O pior ainda está por vir
Este artigo trata dos impactos da política monetária. No entanto, uma breve introdução se faz necessária e justifica o título. Há duas semanas, em entrevista a este jornal, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que "o pior na economia já passou". De fato, houve significativa melhora na política econômica, mas, infelizmente, em termos do grau de sacrifício da população, o pior ainda está por vir. Suponha um indivíduo que sofre dores fortes, cuja intensidade cresce diariamente. Um belo dia, o grau da dor para de aumentar e estaciona, mas ainda em nível quase insuportável. Esse paciente, evidentemente, não vai sentir nenhum alívio com isso. O que importa para ele é que seu sofrimento vem se prolongando além do que consegue resistir. A analogia com o estado atual de nossa economia é imediata. Nos últimos três anos, o PIB registrou queda acumulada de mais de 8%, ou quase 12%, em termos per capita. A "boa" notícia é que em 2017 ficará praticamente estagnado, ou seja, o grau da dor vai apenas parar de aumentar, mas seguirá intenso. Para os trabalhadores, a situação parece ainda pior do que a do nosso paciente imaginário. Como procurei mostrar em meu artigo anterior neste espaço (16/1), a taxa de desemprego continuará crescendo, devendo atingir o ponto máximo (13,5%) no terceiro trimestre deste ano. Mas os juros não seguirão caindo? Isso não estimulará a economia, como espera Meirelles? As respostas são sim e sim. Mas quando e quanto a atividade econômica responderá à queda dos juros são questões um pouco mais complexas. É inegável que o atual ciclo de redução da taxa básica de juro (Selic), diferentemente da canetada na gestão Dilma, apoia-se em efetiva queda da inflação, tanto a observada quanto a esperada. Mas, para avaliar melhor como isso afetará a atividade econômica, precisamos ter em conta os canais de transmissão da política monetária e recorrer a um pouco de evidência estatística. Tudo o mais constante, quedas da Selic, ao influenciarem toda a estrutura a termo das taxas de juros, tornam os investimentos mais atrativos e estimulam as famílias a sacar de suas poupanças para comprar bens duráveis (é o canal direto dos juros); depreciam o real, aumentando as exportações líquidas (canal do câmbio); elevam o preço de ações, dos imóveis e dos títulos de renda fixa prefixados (canal da riqueza, que também estimula o consumo); tendem a baratear o crédito (canal do crédito); e melhoram as expectativas dos agentes econômicos em relação à economia (canal das expectativas). Alguns desses canais estão obstruídos, o que torna o efeito da queda da Selic menos intenso e mais lento. É o caso, por exemplo, do canal do crédito. Em consequência da política econômica anterior, as famílias estão atulhadas em dívidas e com grande parte do seu orçamento comprometida para o pagamento de juros e amortizações. Com isso, vai demorar muito para que a queda do custo dos novos empréstimos estimule a demanda por crédito e, daí, o consumo. Dado que grande parcela das aplicações financeiras são indexadas ao CDI, também não funcionam plenamente os canais do efeito riqueza e o canal direto dos juros. Estudo realizado pela MCM Consultores, mediante modelo estatístico também utilizado pelo Banco Central (para os colegas economistas, esclareço que se trata do Vetores Autorregressivos - VAR), forneceu dois resultados importantes: o primeiro é que os impactos de alterações da Selic sobre a atividade econômica são mais intensos (quase o dobro) nos ciclos de alta que nos de baixa dos juros. O segundo é que o efeito máximo do estímulo monetário ocorre 4 a 5 trimestres depois da alteração da taxa básica de juro. Assim, apesar do acerto das medidas econômicas do novo governo, a gravidade da crise e as limitações da política monetária, decorrentes de seus efeitos defasados e da obstrução de alguns de seus canais de transmissão, explicam, entre outros fatores, por que a recuperação será lenta e penosa.