Nas instalações de uma antiga fábrica de cimento, paralisada há mais de uma década, em Itaperuçu, na região metropolitana de Curitiba, a Votorantim Cimentos (VC) inicia nesta terça-feira, 9, a produção de insumos agrícolas usados na correção e nutrição de solos e começa a processar resíduos sólidos urbanos, incluindo industriais, gerados na região. São duas operações diferentes no mesmo local, e os dois produtos são parte da divisão de novos negócios da companhia. A VC, como é conhecida, passou a investir alto em operações adjacentes ao seu principal negócio, que é cimento e concreto, a partir de 2019.
“Almejamos, até 2030, aumentar a representatividade de novos negócios em nosso portfólio”, disse ao Estadão o presidente global da empresa, Osvaldo Ayres. A meta, informa o executivo, é dobrar a fatia atual de novos negócios na receita da empresa, no Brasil, até o final da década, ante os 15% atuais. “Somando operações do País e do exterior, o objetivo é ter 25%”, acrescenta.
No ano passado, a VC gerou receita líquida consolidada de R$ 26,7 bilhões, quase metade do valor total do grupo, com destaque para venda de 37 milhões de toneladas de cimento. E, nesse período, lembra Ayres, a produção de cimento também vai crescer.
Líder do mercado brasileiro de cimento, e entre as dez maiores do mundo, a VC criou inicialmente a Verdera, cinco anos atrás, para ser a supridora de resíduos processados que vão compor a carga de material energético dos fornos de cimento. A Viter Agro, por sua vez, surgiu no ano seguinte, dedicada a desenvolver insumos agrícolas mais sofisticados (não somente o calcário). As duas atividades ganharam corpo dentro da companhia.
Atualmente, a divisão de novos negócios da cimenteira do grupo Votorantim abrange a produção de argamassas, rejuntes, impermeabilizantes, cal, agregados (areia e brita) e a empresa de logística digital Motz, além da Viter e da Verdera, que se tornou um negócio especializado em fazer a gestão e destinação sustentável de resíduos sólidos.
O investimento é de R$ 145 milhões para revitalizar a antiga fábrica de Itaperuçu, que fica a quatro quilômetros de Rio Branco do Sul, onde está a maior unidade de cimento da VC, e também da América Latina. Com instalações adaptadas e equipamentos com tecnologia importada, vai produzir 600 mil toneladas de insumos agrícolas e processar 48 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano. A empresa informa que é a primeira unidade no Brasil dedicada exclusivamente às operações da Viter e da Verdera.
O executivo destaca que essa expansão se insere no programa de investimento de R$ 5 bilhões anunciado em janeiro pela companhia, de crescimento e competitividade estrutural das suas operações no Brasil. Desse valor, R$ 800 milhões serão aplicados em seus negócios no Estado do Paraná. Um dos objetivos é ampliar a capacidade de material para utilização nos fornos de cimento (coprocessamento), dentro da meta de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2).
A estratégia de crescimento da VC, diz Ayres, passa pelo tripé de diversificação: geográfico global - metade da receita já é gerada no exterior, sendo 40% em moeda forte (dólar e euro) -, posicionamento nas cinco regiões do País, visando a atender os setores industrial e de agronegócio e obras de infraestrutura e saneamento; e os negócios adjacentes ao carro-chefe (cimento) da empresa. “Estamos bem posicionados em todas as regiões do País”, afirma.
Atualmente, a empresa opera, apenas na produção de cimento, 26 fábricas no Brasil. Está ainda presente em países da América do Sul, nos EUA, Canadá, Espanha, Marrocos, Tunísia e Turquia.
Com esse pacote de investimentos, destaca o executivo, a VC passa a ter um portfólio de atividades mais resiliente. Isso, na sua visão, reduz a volatilidade dos negócios, localmente e no exterior. No foco estão maior competitividade das operações, com redução de custos, e a descarbonização da empresa. O setor cimenteiro é o maior emissor mundial de carbono na área industrial, com 8% a 9% do total gerado.
Descarbonização
O coprocessamento de combustíveis alternativos, substituindo coque de petróleo e carvão mineral nos fornos de cimento da VC, vem desde 1991. “Fomos pioneiros”, diz Ayres. A Verdera foi montada em 2019 para garantir, como um negócio dedicado, o suprimento de resíduos diversos. Hoje são usados desde pneus inservíveis, casca de arroz, biomassa da madeira até resíduos sólidos urbanos e caroço de açaí.
“A VC encerrou 2023 com uso de 31% de material alternativo aos combustíveis fósseis, quase 5 pontos porcentuais acima de 2022. Nossa meta é atingir 53% no final da década”, diz o presidente global da companhia. Ele destaca que isso gera dois tipos de ganhos. Primeiro, a empresa passa a emitir menos CO2 na natureza a partir das operações de suas fabricas de cimento.
