Na semana passada, o senador José Serra publicou artigo neste jornal (O que é essencial ficou de fora) criticando as propostas de reforma tributária em discussão na Comissão Mista do Congresso Nacional. Respeito muito o senador Serra por sua contribuição para o debate público e por sua trajetória política, mas neste caso entendo que sua posição está equivocada. A seguir, analiso as principais críticas apresentadas no artigo.
Uma primeira crítica é de que a reforma aumentaria a carga tributária do setor de serviços, o que prejudicaria a classe média e as classes mais baixas, que prestam esses serviços. Tal crítica carece de fundamento, por várias razões. Por um lado, a maior parte dos prestadores de serviços de baixa renda trabalha em empresas do Simples, que não serão afetadas pela reforma tributária.
Por outro lado, o IBS – imposto que, pelas propostas em discussão no Congresso, substituiria cinco tributos atuais – incide sobre o consumo, e as famílias ricas consomem muito mais serviços que as famílias pobres. Ou seja, se a harmonização da tributação sobre bens e serviços tem algum efeito, é o de melhorar a distribuição de renda. Pode-se discutir um tratamento diferenciado para saúde e educação, pois seu fornecimento pelo setor privado reduz a demanda por serviços públicos, mas não para todos os serviços.
Por fim, mesmo supondo que o aumento do imposto não seria repassado aos consumidores, ou seja, que os prestadores de serviços que não estão no Simples seriam afetados por um aumento de tributação, estes estão bem longe de serem pessoas de baixa renda. Para entender este ponto, vamos considerar duas situações: a de um consultor do regime de lucro presumido com renda mensal de R$ 200 mil e que recolhe ISS pelo regime uniprofissional; e a de um empregado de uma rede de supermercados que recebe R$ 2 mil por mês. Pelo regime atual, os tributos indiretos incidentes sobre a renda gerada pelo primeiro são de 3,65% e sobre a renda gerada pelo segundo, de 27,25%. Acho difícil de acreditar que o senador Serra defenda que o trabalho de uma pessoa que ganha R$ 2 mil/mês sofra a incidência de um imposto 7,4 vezes maior que o trabalho de uma pessoa que ganha 100 vezes mais. Antes de criticar a proposta em discussão no Congresso, é essencial avaliar se o sistema atual é equilibrado.
Uma segunda crítica do senador diz respeito ao aumento do risco de sonegação fiscal com a adoção do princípio de destino. Neste caso, cabe destacar que, no modelo do IBS, o imposto pertence ao Estado de destino, mas é cobrado no Estado de origem, por meio de um sistema de arrecadação centralizada, minimizando o risco de sonegação. Ao contrário, a adoção de regras e alíquota uniformes dificulta muito a sonegação do IBS.
Uma terceira crítica diz respeito ao aumento da complexidade do sistema tributário durante a transição, período em que os tributos atuais conviveriam com o IBS para permitir um ajuste suave ao novo sistema. Na verdade, o IBS é um imposto tão simples que a única obrigação acessória será emitir nota fiscal eletrônica nas vendas e registrar o recebimento dos bens e serviços adquiridos – que já são obrigações do sistema atual.
Por fim, o senador alega que as propostas de reforma tributária não atacam a irresponsabilidade fiscal dos governos subnacionais. Embora o objetivo da reforma tributária não seja o controle de gastos (que é uma agenda muito importante), mas sim a racionalização dos impostos, ao tornar transparente para os consumidores o custo da tributação do consumo, a reforma tende a gerar uma pressão social pelo uso mais eficiente dos recursos arrecadados.
A solução para os problemas tributários do País exige, sim, um debate técnico e fundamentado – como ressalta o senador Serra em seu artigo. Mas este debate tem de partir da compreensão dos problemas do sistema atual e de uma avaliação sem preconceitos das propostas em discussão no Congresso Nacional.
* DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL