Realizado na manhã desta terça-feira, 23, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o Fórum Estadão Think - A Indústria no Brasil Hoje e Amanhã reuniu uma série de caminhos para reverter mais de 30 anos de declínio do setor no País. Os palestrantes destacaram os avanços trazidos pela reforma tributária, ainda dependente de regulamentação no Senado. Porém, também convergiram na opinião de que, além de um sistema mais eficiente de cobrança de impostos, é urgente ter uma política voltada ao setor, com crédito diferenciado, planejamento e estímulo à inovação — entre os painéis, a comparação com o investimento no agronegócio nas últimas décadas, com ações como o Plano Safra, foi frequente.
Na abertura do evento, o presidente da Fiesp, Josué Gomes, questionou como um setor altamente intensivo em capital geraria recursos necessários para manter a sua produtividade e investir no mesmo nível de seus competidores se não pode tomar recursos de terceiros por serem proibitivos e carrega uma carga tributária pesada.
“Como que se quer que mantenha competitividade em um contexto de competitividade como este?”, questionou Josué, emendando que tem de se aplaudir o desempenho do agro brasileiro, mas lembrar que desde 2003 conta com o Plano Safra.
No evento, realizado pelo Estadão na sede da Fiesp, na Avenida Paulista, que teve também apoio institucional do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), os palestrantes expuseram causas da redução da participação do setor no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro nos últimos anos. Essa fatia era de quase 25% em meados da década de 1980 e recuou, no ano passado, para algo em torno de 10%. Uma indústria fraca costuma resultar em produtividade baixa, o que se reflete na própria atividade econômica brasileira — que vem patinando nos últimos anos, alternando quedas e crescimentos medíocres.
Confira a seguir uma síntese do que palestrantes do evento disseram sobre temas centrais para a reindustrialização do Brasil.
Política industrial
“Precisamos fazer mais do que discutir a questão fiscal. Temos de ter estratégia, uma missão. A reindustrialização precisa vir de uma política de Estado”, resumiu Rafael Lucchesi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, durante a abertura do evento.
O Brasil é o país que mais retrocedeu em termos de competitividade, afirmou, por causa de uma ausência de políticas industriais ativas, diferentemente do que ocorre com os países mais ricos, que despejam atualmente quase US$ 13 trilhões nesse tipo de política. “O rentismo sem produção também vai condenar o futuro no Brasil”, segundo Lucchesi.
Paulo Rabello, presidente do BNDES no governo Michel Temer (2016-2019)
“O Brasil tem pressa. Instituições como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) precisam vigiar os interesses nacionais, o que passa por elencar áreas prioritárias para a inovação, disse o economista Paulo Rabello, presidente do BNDES no governo Michel Temer (2016-2019). Na visão do economista, o próprio BNDES, hoje, teria condições de dobrar o crédito concedido, mantendo a segurança. “O Brasil não tem paralelo em nenhum lugar do mundo, em termos do que é feito errado em termos de concessão de crédito para o setor produtivo.”
Até por isso, o economista avalia como positiva a chegada do Plano Mais Produção, deflagrado no início do ano. “É o BNDES começando, novamente, a vislumbrar o seu papel.” O objetivo estratégico do Plano Mais Produção é mobilizar aproximadamente R$ 250 bilhões do BNDES para o apoio a projetos de neo-industrialização até 2026. Apesar de este apontar para a direção correta, porém, ainda falta para o Brasil um plano mais robusto, voltado para a inovação industrial. “Não há integração”, disse. “O País não tem plano nenhum. É muito confortável para o governo federal, se você não sabe para onde vai, não consegue ser cobrado. São muitas incongruências.” Critérios objetivos, como, por exemplo, se determinada ação vai ou não aumentar o coeficiente de inovação de um determinado setor sempre devem estar presentes, afirmou.
Crédito
“A indústria é o setor que impulsiona a produtividade da economia como um todo”, disse o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores e pesquisador associado do Ibre/FGV. “Diferentemente do setor de serviços e do agronegócio, a indústria é extremamente intensiva em capital físico. Para obter esse capital físico, muitas vezes é necessário recorrer a empréstimos ou capital de terceiros, como sócios. Em um país com juros altos, tanto a taxa básica quanto o spread bancário (a diferença entre os juros que os bancos pagam e cobram), o setor mais prejudicado é naturalmente aquele mais intensivo em capital, ou seja, a indústria. Se a indústria não consegue investir, ela não consegue viabilizar inovação nem ganhos de produtividade. Como diz Paul Krugman, ‘produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo’. Na prática, restringir o crédito e o acesso ao capital para a indústria prejudica o desenvolvimento econômico do País.”
