A dificuldade da Enel São Paulo de reagir em situações climáticas mais críticas piorou entre outubro de 2023 e agosto deste ano. Desde que a empresa assumiu a concessão, os indicadores de qualidade — que medem a duração e a frequência de interrupções de energia — melhoraram nos dias comuns, mas em situações emergenciais se agravaram. O período coincide com uma queda de 16% no volume de investimento no ano passado, de R$ 1,95 bilhão para R$ 1,64 bilhão. Na área de manutenção, a queda foi de 8%, de R$ 799 milhões para R$ 737 milhões, segundo relatório da empresa.
Em nota, a Enel afirmou que, entre 2018 e 2023, investiu R$ 8,3 bilhões em São Paulo, “com melhoria dos indicadores oficiais de qualidade da distribuidora”. “Entre 2017 e 2023, a duração média das interrupções de energia (DEC) melhorou 42% e a frequência média de interrupções (FEC) melhorou 45%”, complementa.
Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram, entretanto, que o tempo médio de duração das interrupções em situações de emergência (DEC/ISE) subiu de 2,83 horas em outubro de 2023 para 12,68 em agosto deste ano. Já a frequência (FEC/ISE) subiu de 0,73 vezes para 1,56. Segundo a agência, para se enquadrar nessa situação, as distribuidoras têm de comprovar a impossibilidade de atuação imediata para resolver os problemas.
Especialistas afirmam que, com o aquecimento global, problemas como o que ocorreu na sexta-feira em São Paulo se tornarão cada vez mais comum no Brasil. E, se não houver uma mudança estrutural, a população terá de se lidar com as longas e frequentes quedas na energia elétrica. Uma solução que sempre se cogitou foi o enterramento da rede de distribuição, mas essa é uma alternativa cara e que hoje não cabe no bolso do consumidor, que já arca com uma tarifa elevada. Qualquer investimento feito pelas distribuidoras precisa ser aprovado pela Aneel e tem impacto na conta de luz.
Na avaliação o professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico, Nivalde de Castro, a mudança climática exigirá o aprimoramento das políticas públicas, investimentos em redes inteligentes mais digitalizadas, novos procedimentos de operação e manutenção e principalmente integração com as outras infraestruturas urbanas. “Uma alternativa seria criar um regramento regulatório incorporado, por exemplo, ao novo contrato de renovação das concessões, com investimento em resiliência da rede de distribuição.”
O pesquisador Diogo Lisbona, do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ceri), afirma que o próprio modelo das concessões para distribuição de energia elétrica acaba incentivando investimentos menores. “A nossa regulação funciona por incentivos, para que as distribuidoras persigam uma operação mais otimizada, com custos operacionais mais baixos. A partir disso, absorvem ganhos com uma tarifa menor para o consumidor”, afirma o especialista.
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“Essa regulação por incentivos é importante e funciona no Brasil. A parcela da distribuição, dentro da estrutura dos custos de energia, foi a que cresceu mais controladamente, já que os custos com encargos e transmissão, por exemplo, subiram acima da inflação.”
Isso não significa que as empresas devem ficar isentas de responsabilidades. “Até porque os problemas já vêm desde o ano passado, e vai ser preciso saber se a Enel cumpriu os planos de contingência”, diz ele.
Para o especialista, a Aneel vai precisar ver se os problemas em São Paulo resultam de uma estratégia de corte de custos que não deu certo, para lidar com a maior frequência desses eventos climáticos extremos. “Ela está dependendo de equipes de outras empresas de concessão para fazer os reparos na rede. A empresa poderia ter alguma ociosidade, o que, no entanto, levaria a mais custos”, afirma Lisbona. Nesta semana, a Enel informou que terá a ajuda de equipes de outras distribuidoras que atuam no Estado, para reestabelecer os serviços.
Há também críticas de que alguns indicadores de qualidade, que são previstos nos contratos de concessões, e que fazem parte dos chamados anexos de qualidade, não são mais acompanhados como antigamente. “Havia indicadores de tempo médio de atendimento que não são mais fiscalizados”, diz o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) José Bonifácio Amaral Filho, que trabalhou por duas décadas no setor elétrico, como diretor de assuntos regulatórios da distribuidora CPFL e diretor da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp). “Hoje em dia, as concessionárias são responsáveis por mandar as informações para a Aneel.”
Segundo o especialista, “não se pode negar que eventos climáticos mais intensos, com ventos fortíssimos, estão acontecendo”. “Mas não pode haver a desculpa de que o problema é só por conta de uma questão climática. Não se pode economizar e perder qualidade”, afirma Amaral.
Em comunicado para o Estadão, “a Enel São Paulo reforça ainda que não reduziu a força de trabalho que atua em campo e que tem aumentado o seu quadro de eletricistas próprios”. Também afirmou que, “como parte do plano de ação em curso, a distribuidora está incorporando um total de cerca de 1,2 mil novos profissionais até março de 2025 para a operação em São Paulo, dobrando o número de colaboradores próprios para atuação em campo”.
A empresa também defende que mantém “compromisso com a sociedade em todas as áreas em que atua e reforça que está fazendo os investimentos necessários para aumentar a qualidade dos serviços, em linha com as expectativas das autoridades e dos consumidores brasileiros”.
Para o período entre 2024 e 2026, a empresa promete investir um total de R$ 6,2 bilhões, “um aumento expressivo nos níveis anuais de investimento da empresa, que passarão de R$ 1,4 bilhão para cerca de R$ 2 bilhões ao ano”.