Por outro lado, consegue reduzir custos de insumos, uma vez que o coque e o carvão são insumos importados e com valor dolarizado, e sujeitos à volatilidade dos preços do petróleo e das commodities minerais. A emissão média global da empresa em 2023 foi de 556 quilos de CO2 equivalentes por tonelada de cimento fabricada - menos 4% sobre o resultado do ano anterior.
A unidade da Verdera em Itaperuçu, município de 31 mil habitantes, vai processar os resíduos sólidos urbanos obtidos na Grande Curitiba, de fontes geradoras do comércio e indústrias bem como de cooperativas, que antes fazem a separação do que é material reciclável. O resíduo já preparado é destinado à fabrica de cimento de Rio Branco do Sul, onde a Verdera já opera outra instalação, que faz 17 mil toneladas anuais. A demanda da VC é elevada, pois a capacidade de produção de cimento no “Complexo Rio Branco” é de 6 milhões de toneladas por ano.
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Lucas Di Marco, diretor de Adjacências e Novos Negócios da VC, apontou que o investimento na nova planta de tratamento de resíduos sólidos amplia a capacidade de destinação desses materiais gerados nas redondezas de Curitiba, onde há uma grande base industrial, como montadora de automóveis. Rio Branco do Sul e Itaperuçu ficam a 33 quilômetros da capital paranaense. “Testamos por anos a tecnologia de um fabricante suíço de equipamentos, que traz mais eficiência e qualidade”.
A Verdera, já presente na Europa, dispõe de uma capacidade anual de triturar e processar resíduos superior a 1,3 milhão de toneladas. A empresa retira e recebe o material dos geradores da região e de cooperativas, em negociações específicas para cada tipo de resíduo. Mas também adquire de terceiros material já triturado. “Há criação de valor compartilhado. A Verdera oferece soluções ambientais, com destinação sustentável dos resíduos”, afirma Di Marco.
Na trilha do agro
A produção de insumos agrícolas em Itaperuçu e também em Rio Branco do Sul são específicas para correção de acidez e nutrição de solos de diversas culturas (cana-de-açúcar, milho, café, soja e outras) e miram os mercados agrícolas da região Sul (PR, SC e RS) e de Mato Grosso do Sul. No Complexo Rio Branco, a capacidade de fabricação passa agora a 1,5 milhão de toneladas por ano do produto.
“Vemos oportunidades no País para ampliar as duas atividades”, diz Ayres, informando que a Viter fica apta a fazer em torno de 5 milhões de toneladas de insumos agrícolas por ano. Atualmente, conta com unidades fabris em São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Mato Grosso e Tocantins, além do Paraná.
Di Marco observa que o produto da VC não se resume apenas ao calcário agrícola comum. “Fazemos misturas com diversos nutrientes, caso de cálcio e magnésio. Avançamos para uma abordagem especializada de um produto commodity, atendendo à demanda conforme tipos de solos e culturas e região do País onde ele será aplicado.”
Segundo informações da Abracal, que reúne entidades estaduais e fabricantes de calcário agrícola, o consumo aparente no mercado brasileiro no ano passado foi em tornos de 56 milhões de toneladas. O Estado de Mato Grosso fica com mais de 20% desse volume, seguido por Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Tocantins.
A avaliação no setor é que há um déficit de oferta do corretivo de solo no mercado consumidor, pois estima-se potencial de demanda de cerca de 80 milhões de toneladas ao ano caso seja realizada uma aplicação correta nos solos de todas as áreas de plantios. De acordo com informação do setor, o produto, na forma commodity - sem misturas mais sofisticadas -, tem valor médio de R$ 110 a tonelada.
De olho no negócio
O potencial de consumo de calcário agrícola gera interesse de outras cimenteiras instaladas no País. É o caso da CSN Cimentos Brasil, que é a segunda maior fabricante de cimento brasileira, com vendas de 13 milhões de toneladas no ano passado e receita de R$ 4,6 bilhões. A empresa faz parte do grupo CSN, que atua em aço, minério de ferro, energia, logística e cimento.
A cimenteira do empresário Benjamin Steinbruch, que se tornou um player de peso no setor a partir de aquisições realizadas em 2021 e 2022 que demandaram cerca de R$ 6 bilhões, informou que vê nesse segmento oportunidade de diversificação de seus negócios, conforme apresentação a investidores e analistas do grupo, em dezembro.
Com presença em sete Estados, aponta que sua estratégia é otimizar os ativos existentes e crescer com aquisições em regiões com “fit estratégico” para cimentos e elevado potencial agrícola.
O plano da CSN Agro, marca criada para esse negócio, é mais que dobrar a produção atual, de 2,3 milhões de toneladas ao ano, indo a 4,9 milhões de toneladas, no final de 2026. O passo seguinte, focado em aquisições de empresas desse setor, seria alcançar 10,3 milhões de toneladas - não aponta uma data para atingir esse volume. Segundo a empresa, seu resultado operacional (Ebitda) com o negócio saltaria dos atuais R$ 100 milhões para R$ 403 milhões ao final da fase 2.