“A comparação com o Plano Safra é pertinente, pois o agronegócio, que teve um desempenho pujante nos últimos 20 a 25 anos, recebe financiamento anual cinco vezes maior do que o proposto para a nova indústria brasileira. Há um claro diagnóstico de deficiência de financiamento na indústria”, afirmou Bráulio Borges. “Existem algumas iniciativas para melhorar essa situação, como a duplicata eletrônica e a melhoria da lei de falências, que buscam facilitar o acesso ao crédito e reduzir seu custo. No entanto, essas medidas ainda são insuficientes. Algumas reformas estão na lei, mas não funcionam na prática. O cadastro positivo de crédito, por exemplo, aprovado inicialmente em 2011 e reformulado em 2019, ainda não funciona bem para pessoas jurídicas. Assim, muitas reformas necessárias para melhorar o acesso ao crédito e reduzir seu custo ainda não estão efetivas na prática. É crucial continuar trabalhando nessas áreas para garantir que a indústria possa obter o financiamento necessário para impulsionar a produtividade e o desenvolvimento econômico do Brasil.”
“O setor não consegue se financiar com esse custo”, afirmou o economista Paulo Gala, do Banco Master. “Com uma taxa de juros muito alta, não se consegue comprar as máquinas e os equipamentos necessários. Entramos em uma situação em que apenas a parte tradicional dos serviços simples da economia se expande e esses serviços são mais inflacionários do que o setor industrial.”
Mário Bernardini, conselheiro do Cosec, da Fiesp
Existe crédito para financiar a indústria, observou Mário Bernardini, conselheiro do Conselho Superior de Economia (Cosec), da Fiesp. O problema, de acordo com executivo, é que esse financiamento é insuficiente e caro. De acordo com Bernardini, o sistema financeiro nacional empresta para a indústria no Brasil algo em torno de 20% do PIB. O endividamento das empresas lá fora, a média da União Europeia é de 75% do PIB, Estados Unidos e Japão é de quase 100% do PIB, e a China, não à toa, 150% do PIB.
“Comparado com isso não temos financiamento. E não temos financiamento porque o brasileiro não gosta de pegar dinheiro emprestado? Não, ele pega dinheiro emprestado todos os dias. O problema é que, se a gente fizer a conta, estes 20% do PIB que a indústria pega, comparado com o faturamento, vão a 33%”, contabiliza Bernardini.
A conta dele considera o faturamento da indústria de R$ 6,8 trilhões em 2022, com PIB de R$ 10 trilhões. “Fazendo a relação, os 20% do PIB dá 33%. A gente não toma mais recursos porque porque, a custos correntes no Brasil, o capital de giro no é acima de 20%. Tomando financiamento de 33%, tenho um custo final sobre o meu faturamento de 6%. Como a margem da indústria é de 8%, se eu tomar mais de 33% de financiamento no Brasil, eu quebro”, disse Bernardini, acrescentando que o custo do financiamento passa a ser maior que o lucro da indústria.
“Se o financiamento é a seiva que alimenta a indústria, são os vampiros que estão se alimentando, a indústria não. Então, se você me pergunta se temos financiamento, a resposta é essa: pouco e caro”, disse Bernardini.
Juro
“Ao longo dos últimos 30 anos, se nós tivéssemos aplicado R$ 100 em CDI, títulos públicos sem qualquer spread bancário, teríamos hoje R$ 8.043. enquanto um bem ou serviço que custava R$ 100 há 30 anos, hoje, se corrigido pelo IPCA, custaria R$ 808. Ou seja, a taxa de juro real nestes 30 anos é dez vezes maior que a taxa de inflação”, disse Josué Gomes, acrescentando que no Brasil, viver de renda se tornou um bom negócio e produzir um péssimo negócio.
