A Tok&Stok, rede varejista com mais de 60 unidades no Brasil, passa pelo ano mais difícil da sua história. Com uma dívida de R$ 600 milhões - em renegociação - e um mercado de crédito restrito (cenário que piorou com a crise da Americanas), a empresa tem sido obrigada a fechar lojas, com demissão de funcionários, e fazer uma série de liquidações de estoque para reforçar o caixa e tentar resolver pendências na Justiça por inadimplência.
Em fevereiro, por exemplo, o fundo imobiliário Vinci Logística (VILG11) iniciou uma ação de despejo contra a empresa, na cidade de Extrema (MG), por conta de uma dívida de mais de R$ 20 milhões, que foi posteriormente paga. O contrato com o shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo, também está na Justiça por causa de uma dívida de R$ 2,4 milhões.
Os problemas não pararam por aí. Na semana passada, a consultoria de tecnologia Domus Aurea, sediada em Barueri (SP), pediu a falência da Tok&Stok por conta de um valor em atraso de R$ 3,8 milhões. A dívida refere-se à conclusão antecipada de um projeto, e três parcelas já estavam em atraso, segundo a fornecedora, que não quis se pronunciar.
Diante do endividamento, a varejista fechou algumas lojas consideradas deficitárias, como duas unidades no Ceará e outra no Rio Grande do Sul. Além disso, começou a fazer liquidações, com descontos de até 50%, nas lojas de Fortaleza (CE), Vila Velha (ES), Rio de Janeiro (RJ) e Campinas (SP). Procurada, a empresa não informou quantas lojas serão fechadas ou se haverá demissão de mais funcionários pelo País.
Para tentar resolver os problemas, a Tok&Stok chamou Roberto Szachnowicz, ex-presidente da Etna - rede que encerrou as atividades em 2022 - para assumir a cadeira de CEO. O executivo terá a missão de promover uma reestruturação operacional e financeira e dar um novo rumo para a companhia. Outra medida, definida pelos sócios da empresa - a SPX, acionista responsável pelas operações do fundo Carlyle, e a família francesa Dubrule -, foi a contratação da consultoria Alvarez & Marsal para renegociar as dívidas e procurar um novo sócio. O escritório de advocacia Felsberg também trabalha no caso.
A alta cúpula da Tok&Stok também teve mudanças, com a saída de executivos contratados e a volta da fundadora Ghislaine Dubrule. Ao lado do marido Regis, Ghislaine foi responsável pela criação e expansão da varejista de móveis e decoração. A Tok&Stok foi fundada em 1978 e tem unidades em 22 Estados, sendo 10 na capital paulista, como as megalojas localizadas nas marginais Tietê e Pinheiros.
Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a recuperação judicial é a saída mais provável para evitar a falência da companhia, uma vez que o cenário macroeconômico do País não é favorável para o setor de varejo de móveis e decoração.
A sócia do escritório VBD Advogados, Aracy Barbara, afirma que uma das saídas da Tok&Stok é apresentar um plano de recuperação judicial na defesa contra o pedido de falência da consultoria de tecnologia. “Me parece que é o que vai acontecer. Ela já poderia ter pago o credor. O plano de recuperação judicial quase sempre tem um deságio. Mas, após a decretação da recuperação judicial, a empresa precisa estar adimplente com todos os novos credores”, afirma Aracy.
Se optar pela recuperação judicial, a Tok&Stok seguirá a tendência de várias outras empresas que enfrentam dificuldade para honrar seus compromissos neste ano. Em grande parte, as companhias tomaram - ou renegociaram - dívidas durante a pandemia, quando o mercado enfrentou um baque inesperado. Porém, de lá para cá, a taxa de juros foi de 2% ao ano para 13,75%, elevando o nível de endividamento das empresas e dificultando o equilíbrio das contas, também afetado pela redução do poder de compra e menor confiança do consumidor. Segundo dados do Serasa Experian, a quantidade de empresas que pediram recuperação judicial triplicou no começo deste ano.
Até mesmo o aporte de R$ 100 milhões na empresa pelo fundo Carlyle, que comprou 60% do negócio em 2012, por R$ 700 milhões, é visto como uma medida paliativa para evitar a insolvência. Por isso, a venda do negócio é uma hipótese ventilada por interlocutores do mercado. A concorrente Mobly está entre as interessadas na aquisição.
Em 2020, ano marcado por 28 IPOs na Bolsa de Valores, a Tok&Stok chegou a fazer pedido para abertura de capital, uma forma de a empresa captar recursos para expansão da operação, mas o plano não saiu do papel.
Para Jean Paul Rebetez, sócio-diretor da Gouvêa Consulting, há oportunidade para empresas estrangeiras adquirirem ativos no País, mas a falta de liquidez no mercado global é um entrave. Com isso, o especialista prevê que a Tok&Stok terá um caminho árduo pela frente. Na avaliação dele, uma virada de negócios nos próximos dois anos será bem difícil. O aporte feito pelo Carlyle só mantém a empresa viva, afirma o consultor.
Ele explica que o governo injetou dinheiro na economia de diversas formas, e isso continua agora, mas não é algo voltado para a classe B, que tem sido pressionada. “O formato de loja da empresa tem mais de 4 mil metros quadrados, o que gera um custo alto. Esse modelo de negócio e os estoques altos distribuídos Brasil afora precisam ser revistos. A reestruturação é paliativa, é uma rolagem de dívida, não é uma solução.”
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Há chance de virada?
Como muitas companhias, a Tok&Stok teve aumento de vendas via internet durante a pandemia e fez investimentos para modernizar a sua operação de comércio eletrônico. No entanto, o setor de móveis e decoração teve alta de mais de 12% na inflação nos últimos 12 meses, fator que, combinado com o aumento da taxa de juros que inibe o consumo, afetou negativamente o fluxo de caixa da companhia.
Para Maurício Morgado, professor e coordenador do Centro em Excelência em Varejo da FGV EAESP, a concorrência de sites internacionais, como Aliexpress, têm impacto no nicho de decoração e artigos para o lar. “As empresas internacionais também afetam o mercado de decoração, Há muitos itens à venda nessas lojas online. Isso coloca as empresas brasileiras em posição de fragilidade porque essas empresas trazem mercadorias sem pagar os mesmos impostos”, diz.
Fernando Moulin, parceiro da consultoria de inovação Sponsorb e professor de MBA de experiência do cliente na ESPM, afirma que, apesar do cenário desfavorável, a companhia toma medidas que são positivas para solucionar as dificuldades financeiras no longo prazo. “A empresa está no caminho correto. É preciso rever as lojas e buscar rentabilidade, reduzir o estoque fazendo promoções, se reestruturar financeiramente e fechar pontos ineficientes. Essa pode ser uma forma de a empresa se sustentar até o cenário macroeconômico melhorar”, diz Moulin.
Quanto ao imóvel locado em Extrema, segundo Maria Fernanda Violatti, analista de fundos imobiliários e listados da XP, a empresa tende a manter os pagamentos em dia, uma vez que o local é o seu principal centro de distribuição de mercadorias no País.