações em seu portfólio de agronegócio, do qual é líder no Brasil.

“Nós juntamos as duas pontas, o lado que tem excesso de crédito de carbono e o outro que precisa compensar. Mapeamos todo esse excedente e demanda e vamos lançar as primeiras quatro emissões no fim do mês”, afirmou o presidente do BB, Fausto Ribeiro, ao Estadão/Broadcast.

O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão

Bruno Aranha, Diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES

Na outra ponta, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está atuando para impulsionar a demanda. Nesse sentido, organizou dois editais para a compra de crédito de carbono, em um total de R$ 110 milhões. “O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão”, afirmou o diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES, Bruno Aranha.

Sistema de créditos está completando 25 anos

O debate sobre o sistema de créditos de carbono está longe de ser novo. O modelo foi criado a partir do Protocolo de Kyoto, em 1997, e visa à diminuição dos gases de efeito estufa, que causam as mudanças climáticas. No Brasil, esse mercado atingiu a casa dos US$ 2 bilhões no ano passado e tem crescido a uma taxa anual de 30%, segundo especialistas que participaram do Brazil Climate Summit. A expectativa é que o segmento dê um salto nos próximos anos, podendo alcançar US$ 50 bilhões até 2030, de acordo com projeções da consultoria global McKinsey.

Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono

Janaina Dallan, CEO da Carbonext

Para se multiplicar nos próximos anos, o mercado de crédito de carbono no Brasil precisa superar entraves que incluem falta de profissional especializado, escala, custos elevados devido ao processo de certificação apenas internacional, o que onera o processo, dentre outros. Há ainda uma questão chave que é o desmatamento da Amazônia. “Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono (quando as empresas não têm obrigação de fazê-lo)”, disse a CEO da Carbonext, Janaina Dallan. “Ao mesmo tempo que é o nosso maior problema, é a maior solução”.

A expectativa é de que o desmatamento da Amazônia cresça 20% neste ano ante 2021, quando já aumentou 12%, de acordo com o superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgilio Viana. “A gente está em uma trajetória crescente desde 2012. Não é coisa de agora. Esse ano, deve aumentar uns 20% em relação ao ano passado. Estamos em um caos total”, alertou.

Para o analista-sênior da consultoria americana Boston Consulting Group (BCG) e ex-BlackRock, Mark Wiseman, o Brasil foi tido como uma grande esperança de investimento sustentável, mas o elevado prêmio de risco do País impediu que isso se concretizasse. “O prêmio de risco é extraordinariamente alto... Isso é um fato infelizmente”, acrescentando que o investimento do Brasil perde em atratividade quando comparado a outros mercados como Europa e EUA.

O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

Ao falar em um painel sobre o financiamento para uma transição verde, Eduardo Melzer, da EB Capital, discordou de Mark Wiseman. “Os investidores também têm de se posicionar”, cobrou.

Público versus privado

Apesar da tentativa da iniciativa privada de se descolar do governo Bolsonaro, que tem sido extremamente criticado no exterior por sua postura anti-ambientalista, a responsabilidade pública recebeu holofotes. Para a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, o Brasil está atrasado e não sabe onde quer estar no futuro. “O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente”, disse.

Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas

Arthur Ramos, diretor executivo e sócio da BCG Brasil

Já no universo privado, enquanto de um lado há uma cobrança para empresas fazerem mais, do outro, exemplos positivos começam a surgir. Nomes como a Movida, de aluguel de carros, a aérea United Airlines, a mineradora Sigma Lithium, da boutique A10 Investimentos, mostram que é possível avançar na agenda verde, com iniciativas que vão além e pensam nos consumidores, no impacto futuro. O desafio é a escala. “A escala permite dar acesso e ajuda a influenciar esse ambiente, buscar e compartilhar conhecimento”, disse o diretor executivo da Vale, Rodrigo Lauria.