“Mesmo se levarmos em consideração os últimos 25 anos desde a criação do tripé macroeconômico colocado em prática pelo Armínio Fraga nós vamos ver que a taxa de juro, em média, foi de 12,4% contra uma taxa de inflação de -6,5%. Taxa de juros real de 6% ao longo de 30 anos sendo que dos últimos 30 anos sendo que por 20, 15 anos vivemos com taxas de juros negativas no mundo desde 2008″, criticou o presidente da Fiesp.
Para Winston Fritsch, empresário, professor, consultor e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o Brasil tem condições de reduzir juros no curto e médio prazo, voltando a fomentar o desenvolvimento da indústria.
“Eu sou um otimista e estou bastante positivo em relação ao período pós-2025. É necessário acreditar que o ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad continuará realizando o trabalho sério que está fazendo e manterá o arcabouço fiscal (mecanismo de controle do endividamento do governo, que impacta no dólar e no juro) em funcionamento. Com isso, a restrição doméstica poderá desaparecer e a restrição externa será completamente transformada”, afirmou.
Reforma tributária
De acordo com Cornelius Fleischhaker, economista sênior do Banco Mundial baseado no Brasil, a reforma tributária brasileira, mesmo não colocando o sistema tributário nacional entre os melhores do mundo, colocará o País acima da média, o que não deixa de ser positivo. “Não vai mudar bruscamente o sistema e tributação do dia para a noite. E não é coincidência ela chegar apenas agora depois de muita resistência. O fato de termos agora uma transição paulatina ajudou a quebrar as contrariedades”, explica o economista, para quem, um dos níveis importantes que vai ser alterado a partir da regulamentação da lei é o da tributação indireta. “Outra coisa importante é que o investimento a ser feito no Brasil, a partir desse novo cenário, vai ser feito sobre outras premissas, o que deverá melhorar o ambiente de negócios, de forma contínua, durante essa próxima década (tempo necessário para toda a reforma entrar em vigor)”.
“A reforma tributária, depois de muito tempo, fará com que o Brasil deixe de ser um manicômio e se torne apenas um pandemônio”, disse o economista Paulo Rabello, presidente do BNDES no governo Michel Temer (2016-2019).
“A indústria é a maior beneficiária da reforma”, afirmou Melina Rocha, consultora especialista em temas tributários. “A carga e a cumulatividade sobre o setor é muito alta, e agora isso vai mudar”, afirmou a especialista, que prestou assessoria técnica para o governo brasileiro, diretamente do Canadá, em meio a estudos de modelos do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) adotados no exterior. “O aumento de produtividade no setor industrial deve crescer 8%. Enquanto a atividade do setor em si, pode crescer até 25%. Além disso, outra vitória da indústria é que muitos itens terão alíquotas reduzidas ou até zeradas. Assim como o reembolso do chamado resíduo tributário (imposto pago em excesso ao longo da cadeia), em um cenário conservador, poderá ser feito pelo governo em até 180 dias”, explicou a consultora.
Um dos pontos que o texto da reforma promulgado em dezembro passado vai atacar, segundo Melina, é o do resíduo tributário. A partir da entrada em vigor da reforma, o que vai ocorrer de forma escalonada durante anos, o empresário brasileiro terá como recuperar todo o tributo residual pago por ele ao longo da cadeia. “A indústria exporta hoje 10% do resíduo tributário. Como a indústria nacional vai conseguir competir internacionalmente dessa forma?”, questionou Melina, afirmando que esse é um quadro que tende a mudar no médio prazo.
Segurança pública
Carlos Erane de Aguiar, presidente da Firjan
Além das questões fiscal e tributária, segundo Carlos Erane de Aguiar, presidente da Firjan. a falta de segurança pública é outro gargalo que gera bilhões de reais em prejuízos. Desde a questão da ida e vinda ao trabalho por parte do trabalhador, passando pela perda de patrimônio em si até questões envolvendo roubo de energia, de água e de crimes eletrônicos, como fraudes, precisam ser atacadas.
“Atividades ilegais cibernéticas como roubo de propriedade intelectual têm um impacto devastador para toda a sociedade”, disse. “Toda a insegurança na indústria precisa ser tratada como uma abordagem integrada.”
Participaram desta cobertura Diego Lazzaris, Eduardo Geraque e Francisco Carlos de Assis