Em uma sala espaçosa, com poltronas, água e máquina de café próxima à Rodoviária da Barra Funda, em São Paulo, o militar aposentado Edivaldo Gama, de 66 anos, aguarda a partida de um ônibus com destino ao Rio de Janeiro, onde mora. “É muito melhor do que estar em uma rodoviária tumultuada”, diz. Ele passou um mês na capital paulista em visita à filha que, recentemente, mudou-se para a cidade.
Acostumado a utilizar carro, avião ou ônibus rodoviário convencional, Gama tinha diminuído as viagens por causa de problemas na coluna. O trajeto em automóvel precisaria ser feito em dois dias, com várias paradas no caminho e pernoite em um hotel para descansar e prosseguir no dia seguinte, período para aliviar as dores. Já a passagem aérea entre Rio e São Paulo está cara, avalia ele.
A filha comentou com ele, então, sobre os ônibus premium, chamados Luxor, da Levare, viação com sede em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e Gama decidiu fazer o teste. Há um mês, partiu do Rio em um veículo com poltrona reclinável a 180º, transformando-se em cama, com massageador acionado por controle, cobertor, travesseiro, tela de mídia individual, Wi-Fi, tomada para celular, cortinas de isolamento, além de um kit com bolachas, torradas, água e refrigerante.
Na sala vip da Levare, enquanto esperava a viagem de retorno, na última quinta-feira, 27, o aposentado disse que agora poderá visitar a filha com frequência pois o preço da viagem com o conforto que precisa, de R$ 229, é similar ao de um ônibus rodoviário regular que não tem as mesmas mordomias e o obrigaria a ir até uma rodoviária para embarcar. “Sempre estão muito lotadas”, afirma.
“O transporte rodoviário de passageiros no Brasil vem passando por uma evolução significativa”, afirma Ricardo Portolan, diretor da Marcopolo, fabricante de ônibus que tem serviços de customização. Foi ela que desenvolveu e produziu o modelo G8, lançado em 2021 e que foi customizado para atender a Levare que, por sua vez, opera em parceria com a startup Buser na venda de passagens.
“Hoje há opções de veículos double deck (dois andares) em que um andar é considerado como primeira classe e o outro como executiva”, diz, numa comparação aos aviões. Nesse tipo de veículo, as poltronas usam “espuma da Nasa”, como são conhecidas por se adaptarem ao corpo do usuário, e as luzes são de cromoterapia, informa o executivo.
O movimento de oferta de ônibus mais confortáveis e mais seguros, em especial para as viagens acima de 400 km de distância, vem ocorrendo há cerca de cinco anos, mas se intensificou no pós-pandemia, relata Portolan. Atualmente, diz ele, as vendas totais de ônibus double deck (de dois andares) – que também possibilitam divisões de categorias premium e econômica –, são maiores do que as dos ônibus de um andar.
Até poucos meses atrás, viagens de negócio e de turismo estavam represadas por causa da pandemia e, no seu retorno, preços altos nas passagens aéreas levaram vários usuários desse modal para os ônibus. Com experiências diferentes e mais exigentes, esse público ajudou as empresas de viação a desenvolverem melhores acomodações em seus veículos, como ocorre com o G8, informa o executivo da Marcopolo.
‘Dormi como criança’
“Dormi como criança a viagem inteira”, conta Guilherme Faria, empresário do ramo de drones, de 33 anos que, pela primeira vez, viajou em um ônibus de luxo de São José do Rio Preto a São Paulo, uma viagem de seis horas. “Achei bem confortável, limpo e a parada foi em um local tranquilo”.
Faria e o empresário do ramo de vestuário Henrique Lima, de 25 anos, chegaram do interior paulista na manhã do dia 27 e aguardavam na sala vip da Luxor um transporte para o Aeroporto de Guarulhos, onde embarcariam em um voo para Milão, na Itália. Lima já fez várias viagens com os ônibus leito da empresa e indicou ao amigo.
Ele vem com frequência à capital paulista e antes utilizava ônibus convencionais. Lima considera o que chama de transporte “vip”, melhor que avião. “Saímos de Rio Preto à 1h, logo dormi e quando acordei já estávamos aqui.”
Apesar da duração maior da viagem em relação ao transporte aéreo, passageiros que estão optando pelo ônibus levam em conta o tempo de antecedência que precisam chegar ao aeroporto, as filas para passar pela segurança, além dos riscos de atraso, cancelamento de voos ou overbooking.
Quanto custa?
Em relação a preços, a passagem aérea mais em conta de São José do Rio Preto para São Paulo, comprada com um mês de antecedência, sai por R$ 371, com desembarque em Guarulhos, na Grande São Paulo. Da capital paulista para o Rio custa no mínimo R$ 450, enquanto o trajeto para Ribeirão Preto, também oferecido pela Levare, é vendida a R$ 391.
A companhia também faz a rota São Paulo-Belo Horizonte e tem planos de ampliar os trajetos, mas isso depende de aprovação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A contadora e corretora Cibele Sampaio, de 38 anos, mora em São Paulo e frequentemente vai a Ribeirão Preto de carro. Na semana passada viajou, pela primeira vez, de ônibus premium após indicações do marido e de um primo. “Foi muito bom, gostei do conforto, do serviço, da facilidade e da acessibilidade”, diz.
Cada trajeto da viagem custou R$ 250, valor inferior ao que ela gasta quando vai de carro, junto com a família, o que também lhe garante maior autonomia na mobilidade. Ainda assim, Cibele diz que, quando precisar ir à cidade do interior sozinha, a trabalho, como ocorreu desta vez, pode repetir a experiência.
A Buser, que também opera com ônibus de fretamento, informa que, de agosto a outubro deste ano, mais de 27 mil passageiros embarcaram em ônibus “premium” por meio de seus parceiros, o que representa uma demanda 11% maior em relação ao trimestre anterior. Segundo a startup, os preços das passagens variam de acordo com a antecedência da compra e a empresa também costuma fazer promoções.