Como amante da velocidade desde quando pilotava pela Fórmula 3, Pedro Bartelle sabe bem a diferença do tempo nos resultados — inclusive dos negócios. No comando da Vulcabras, fabricante de calçados que seu pai comprou na década de 1980, o executivo vende a rapidez no desenvolvimento de produtos e na reação ao mercado como um diferencial da companhia, sobretudo na frente de negócios com marcas estrangeiras como a Mizuno, do Japão.
Sob a gestão do grupo, a operação brasileira da japonesa dobrou de tamanho e hoje só fica atrás do país de origem. Com o caixa reforçado e baixo endividamento, a Vulcabras se prepara para repetir a fórmula com a aquisição da licença de uma nova marca. Em paralelo, está abrindo uma frente de varejo para se aproximar dos consumidores e ampliar o leque de categorias oferecidas.
Dois movimentos principais explicam como a companhia, aos 70 anos, chegou no patamar atual, em que vem registrando recordes de receitas e avanço de dois dígitos no lucro. O grupo ficou mais leve, moderno e veloz desde a reestruturação tocada pela consultoria Galeazzi na década 2010. Fábricas foram fechadas e metade da força de trabalho demitida, mais de 15 mil funcionários. O licenciamento da marca Azaleia para a Grendene, empresa fundada pelo pai e pelo tio do CEO, os irmãos gêmeos Grendene, permitiu um foco maior no segmento esportivo.
Com os negócios de Olympikus, Mizuno e Under Armour, a Vulcabras se vê hoje como uma sportech, uma casa de marcas do esporte que quer explorar a disposição do brasileiro em praticar mais atividades físicas.
A pandemia foi um bom empurrão nessa direção. Elevou de 23% para cerca de 30% o porcentual dos que se exercitam no País e levou a Vulcabras junto. A empresa hoje vale R$ 5,12 bilhões na Bolsa, cinco vezes mais do que antes da crise sanitária. No período, ampliou sua fatia de mercado de 11% para 23% no segmento de calçados esportivos.
“A Vulcabras está muito bem posicionada para competir pelo topo no mercado de calçados esportivos. O modelo 100% focado no segmento trouxe eficiência, margens robustas e marcas fortes”, afirmaram os analistas do Santander Eric Huang, Ruben Couto e Vitor Fuziharo em relatório de janeiro. Eles calculam um potencial de crescimento de 9% ao ano nas receitas da companhia e de 13% ao ano no lucro até 2027.
O caminho deve ser encurtado com a chegada de uma nova marca. Para além de crescer o portfólio, o movimento é visto como uma forma de diluir custos fixos. O grupo calcula que a aquisição dos ativos da Mizuno, em 2020, somado ao licenciamento da Azaleia, no mesmo ano, tenham ajudado a dar um aumento de 10% na margem de lucro.
“A Vulcabras pode mais e deve trazer mais negócios ao portfólio”, afirma Pedro Bartelle, CEO do grupo, em entrevista ao Estadão/Broadcast. “Procuramos marcas esportivas que completem nosso portfólio. Queremos um contrato que nos dê liberdade de atuação.”
Liberdade significa, por exemplo, a capacidade de criar modelos mais voltados ao País, um contrato de longo prazo e sem compromissos de importação.
Segundo Bartelle, estão no radar tanto nomes internacionais que não estão licenciados no Brasil, como aqueles com acordos locais. Nike e Vans, por exemplo, são operadas por grupos brasileiros. Adidas, Asics e New Balance atuam sem um parceiro local e são vistas por analistas como nomes que poderiam ter um impacto semelhante aos da Mizuno no grupo.
No passado, a Vulcabras teve parcerias com Adidas, Le Coq Sportif, Puma e Reebok, entre outras, mas a falta de foco foi um dos motivos que a colocou em dificuldades.
Com o fim da fase da virada, a empresa está hoje com uma boa saúde financeira e fechou 2023 com resultado recorde. Somou uma receita líquida de R$ 2,8 bilhões e um lucro de R$ 494 milhões no ano passado. Além disso, estava desalavancada (praticamente sem dívidas) no mesmo período.
