O economista francês Thomas Piketty entrou no centro da discussão econômica mundial ao lançar o livro O Capital no Século XXI. Nele, o autor mostrou um aumento da concentração de renda nas economias centrais. A obra fez de Piketty um dos economistas mais conhecidos e populares mundialmente, embora também tenha recebido críticas. A obra recém-lançada não analisa a situação brasileira, mas nem por isso despertou menos interesse. Depois da tiragem inicial de 50 mil cópias, outras duas de 30 mil foram encomendadas. Apesar da piora do cenário, Piketty diz ser necessário convencer grande parte da sociedade que a globalização trabalha para todo mundo. "Há um risco de não termos boas políticas para convencer grande parte da sociedade de que a globalização pode trabalhar para elas, para todos, e não apenas para as multinacionais", afirmou. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.Como o sr. analisa a repercussão do livro tanto no Brasil como internacionalmente? Tentei escrever um livro acessível, que pudesse ser lido por qualquer um. Seu sucesso mostra que as pessoas se importam com os problemas econômicos e não querem deixar que outros decidam essas questões por elas. Eu acredito que o livro esteja colaborando para isso, com as pessoas podendo fazer sua própria cabeça sobre renda, riqueza e capital. São questões muito importantes para serem deixadas apenas para os economistas.O sr. acredita que é possível que o livro traga essa mudança? Acredito no poder do livro, das ideias. Creio que ele pode contribuir para transformar a opinião pública - mas é apenas uma parte da influência. A democratização do conhecimento econômico é um importante passo se quisermos uma sociedade mais democrática. Estamos distantes dessa sociedade?Nós fizemos alguns progressos. A pobreza foi reduzida, e a desigualdade está menor em algumas países do que era há um século. Mas alguns desses progressos são frágeis e dependem de políticas e instituições. Há um risco se não adotarmos as políticas corretas. A principal mensagem do livro é que é preciso mais transparência com a riqueza, para podermos adaptar as políticas e instituições. Seria um grande erro deixar que as forças do mercado resolvam o problema para nós.Embora não tenha estudado a situação brasileira, alguns dados mostram uma piora como o aumento da extrema pobreza. Como o sr. analisa o Brasil?A pobreza foi muito reduzida no Brasil. E isso foi bom. Mas a desigualdade ainda é extremamente grande. O Brasil continua um país muito desigual, e provavelmente há mais desigualdade no Brasil do que se pode medir pelas estatísticas oficias. Eu devo mencionar que a razão pela qual nós não incluímos o Brasil na nossa base de dados é que, até agora, foi impossível acessar os dados de Imposto de Renda no País. Acredito que o Brasil precisa de mais transparência sobre renda e riqueza. É muito importante que haja acesso mais livre às estatísticas de Imposto de Renda para que se possa entender melhor qual é a diferença social entre os grupos. Isso também pode ajudar a trazer mais confiança no governo.Mas o sr. acredita que os brasileiros que estão no topo da pirâmide gostariam que esses dados se tornassem públicos?Talvez eles não gostariam. Isso é parte do problema. Às vezes, as pessoas têm medo da transparência. Mas, no fim das contas, todos são beneficiados pela transparência. Se não criamos formas de confiar no governo e no sistema de tributação, todos perdem. Se nós quisermos manter a globalização, é importante mostrar que todos são beneficiados por ela. A falta de transparência pode gerar uma desconfiança na economia.O sistema tributário do Brasil taxa mais o consumo do que a renda. Temos uma das mais altas taxa de juros. É fácil para o Brasil reduzir a desigualdade?O sistema tributário do Brasil não é muito progressivo. De muitas maneiras, é regressivo, porque a taxação indireta é muito forte - o que faz com que os mais pobres e a classe média paguem pesadas taxas no consumo. Acredito que é possível reduzir a taxação indireta e aumentar a taxação progressiva na renda e na propriedade. Se olharmos para a taxação do Imposto de Renda, o topo recolhido não é muito alto no Brasil, cerca de 27%. A taxa sobre a tributação em propriedade também é baixa, assim como nos casos de herança. Acredito que o