Para os que estão atrás de uma visão espetacular do futuro, já não basta olhar para o Vale do Silício. Em Tóquio, Masayoshi Son, presidente do grupo japonês de telecomunicações SoftBank, reuniu US$ 100 bilhões num fundo de investimentos, com o qual pretende se tornar o Warren Buffett da tecnologia. “Masa” não é um neófito em matéria de apostas arriscadas: o SoftBank foi um dos primeiros a investir no monstro do comércio eletrônico chinês Alibaba, além de ter posto US$ 22 bilhões na Sprint, uma empresa de telecomunicações americana. Agora o empresário parece possuído por uma febre utópica.
Son, que tem 59 anos, acredita que o mundo em breve atingirá o ponto conhecido como Singularidade, quando a inteligência artificial terá ultrapassado a humana. O cérebro das pessoas e o das máquinas vão se emaranhar. Cada indivíduo terá mais de 1 mil dispositivos interligados numa única rede global, com dados analisados por máquinas na nuvem. Além de óculos inteligentes, as pessoas vão usar calçados inteligentes, e todos os carros e lavadoras de roupa estarão conectados à web. O impacto dessa segunda revolução da internet, segundo Son, será ainda maior que o da primeira.
O empresário está indo às compras. No ano passado, pagou US$ 31 bilhões pela britânica ARM Holdings, que projeta chips para dispositivos móveis. Também investiu US$ 2 bilhões na OneWeb e na Intelsat, duas desenvolvedoras de tecnologia de satélite que pretendem pôr milhares de microssatélites em órbita da Terra e com eles oferecer acesso de alta velocidade à internet. No mundo inteiro, as empresas de tecnologia se preparam para mais investidas de Son, que diz ter como objetivo construir um império corporativo que dure 300 anos.
Son acredita ter antecipado sucessivas mudanças de paradigma no setor de tecnologia. Filho de um criador de porcos de origem coreana, passou a infância numa casinha humilde no sul do Japão e chorou de alegria quando, já adolescente, viu pela primeira vez uma foto de um microchip. Estudou programação na Universidade da Califórnia e, nos anos 80, de volta ao Japão, dedicou-se à venda de softwares. Foi um dos primeiros a investir em empresas de internet, tendo adquirido uma fatia do Yahoo em 1995 e a participação no Alibaba em 1999. Depois voltou sua atenção para a telefonia móvel: em 2006, comprou a unidade japonesa da Vodafone, e em 2013, a Sprint. Hoje o SoftBank é um gigante: o valor do negócio (“enterprise value”, isto é a soma do valor de mercado e da dívida líquida do grupo) chega a US$ 193 bilhões.
Apesar disso, a carreira de Son ainda se notabiliza, essencialmente, por seu investimento no Alibaba. Em 1999, o empresário recebeu em Tóquio uma visita de Jack Ma e Joseph Tsai, que pouco antes haviam criado um site em Hangzhou. Masa aceitou desembolsar US$ 20 milhões para ficar com 30% do empreendimento. Hoje o valor do Alibaba chega a US$ 270 bilhões. Tendo se desfeito de pequena fração de suas ações no ano passado, o SoftBank é dono de 28% do site.
Cerca de 95% do valor de mercado do SoftBank corresponde a sua participação no Alibaba. Assim, o restante das operações do grupo talvez não valha muita coisa. Son garante que, excluindo o Alibaba do cálculo, os demais investimentos do SoftBank geram uma taxa interna de retorno de 43%; mas não se sabe ao certo com base em quê essa conta é feita. O grupo acumula alguns triunfos, como o lucro de US$ 5 bilhões com a venda da desenvolvedora de games finlandesa Supercell, responsável por jogos como Clash of Clans. Mas o fluxo de caixa é pequeno, e os negócios fechados por Son resultaram numa dívida líquida de US$ 110 bilhões.
Son é dono de uma fatia minoritária de uma grande empresa, mas nunca criou, com suas próprias mãos, um negócio formidável. E a situação financeira do SoftBank impõe restrições a suas ambições. Como detém só 19% do grupo, se vendesse parte de suas ações para levantar recursos, correria o risco de perder o controle acionário. E embora pudesse vender o restante de sua participação no Alibaba, a ideia não parece agradá-lo. Outra possibilidade seria tentar fundir a Sprint com a concorrente T-Mobile. Com a exclusão dos US$ 31 bilhões de dívida líquida da operadora, o balanço do SoftBank se desafogaria. Até agora, as autoridades antitruste vinham se opondo ao negócio. Mas Son tem esperança de que o governo Trump seja mais maleável.
Diante disso, o jeito seria adotar uma solução que passasse, em parte, ao largo do SoftBank, que é o que o novo fundo de US$ 100 bilhões faz. Sem precisar prestar contas a acionistas, Son terá mais liberdade para decidir onde investir. Investidores externos devem lhe oferecer munição farta. O Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita, por exemplo, prometeu rios de dinheiro a Son.
‘Masa-achismo’. Para os investidores do novo veículo e os acionistas do SoftBank são três as preocupações. Em primeiro lugar, as ideias de Son, ainda que se destaquem pelo fervor, não são de todo originais. No setor de tecnologia, a visão de um futuro de dispositivos onipresentes, conectados à internet e com dados processados na nuvem, não é exclusividade de Son. Por isso, o valor das empresas do segmento está nas alturas: o SoftBank pagou uma razão preço/lucro de 71 pela ARM. Em segundo lugar, Son tende a perder o foco. Algumas das startups pelas quais o empresário nutre particular admiração, como Uber e Airbnb, estão apenas indiretamente relacionadas com suas expectativas em relação ao desenvolvimento da internet. Em outros casos, o vínculo é ainda mais rarefeito: há duas semanas, o SoftBank adquiriu uma participação de US$ 300 milhões na empresa de coworking WeWork.
A terceira preocupação diz respeito a governança. A cabeça de Son vive pulando de uma obsessão a outra. Entre 2014 e 2015, o empresário viveu um caso de amor com o setor de tecnologia da Índia, tendo nomeado Nikesh Arora, um ex-executivo do Google de origem indiana, como seu provável sucessor. A paixão durou um ano: em 2016, Arora foi posto na geladeira. Está claro que, como acontece com o SoftBank, o novo fundo de tecnologia terá no timão um sujeito de índole messiânica. Com Son mantendo uma perna em cada barco, também pode haver conflitos de interesse: caso se veja diante de um negócio suculento, a quem ele privilegiará: o fundo ou a empresa?
Para Son, isso são questões menores, que perdem relevância quando se trabalha com um horizonte de 300 anos. Ao refletir sobre suas primeiras seis décadas de vida, Masayoshi diz lamentar ter ficado “tão preso à rotina diária e não ter realmente pensado grande”. Ele acredita que, até o momento, dedicou apenas 3% de sua capacidade intelectual a grandes decisões de investimento. Agora, mais da metade de seus miolos estarão voltados para a realização de um destino grandioso. Masa está só esquentando os motores.