No início do ano, o grupo levantou R$ 500 milhões numa oferta de ações na Bolsa e pagou R$ 367 milhões em dividendos aos acionistas, o que ajudou a impulsionar os papéis. As ações acumulam alta de quase 8% no mês e de 90% no período de um ano.
Evolução
O efeito Vulcabras na Mizuno se traduz em números. A perda de mercado foi estancada e o faturamento dobrou, para mais de R$ 800 milhões. A operação local traz velocidade à marca japonesa. O ciclo de desenvolvimento de produtos é três vezes mais rápido do que na importação, e o tempo entre um pedido e a chegada em loja leva em torno de um mês — um contraste ante os seis meses das concorrentes com importações.
Ter um grupo que entende do mercado local também ajuda a incorporar a capacidade de fazer adaptações. No Brasil, por exemplo, o tênis da Mizuno tem o sistema de amortecimento aparente, um incremento visual, já que o calçado esportivo costuma ser multiuso por aqui, enquanto lá fora é usado basicamente para a prática esportiva.
A linha da japonesa está crescendo, um sinal de como as categorias serão um vetor de avanço. A produção local de chuteiras com a marca Morelia, famosa nos gramados, foi iniciada em 2023 e há também uma nova frente de moda que reforça a importância do tempero local. Com a fabricação no País, o grupo desenvolveu um modelo de sportstyle mais acessível, de R$ 349, ante a opção da categoria importada, vendida por R$ 599.
A fabricação local ajuda do lado dos custos. As duas plantas, no Ceará e na Bahia, suportam o desenvolvimento de tecnologias equiparáveis às globais. Um dos diferenciais é a força de inteligência e a inovação criada com a operação da Olympikus, a marca própria do grupo e carro-chefe das vendas. O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, no Rio Grande do Sul, tem mais de 600 funcionários — de um total de 17 mil.
“A Mizuno veio para uma empresa que tem muito mais recurso de esportes no Brasil”, afirma Bartelle. “A marca estava adormecida.” Ele prevê que a Mizuno siga num ritmo de crescimento de dois dígitos nos próximos anos.
Varejo
Atuando de forma verticalizada (com desenvolvimento e fabricação próprios), a companhia tem buscado se aproximar dos consumidores. Avança com força nas vendas digitais diretas — hoje o e-commerce representa 10% das receitas — e agora quer dar um novo passo. A companhia está montando uma área de varejo e busca um executivo no mercado para liderar a nova diretoria, com equipe própria.
O profissional será responsável por executar o plano de abertura de lojas próprias da Under Armour, outra estrangeira licenciada pelo grupo. A ideia é crescer a venda de vestuário e acessórios no País. As duas frentes são responsáveis por 80% dos negócios da marca em mercados no exterior, ante 20% dos calçados. Já no Brasil, os calçados são 60%.
Quatro unidades da marca já foram abertas como piloto, somando-se a outros três pontos da Mizuno e três lojas de fábrica. O plano é abrir de cinco a dez novas lojas próprias e depois crescer por franquias.
Ao menos por enquanto, o plano para o varejo deve priorizar a Under Armour. A empresa quer resolver o que chama de um problema de canal: as lojas de tênis vendem poucos acessórios e nas lojas de roupas, não é possível explorar a proposta da marca.
Nos cálculos da equipe de análise do Santander, há potencial para o grupo abrir 25 lojas de marca, entre Under Armour e Mizuno. A referência é a concorrente SBF, dona da Centauro, e operadora local da Nike. A empresa prevê abrir 50 lojas próprias.
A busca pelo consumidor sem a interferência de intermediários é uma tendência mundial. A Nike, por exemplo, já tem 44% das vendas originadas em canais próprios, entre e-commerce e lojas próprias. Em 2008, essa fatia era de apenas 13%.
O olhar para as tendências internacionais e a concorrência local também dá outro spoiler sobre potenciais de crescimento. A SBF já faz mais de 30% das vendas online, enquanto a Vulcabras está em 10%. Assim como o case da Mizuno, as vendas da Nike também evoluíram muito melhor com o parceiro local, para quase o dobro do patamar anterior, segundo cálculos dos analistas do Santander.