Brasil tem um caminho para ter um sistema de tributação mais progressivo, o que é uma parte da solução para reduzir a desigualdade no País.E existem outras políticas?As outras políticas são as educacionais e de salário mínimo. Todas essas políticas são importantes e complementares.A sociedade brasileira já reclama dos altos impostos. É fácil mudar a lógica para tributar mais renda? É sempre complicado construir a confiança no sistema de tributação. Leva muito tempo. Mas é importante ter mais transparência com o objetivo de ter um progresso. É importante mostrar para todo mundo quanto os grupos estão pagando. Por quê?De outra maneira, as pessoas sentem que estão pagando mais do que outros grupos. Em particular, os mais pobres e a classe média acreditam que algumas pessoas são mais ricas e pagam menos impostos. Então, é muito difícil ter confiança num sistema desse e fazer com que as pessoas concordem em pagar mais por escolas, hospitais e serviços públicos. Se você quer criar mais consentimento coletivo para pagar mais pelo serviço público, é muito importante ter mais transparência e mostrar quanto as pessoas estão pagando. Como disse, no Brasil, até agora, é impossível acessar qualquer informação de Imposto de Renda, e é muito difícil criar confiança se os dados não são revelados.Os desafios das economias que o sr. analisa no livro são os mesmos que estão presentes na economia do Brasil?Algumas soluções são as mesmas em todos os países, mas algumas são diferentes. Nos Estados Unidos, o aumento da desigualdade foi maior; na Europa, foi menor, e o problema europeu se dá mais em como organizar a União Europeia e a zona do euro. Como assim?Na Europa, temos um sério problema. É muito difícil ter uma moeda única, com 18 diferentes déficits públicos. Então, é um problema específico para a Europa. Na China, é muito diferente. O governo, até agora, não quer ter mais transparência no sistema de taxação. Falando de uma forma geral, os países emergentes têm muito a perder com a falta de transparência dos dados, mas muito para ganhar com mais transparência e informações mais completas sobre renda e riqueza.Se nada mudar, e a desigualdade continuar crescendo, o que pode acontecer?O principal risco para mim é que, se a gente não resolver os nossos problemas domésticos de forma pacífica, podem surgir soluções consideradas nacionalistas. De forma geral, quando não se encontram boas soluções para as questões domésticas, é muito fácil as pessoas acharem culpados, como trabalhadores estrangeiros e outros países. E, se não tivermos boas políticas para convencer grande parte da sociedade de que a globalização pode trabalhar para todos, há um risco de que grandes grupos da sociedade busquem soluções nacionalistas. E isso pode ser ruim, porque eu acredito na globalização, que eu acho que trouxe ganhos positivos. O sr. vê um sinal dessas soluções extremistas, como os partidos radicais ganhando forma na Europa?Sim. É um sinal. Na França, o partido extremista está indo muito bem. Na Europa, as pessoas estão tentando culpar outros países. A França e a Itália estão culpando a Alemanha, que está culpando outras economias. É uma situação muito perigosa. Eu sou a favor de mais união política e fiscal entre os países da Europa. Mas os governos da região não estão fazendo propostas, mas apenas esperando a situação melhorar. Já em outras partes do mundo há movimentos de antiglobalização. Às vezes, eu posso entender. Acredito que, se não colocarmos as políticas corretas para fazer todos se beneficiarem da globalização, haverá um risco.Diante dessa piora, o que aconteceu com a sociedade de bem-estar social da Europa, que sempre serviu de modelo para o mundo? Esse modelo ainda continua existindo e ainda é uma inspiração para o futuro, mas precisa ser reformado e modernizado. O sistema de pensão na França, por exemplo, é extremamente complexo e foi construído por partes. É preciso simplificá-lo, mas não desmantelá-lo, e sim torná-lo mais eficiente e produtivo. Acredito que é possível reformar o sistema para fazer esse estado de bem-estar social ainda melhor. O problema não é desmantelar esse modelo, mas torná-lo mais universal. É preciso adaptar os projetos. É importante mostrar que reformar o Estado de bem-estar social pode ser uma forma de melhorá-lo.