BRASÍLIA – Líder na oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN) critica a proposta de arcabouço fiscal aprovada na Câmara e afirma que vai propor alterações ao texto. São pelo menos três as mudanças elencadas pelo senador, uma delas o restabelecimento de punição, passível até de impeachment, em caso de não cumprimento da meta fiscal. Para ele, a regra já começa “capenga” porque o governo não conseguirá zerar o déficit das contas públicas em 2024.
Na avaliação de Marinho, a regra “só fica de pé” com aumento de tributos e, nisso, diz ele, a oposição não colocará as suas digitais. “Nós também não vamos votar a favor do aumento de impostos”, diz.
“O discurso do ministro da Fazenda qual é? Nós vamos procurar ‘jabutis’, a expressão que ele mesmo usou, para cortar subsídios. Estamos em maio. O arcabouço já passou na Câmara. Quais são os subsídios? O que ele aponta?”, questiona o senador, que foi ministro de Jair Bolsonaro.
Marinho afirma que há risco, porém, de o Senado apenas chancelar a decisão da Câmara. “Me parece que o governo, da forma como se comporta, tem pedido àqueles que o apoiam que simplesmente homologuem a legislação da forma como chegou da Câmara”, afirma.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual será a posição da oposição na tramitação do projeto do arcabouço fiscal no Senado?
Primeiro, vamos votar contra. Vamos fazer propostas. Achamos que, da maneira como veio, não se põe de pé. Qual é a preocupação de ter um marco fiscal? Ao menos estabilizar o crescimento da dívida no médio prazo. Um dos estudos que foi publicado na IFI (Instituição Fiscal Independente do Senado), bem conservador, mostra uma situação na qual o governo vai descumprir as metas a que se propôs já no primeiro ano de vigência. Começa o arcabouço capenga. O governo alega que vai conseguir zerar o déficit no primeiro ano. Para isso, precisaria de uma arrecadação a mais de R$ 150 bilhões. Numa publicação do Ministério da Fazenda, o governo estima que teria, em 2024, um acréscimo a preço de hoje de R$ 251,8 bilhões. A IFI estima R$ 110 bilhões. A diferença é de R$ 140 bilhões. Outro ponto é que governo está propondo zerar o déficit em 2024, mas aí estabelece no arcabouço que só pode contingenciar (bloquear recursos de forma preventiva) até o limite de 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias), que o governo está estimando em R$ 200 bilhões.
Então, só pode contingenciar até R$ 50 bilhões...
Só pode contingenciar R$ 50 bilhões para um buraco de R$ 140 bilhões. Já começa mostrando que o arcabouço é uma narrativa ficcional. O governo apresenta uma meta que deliberadamente não irá cumprir. A não ser – aí sim – que esteja imaginando aumentar de uma forma radical os impostos por ocasião da reforma tributária.
O governo fala de outros mecanismos para aumentar os impostos, entre elas, as apostas esportivas.
Estamos no final de maio. Estou falando o que o governo colocou, publicou e o que efetivamente fez.
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O discurso do ministro da Fazenda qual é? Nós vamos procurar “jabutis”, a expressão que ele mesmo usou para cortar subsídios. Estamos em maio. O arcabouço já passou na Câmara. Quais são os subsídios? O que ele aponta? Ele está com um discurso teórico. Como podemos acreditar nessa estrutura que está sendo apresentada?
O sr. acha que já no primeiro ano, em 2024, o governo não vai cumprir a meta?
Eu afirmo que não vai. Pelo projeto, ele precisará mandar uma carta ao Parlamento e estamos conversados. Enquanto que anteriormente, para mudar a meta, precisa aprovar um PLN (projeto de iniciativa exclusiva do Executivo para matéria orçamentária).
Quando ele manda carta, já descumpriu a meta. Aí aciona os gatilhos (travas de gastos). É pouco?
Você antecipa o problema. Quando se tem uma meta fiscal a cumprir, durante o ano, de acordo com os relatórios bimestrais, você pode entender que aquela meta é inexequível. Então, não tem por que o governo manter isso como se fosse uma condição de ferro e fogo. Pode perfeitamente fazer a mudança, mas que o faça explicando por que a meta não vai ser atingida e enviando (a nova proposta) para escrutínio do Congresso.
Há risco de o governo propor a mudança da meta de zerar o déficit no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que está no Congresso e ainda será votado?
Tudo indica que sim. Eu não posso afirmar porque não sou o ministro da Fazenda e nem do Planejamento. A LDO já vai vir diferente do que preconiza o arcabouço que será votado. Outro problema é que o governo criou dentro do arcabouço uma despesa fixa de R$ 75 bilhões para investimentos. O relator estabeleceu uma despesa fixa para investimento e a retirou do cálculo de 95% (quando as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas totais) para acionar os gatilhos (medidas corretivas para o cumprimento da meta fiscal). Claramente, há um drible que está sendo dado na execução orçamentária.
O governo está aumentando muito o gasto com o arcabouço?
