Atualmente, é notório que a população mundial vive um desafio com a situação da pandemia de covid-19. No Brasil a situação não é diferente e talvez seja ainda mais grave por desafios outros que não apenas o atendimento à população, mas pelos obstáculos na economia e na ética pública. Curiosamente, ao contrário do que se esperaria de um debate focado no combate ao coronavírus no País, outros assuntos se sobressaem no noticiário, como as investigações iniciadas para apurar desvios de fraude contra a saúde em razão de contratos emergenciais celebrados entre o poder público e as empresas. É espantoso o fato de pessoas se beneficiarem ilicitamente de recursos públicos quando a população mais necessita destes para superar esta situação calamitosa, principalmente quando muitos dos investigados foram eleitos na esteira do discurso contra a corrupção.
É inegável, portanto, que são necessárias mudanças que transpassem o discurso e se tornem ações. Tais mudanças passam impreterivelmente pelo tema do aprimoramento do sistema político, para o qual é sabido que não existe receita certa. Mas, com relação às demandas de transparência e integridade, há duas medidas fundamentais advindas do setor privado a serem implementadas, que são o compliance e o tone at the top.
A começar pelo compliance, diferentemente do que muitos pensam, não é simplesmente agir de acordo com a lei. Compliance deve ser compreendido como uma mentalidade que as companhias adotam para criar um ambiente em que os padrões éticos são elevados e seguidos, riscos são mitigados e possíveis desvios de conduta, investigados. O sucesso de um programa de compliance nas empresas privadas depende de alguns fatores: a criação de um departamento independente e com investimento; desenvolvimento de políticas e procedimentos; condução de treinamentos e monitoramento das atividades da empresa. As companhias globais adotam essa cultura como um pré-requisito para fazer negócios. Se oficialmente adotado e transportado para dentro do cenário político brasileiro, esse impacto poderia ser ainda mais disseminado.
Já o tone at the top é uma abordagem essencial para o sucesso de um programa de compliance. Numa tradução literal que significa o “tom vem do topo”, ela se traduziria na atitude que os políticos de alta expressão deveriam ter demonstrando que estão genuinamente envolvidos com a cultura de compliance nos seus partidos, assim como na gestão pública.
A eficácia dessas medidas está vinculada à necessidade de os políticos tomarem certas ações devendo ter uma visão estratégica e metas de integridade. Deverão priorizar a transparência, a higidez na arrecadação de campanhas eleitorais e a fiscalização das finanças dos partidos. Além disso, é fundamental identificar os riscos que envolvem um partido político, com especial atenção ao setor privado e aos recursos públicos. A terceira ação é criar mecanismos de controle que se estendam por todos os âmbitos do partido, desde os funcionários que trabalham em áreas operacionais até os políticos que exercem cargos com mandatos. É imprescindível o investimento adequado, como a contratação de pessoas técnicas e com autonomia, que possam elaborar as políticas necessárias, conduzir treinamentos e cooperar com os órgãos públicos, como as controladorias e o Ministério Público.
No Brasil, a prevenção e o engajamento devem ser uma prioridade. Vivemos um momento em que o comprometimento com a ética e a transparência é fundamental e demanda urgência. Os líderes que focarem na implementação desse comportamento perceberão que o universo político seguirá esse exemplo, demonstrando que o exemplo vem do topo.
*ADVOGADO, É MESTRE EM CORPORATE COMPLIANCE PELA FORDHAM LAW SCHOOL