E também investimentos. O Brasil pode receber uma injeção de US$ 2 trilhões a US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa, principais causadoras das mudanças climáticas, até 2050, de acordo com estudo da consultoria norte-americana Boston Consulting Group (BCG), divulgado no evento. “Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas”, disse o diretor executivo e sócio da BCG Brasil, Arthur Ramos. “Mas é um número factível”, concluiu.

NOVA YORK – O setor privado brasileiro quer marcar território na agenda climática de Nova York, que acontece todo ano no mês de setembro, em paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). O objetivo é vender o Brasil no exterior, em um esforço para posicioná-lo como uma potência verde, assumindo o protagonismo dessa agenda, na contramão da gestão Bolsonaro, criticada pela ausência de políticas ambientais no contexto internacional.

Para isso, o Brazil Climate Summit, realizado entre quinta e sexta-feira (dias 15 e 16), na Universidade de Columbia, às vésperas da semana do clima em Nova York, o maior evento com a temática clima do mundo e que ocorre na próxima semana, deve passar a ser um fórum permanente na Big Apple. “O evento não pode parar aqui. Independente do governo, queremos tomar a rédea”, diz a cofundadora da EB Capital e uma das idealizadoras do evento, Luciana Antonini Ribeiro.

O Brasil pode receber até US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa Foto: Dida Sampaio/Estadão

De acordo com ela, que evita falar de questões políticas, alegando que não quer “contaminar” a iniciativa, a proposta do evento, que começou a ser gestado no meio da pandemia, foi criar uma ponte entre vários agentes, indo além do público de sustentabilidade.

O fórum atraiu cerca de 600 pessoas durante dois dias na Universidade de Columbia, em Manhattan, dentre os quais, alunos e ex-alunos, especialistas na agenda verde, executivos de empresas, de bancos e investidores internacionais. Uniu, assim, nomes como o do ex-CEO da Unilever Paul Polman e a presidente do UBS no Brasil, Silvia Coutinho.

O diretor da gestora de ativos ambientais Reservas Votorantim, David Canassa, ficou surpreso com o público e o avanço da agenda verde nas empresas brasileiras. “Há cinco anos, isso era impensável. À medida que você vê iniciativas adotadas por empresas de capital aberto, isso toma outra proporção porque os investidores começam a cobrar”, diz ele, ponderando que tal avanço se deu apesar da pandemia, que “poderia ter colocado tudo embaixo do tapete”.

Busca de financiamento para iniciativas ESG

Dentre os temas debatidos no evento Brazil Climate Summit esteve a necessidade de estruturas financeiras para apoiar uma agenda verde no Brasil. O diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America, Max Volkov, mostrou um raio-x do mercado brasileiro. Segundo ele, há um estoque de US$ 19 bilhões de emissões de dívida externa no País com perfil ESG, sigla para questões ambientais, sociais e de governança, com foco exclusivamente no setor privado.

Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina

Max Volkov, Diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America

“Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina”, disse Volkov, acrescentando que há bastante interesse de investidores nas emissões ESG.

Brazil Climate Summit aconteceu na semana passada, em Nova York Foto: Juan Arredondo/The New York Times

Em paralelo a opções de financiamento tradicionais, novas estruturas começam a surgir. O Banco do Brasil prepara o lançamento das suas primeiras emissões de créditos de carbono. A estreia será com quatro operações, no valor de R$ 25 milhões e um total de 500 mil toneladas de CO2. Mas o potencial é maior. O BB já mapeou 80 transações em seu portfólio de agronegócio, do qual é líder no Brasil.

“Nós juntamos as duas pontas, o lado que tem excesso de crédito de carbono e o outro que precisa compensar. Mapeamos todo esse excedente e demanda e vamos lançar as primeiras quatro emissões no fim do mês”, afirmou o presidente do BB, Fausto Ribeiro, ao Estadão/Broadcast.

O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão

Bruno Aranha, Diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES

Na outra ponta, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está atuando para impulsionar a demanda. Nesse sentido, organizou dois editais para a compra de crédito de carbono, em um total de R$ 110 milhões. “O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão”, afirmou o diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES, Bruno Aranha.

Sistema de créditos está completando 25 anos

O debate sobre o sistema de créditos de carbono está longe de ser novo. O modelo foi criado a partir do Protocolo de Kyoto, em 1997, e visa à diminuição dos gases de efeito estufa, que causam as mudanças climáticas. No Brasil, esse mercado atingiu a casa dos US$ 2 bilhões no ano passado e tem crescido a uma taxa anual de 30%, segundo especialistas que participaram do Brazil Climate Summit. A expectativa é que o segmento dê um salto nos próximos anos, podendo alcançar US$ 50 bilhões até 2030, de acordo com projeções da consultoria global McKinsey.

Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono

Janaina Dallan, CEO da Carbonext

Para se multiplicar nos próximos anos, o mercado de crédito de carbono no Brasil precisa superar entraves que incluem falta de profissional especializado, escala, custos elevados devido ao processo de certificação apenas internacional, o que onera o processo, dentre outros. Há ainda uma questão chave que é o desmatamento da Amazônia. “Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono (quando as empresas não têm obrigação de fazê-lo)”, disse a CEO da Carbonext, Janaina Dallan. “Ao mesmo tempo que é o nosso maior problema, é a maior solução”.

A expectativa é de que o desmatamento da Amazônia cresça 20% neste ano ante 2021, quando já aumentou 12%, de acordo com o superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgilio Viana. “A gente está em uma trajetória crescente desde 2012. Não é coisa de agora. Esse ano, deve aumentar uns 20% em relação ao ano passado. Estamos em um caos total”, alertou.

Para o analista-sênior da consultoria americana Boston Consulting Group (BCG) e ex-BlackRock, Mark Wiseman, o Brasil foi tido como uma grande esperança de investimento sustentável, mas o elevado prêmio de risco do País impediu que isso se concretizasse. “O prêmio de risco é extraordinariamente alto... Isso é um fato infelizmente”, acrescentando que o investimento do Brasil perde em atratividade quando comparado a outros mercados como Europa e EUA.

O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

Ao falar em um painel sobre o financiamento para uma transição verde, Eduardo Melzer, da EB Capital, discordou de Mark Wiseman. “Os investidores também têm de se posicionar”, cobrou.

Público versus privado

Apesar da tentativa da iniciativa privada de se descolar do governo Bolsonaro, que tem sido extremamente criticado no exterior por sua postura anti-ambientalista, a responsabilidade pública recebeu holofotes. Para a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, o Brasil está atrasado e não sabe onde quer estar no futuro. “O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente”, disse.

Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas

Arthur Ramos, diretor executivo e sócio da BCG Brasil

Já no universo privado, enquanto de um lado há uma cobrança para empresas fazerem mais, do outro, exemplos positivos começam a surgir. Nomes como a Movida, de aluguel de carros, a aérea United Airlines, a mineradora Sigma Lithium, da boutique A10 Investimentos, mostram que é possível avançar na agenda verde, com iniciativas que vão além e pensam nos consumidores, no impacto futuro. O desafio é a escala. “A escala permite dar acesso e ajuda a influenciar esse ambiente, buscar e compartilhar conhecimento”, disse o diretor executivo da Vale, Rodrigo Lauria.

E também investimentos. O Brasil pode receber uma injeção de US$ 2 trilhões a US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa, principais causadoras das mudanças climáticas, até 2050, de acordo com estudo da consultoria norte-americana Boston Consulting Group (BCG), divulgado no evento. “Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas”, disse o diretor executivo e sócio da BCG Brasil, Arthur Ramos. “Mas é um número factível”, concluiu.

NOVA YORK – O setor privado brasileiro quer marcar território na agenda climática de Nova York, que acontece todo ano no mês de setembro, em paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). O objetivo é vender o Brasil no exterior, em um esforço para posicioná-lo como uma potência verde, assumindo o protagonismo dessa agenda, na contramão da gestão Bolsonaro, criticada pela ausência de políticas ambientais no contexto internacional.