Não tenho dúvida. Com as exceções e com as mudanças feitas no arcabouço, estima-se de uma forma conservadora que vamos chegar a 84% da relação dívida pública/PIB ao final do governo do Lula.
O sr. vê a possibilidade de o Senado apenas carimbar o projeto que vem da Câmara?
Vejo com muita preocupação, porque o Senado tem políticos experientes, que foram governadores, que geriram máquinas públicas e têm toda a condição de se debruçarem sobre textos e darem a sua colaboração de aperfeiçoar. Mas me parece que o governo, da forma como se comporta, tem pedido àqueles que o apoiam que simplesmente homologuem a legislação da forma como chegou da Câmara.
A oposição vai tentar bloquear a votação?
Não temos a intenção de bloquear medidas que de alguma forma melhorem a questão fiscal do governo. Por pior que seja esse arcabouço, é um passo na direção correta.
Mas não é contraditório votar contra?
Porque é muito ruim. Se ele é ruim, não posso votar favorável. Eu não posso colocar minhas digitais numa proposta que é claramente equivocada desde a sua origem.
Que tipo de modificação no texto que a oposição vai propor?
Vamos tentar estabelecer enforcements (dispositivos para fazer cumprir a regra) na questão do não cumprimento das metas estabelecidas pelo próprio governo, restabelecendo a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) no que tange à improbidade administrativa e na necessidade de que o governo submeta ao Parlamento qualquer mudança do ponto de vista de novas métricas de crescimento ou de diminuição de déficit – como acontece em qualquer democracia moderna. A gestão do Orçamento é do governo federal, mas a anuência de mudanças mais incisivas é do Parlamento. Isso é a essência da democracia.
Modificações que excluam despesas do teto: o sr. acredita que seja possível que avancem?
Pedimos à nossa consultoria que se debruce sobre ela, mas, a princípio, o critério a ser utilizado é que o Orçamento é uma peça discricionária. Se você coloca tudo sob o manto do marco, isso passaria à condição da discricionariedade a quem vai elaborar o Orçamento, que é o Legislativo. A princípio, essa é uma boa iniciativa por parte do relator. Por outro lado, a gente tem que ver qual é o impacto real. Em que momento isso pode afetar, por exemplo, a necessidade de recursos para a educação (no caso do Fundeb). No caso do fundo constitucional do DF, se isso vai afetar a segurança e a educação do DF. Então, nós encomendamos um estudo para ter mais dados a respeito. Eu prefiro ainda não me posicionar.
Reportagem feita pelo ‘Estadão’ mostra que mudanças feitas pela Câmara aumentam os gastos no ano que vem. O próprio secretário do Tesouro admitiu ontem que precisa de R$ 60 bi para fechar as contas – o que não é muito distante dos R$ 80 bi estimados pelo mercado.
O artigo 15 (que permite gastos extras em 2024 mediante aumento de arrecadação) é uma pegadinha que não está nem aqui (mostra a lista de alterações). A gente está vendo o impacto, temos algumas algumas teses.
Economistas dizem que ficou confuso e que é difícil calcular o impacto efetivo.
Não é simples, não tem nada de simples (o artigo 15).
Se a oposição não é maioria, o sr. vai votar contra, quais as chances de essas emendas serem aprovadas?
Eu não tenho dúvida do seguinte: o governo está preocupado em gastar mais. E isso está muito claro na maneira em como se comporta e na contradição que ele exprime. O governo fala o tempo todo em cortar subsídio e está apresentando mais subsídios. Só tem uma alternativa: a reforma tributária, aumentar impostos. E aí nós também não vamos votar a favor do aumento de impostos. A não ser quem não é taxado, como é o caso dos jogos eletrônicos, comércio eletrônico, fundos especiais. Dependendo, é claro, da alíquota. Agora, taxar mais ainda a indústria, o comércio, os serviços… o Brasil já tem uma carga tributária entre as maiores do mundo, o País não comporta.
O sr. foi parte do governo Bolsonaro, que furou várias vezes o teto de gastos. A avaliação é a de que a regra que existe hoje também não funcionou.
O governo Bolsonaro se deparou com a realidade de relativizar as regras do teto no momento de emergência sanitária, que não tem paralelo na história. Aconteceu uma parecida há 100 anos. Mesmo com essa crise sanitária, mesmo com a guerra que criou um problema na área da energia, mesmo com Brumadinho e mesmo com a crise hídrica, a maior em 92 anos, fatos excepcionais que impactaram o PIB, nós terminamos o ano com a dívida decrescente. Não dá para comparar com o que está sendo feito pelo governo do PT.
A dificuldade política do governo, demonstrada nas negociações da MP dos ministérios, pode se repetir na votação do arcabouço no Senado?
A relação do governo com a base que ele teoricamente formou no Congresso – e em especial na Câmara – está mostrando que está bastante atabalhoada. Mas os sustos que a gente está tomando são as declarações do presidente Lula. A última agora foi a recepção ao ditador venezuelano.