Para isso, o Brazil Climate Summit, realizado entre quinta e sexta-feira (dias 15 e 16), na Universidade de Columbia, às vésperas da semana do clima em Nova York, o maior evento com a temática clima do mundo e que ocorre na próxima semana, deve passar a ser um fórum permanente na Big Apple. “O evento não pode parar aqui. Independente do governo, queremos tomar a rédea”, diz a cofundadora da EB Capital e uma das idealizadoras do evento, Luciana Antonini Ribeiro.

O Brasil pode receber até US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa Foto: Dida Sampaio/Estadão

De acordo com ela, que evita falar de questões políticas, alegando que não quer “contaminar” a iniciativa, a proposta do evento, que começou a ser gestado no meio da pandemia, foi criar uma ponte entre vários agentes, indo além do público de sustentabilidade.

O fórum atraiu cerca de 600 pessoas durante dois dias na Universidade de Columbia, em Manhattan, dentre os quais, alunos e ex-alunos, especialistas na agenda verde, executivos de empresas, de bancos e investidores internacionais. Uniu, assim, nomes como o do ex-CEO da Unilever Paul Polman e a presidente do UBS no Brasil, Silvia Coutinho.

O diretor da gestora de ativos ambientais Reservas Votorantim, David Canassa, ficou surpreso com o público e o avanço da agenda verde nas empresas brasileiras. “Há cinco anos, isso era impensável. À medida que você vê iniciativas adotadas por empresas de capital aberto, isso toma outra proporção porque os investidores começam a cobrar”, diz ele, ponderando que tal avanço se deu apesar da pandemia, que “poderia ter colocado tudo embaixo do tapete”.

Busca de financiamento para iniciativas ESG

Dentre os temas debatidos no evento Brazil Climate Summit esteve a necessidade de estruturas financeiras para apoiar uma agenda verde no Brasil. O diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America, Max Volkov, mostrou um raio-x do mercado brasileiro. Segundo ele, há um estoque de US$ 19 bilhões de emissões de dívida externa no País com perfil ESG, sigla para questões ambientais, sociais e de governança, com foco exclusivamente no setor privado.

Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina

Max Volkov, Diretor de mercados de dívida para a América Latina do Bank of America

“Se você considerar o volume de emissões domésticas, o tamanho do mercado do Brasil é próximo ao do Chile, que é o maior da América Latina”, disse Volkov, acrescentando que há bastante interesse de investidores nas emissões ESG.

Brazil Climate Summit aconteceu na semana passada, em Nova York Foto: Juan Arredondo/The New York Times

Em paralelo a opções de financiamento tradicionais, novas estruturas começam a surgir. O Banco do Brasil prepara o lançamento das suas primeiras emissões de créditos de carbono. A estreia será com quatro operações, no valor de R$ 25 milhões e um total de 500 mil toneladas de CO2. Mas o potencial é maior. O BB já mapeou 80 transações em seu portfólio de agronegócio, do qual é líder no Brasil.

“Nós juntamos as duas pontas, o lado que tem excesso de crédito de carbono e o outro que precisa compensar. Mapeamos todo esse excedente e demanda e vamos lançar as primeiras quatro emissões no fim do mês”, afirmou o presidente do BB, Fausto Ribeiro, ao Estadão/Broadcast.

O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão

Bruno Aranha, Diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES

Na outra ponta, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está atuando para impulsionar a demanda. Nesse sentido, organizou dois editais para a compra de crédito de carbono, em um total de R$ 110 milhões. “O Brasil é uma potência em soluções baseadas na natureza. Temos nossas florestas, uma solução que está na mão”, afirmou o diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES, Bruno Aranha.

Sistema de créditos está completando 25 anos

O debate sobre o sistema de créditos de carbono está longe de ser novo. O modelo foi criado a partir do Protocolo de Kyoto, em 1997, e visa à diminuição dos gases de efeito estufa, que causam as mudanças climáticas. No Brasil, esse mercado atingiu a casa dos US$ 2 bilhões no ano passado e tem crescido a uma taxa anual de 30%, segundo especialistas que participaram do Brazil Climate Summit. A expectativa é que o segmento dê um salto nos próximos anos, podendo alcançar US$ 50 bilhões até 2030, de acordo com projeções da consultoria global McKinsey.

Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono

Janaina Dallan, CEO da Carbonext

Para se multiplicar nos próximos anos, o mercado de crédito de carbono no Brasil precisa superar entraves que incluem falta de profissional especializado, escala, custos elevados devido ao processo de certificação apenas internacional, o que onera o processo, dentre outros. Há ainda uma questão chave que é o desmatamento da Amazônia. “Se não solucionar esse problema (desmatamento da Amazônia), o Brasil não vai conseguir falar de mercado voluntário de carbono (quando as empresas não têm obrigação de fazê-lo)”, disse a CEO da Carbonext, Janaina Dallan. “Ao mesmo tempo que é o nosso maior problema, é a maior solução”.

A expectativa é de que o desmatamento da Amazônia cresça 20% neste ano ante 2021, quando já aumentou 12%, de acordo com o superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgilio Viana. “A gente está em uma trajetória crescente desde 2012. Não é coisa de agora. Esse ano, deve aumentar uns 20% em relação ao ano passado. Estamos em um caos total”, alertou.

Para o analista-sênior da consultoria americana Boston Consulting Group (BCG) e ex-BlackRock, Mark Wiseman, o Brasil foi tido como uma grande esperança de investimento sustentável, mas o elevado prêmio de risco do País impediu que isso se concretizasse. “O prêmio de risco é extraordinariamente alto... Isso é um fato infelizmente”, acrescentando que o investimento do Brasil perde em atratividade quando comparado a outros mercados como Europa e EUA.

O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

Ao falar em um painel sobre o financiamento para uma transição verde, Eduardo Melzer, da EB Capital, discordou de Mark Wiseman. “Os investidores também têm de se posicionar”, cobrou.

Público versus privado

Apesar da tentativa da iniciativa privada de se descolar do governo Bolsonaro, que tem sido extremamente criticado no exterior por sua postura anti-ambientalista, a responsabilidade pública recebeu holofotes. Para a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, o Brasil está atrasado e não sabe onde quer estar no futuro. “O Brasil não sabe o que quer da agenda ambiental, que tem a ver com a nova ordem internacional, com os novos interesses das relações de poder da sociedade e, portanto, o Brasil tem que se recolocar nacionalmente e internacionalmente”, disse.

Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas

Arthur Ramos, diretor executivo e sócio da BCG Brasil

Já no universo privado, enquanto de um lado há uma cobrança para empresas fazerem mais, do outro, exemplos positivos começam a surgir. Nomes como a Movida, de aluguel de carros, a aérea United Airlines, a mineradora Sigma Lithium, da boutique A10 Investimentos, mostram que é possível avançar na agenda verde, com iniciativas que vão além e pensam nos consumidores, no impacto futuro. O desafio é a escala. “A escala permite dar acesso e ajuda a influenciar esse ambiente, buscar e compartilhar conhecimento”, disse o diretor executivo da Vale, Rodrigo Lauria.

E também investimentos. O Brasil pode receber uma injeção de US$ 2 trilhões a US$ 3 trilhões em recursos a partir do compromisso de empresas brasileiras em zerar as emissões de gases do efeito estufa, principais causadoras das mudanças climáticas, até 2050, de acordo com estudo da consultoria norte-americana Boston Consulting Group (BCG), divulgado no evento. “Tem todo um caminho a ser percorrido, com compromissos em cada setor da economia brasileira. Para alcançarmos os US$ 3 trilhões, será preciso ir além nas iniciativas”, disse o diretor executivo e sócio da BCG Brasil, Arthur Ramos. “Mas é um número factível”, concluiu.

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