Galeão, Viracopos e BRs: o que o governo quer fazer com as concessões fracassadas


Ministros de Lula tentam resolver impasse em contratos sobre aeroportos, rodovias e ferrovias firmados durante governo Dilma

Por Beatriz Bulla
Atualização:

A promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de alavancar a infraestrutura nacional esbarra, antes, em um problema: as concessões fracassadas de rodovias, ferrovias e aeroportos que se arrastam há anos sem solução. A maior parte dos nove casos em discussão atualmente em Brasília foi concedida durante o governo da petista Dilma Rousseff, incluindo os aeroportos de Viracopos, em Campinas (SP), e do Galeão, no Rio.

A lista de concessões com problemas inclui ainda as rodovias BR-040 entre Minas e o Distrito Federal, BR-163 no Mato Grosso do Sul, BR 101 entre Espírito Santo e Bahia, BRs 060, 153 e 262 entre DF, Goiás e MG, a BR-101 no Rio de Janeiro e as BRs 116 e 324, na Bahia, além das estaduais BA-526 e BA 528, no mesmo Estado. A ferrovia Malha Oeste, entre Mato Grosso do Sul e São Paulo, também está em processo de devolução.

A via da relicitação, um processo de devolução amigável de concessões aprovado pelo Congresso em 2017, tem se mostrado ineficaz, e o governo discute com as empresas formas de resolver os imbróglios por meio da repactuação dos acordos com ou sem manutenção dos atuais operadores. A relicitação permite que o contrato de concessão de infraestrutura seja extinto e que o governo federal estabeleça novas condições para celebrar uma nova parceria, por meio de outra licitação. Isso acontece quando os requisitos previstos entre setor público e privado para a concessão não estão sendo atendidas, caso da falta de investimentos, por exemplo, em rodovias ou aeroportos. As etapas burocráticas da relicitação fazem o processo levar anos.

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Empresas que devolvem as concessões ao aderir a relicitação recebem indenização pelos investimentos realizados e o pagamento pode ser feito pelo novo operador que vencer o leilão de relicitação. Isso torna o processo mais vantajoso para as concessionárias, que poderiam correr o risco de perder a operação, de toda forma, através de um processo de caducidade solicitado pelo poder público -- no qual a indenização entraria em uma fila de precatórios a ser paga pelo estado. Multas aplicadas por órgãos de controle à empresa que possui a concessão, pelo não cumprimento de obrigações do contrato, são descontadas do valor a ser indenizado.

Desde que foi aprovado, o instrumento da relicitação só chegou ao fim uma vez: com a mudança da operação do aeroporto São Gonçalo do Amarante, há um mês. O outro caso bem-sucedido driblou o caminho da relicitação: a responsabilidade pela BR-163 no Mato Grosso passou das mãos do setor privado (Concessionária Rota do Oeste) para as do governo estadual, também neste ano, após muita discussão.

A demora para a conclusão do processo de relicitação e o caminho tortuoso até chegar em uma solução fazem o governo buscar outras formas de destravar a situação das concessões problemáticas. São casos em que a receita das concessionárias ficou frustrada, em parte pelas condições dos leilões estabelecidas no governo Dilma, pela euforia do setor privado e pela crise econômica que atingiu o país e o setor a partir de 2014. Com isso, as empresas não conseguem cumprir o investimento estabelecido nos contratos — o que faz as multas aplicadas se acumularem e compromete a qualidade do serviço oferecido à população.

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No caso do Galeão, por exemplo, a Changi, empresa de Cingapura que controla a concessão, afirmou quando decidiu pela devolução que os problemas começaram quando “o Brasil sofreu uma profunda recessão econômica de 2014 ao início de 2016″, seguida por “um fraco crescimento econômico” durante a fase de pós-recessão. O tráfego de passageiros caiu 7% no período, diz comunicado da empresa. Na sequência, veio a pandemia de covid-19, que reduziu em 90% os voos. A maior oferta de voos no aeroporto doméstico do Rio, o Santos Dumont, também contribuiu para frustras a previsão de receita com a operação. Recentemente, a Changi passou a negociar, com o governo federal, sua permanência, mediante um novo contrato, com redução do valor devido pela outorga.

No governo Lula, o tema é considerado emergencial. A ordem é optar pelo pragmatismo para tentar renegociar os contratos, sem a demorada relicitação e sem gastar capital político para alterar a legislação sobre o tema no Congresso. Em reuniões sobre o tema, ministros citam cifras altas (na casa de R$ 100 bilhões) em jogo nos investimentos em infraestrutura que poderiam ser destravados com a resolução dos contratos travados.

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No caso dos aeroportos do Galeão e Viracopos, a intenção do governo federal e das empresas é manter as concessões, atualmente em processo de devolução Foto: Erica Dezonne/Estadão

Em busca de uma saída para o impasse, quatro ministros do governo Lula buscaram o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, para tratar das dificuldades existentes nos processos de relicitação. Os chefes da Casa Civil, Rui Costa, dos Transportes, Renan Filho, da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, e de Portos e Aeroportos, Márcio França, encabeçam a empreitada.

O governo submeteu uma consulta formal à Corte de Contas sobre a possibilidade de o governo desistir de processos de relicitação já em andamento. A ideia é repactuar o contrato e manter a atual concessionária quando isso for possível. No caso dos dois aeroportos, Galeão e Viracopos, há a intenção do governo federal e das empresas em manter as concessões, hoje em processo de devolução.

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O Estadão apurou que a consulta será levada ao plenário do TCU em 21 de junho. Dois pareceres elaborados pela área técnica do tribunal serão debatidos. No primeiro, a avaliação foi que não é possível interromper um processo de devolução da concessão. O segundo, no entanto, diverge desse entendimento e dá aval para o governo repactuar os termos da concessão, a depender da situação de cada contrato. O relator do tema é o ministro Vital do Rêgo.

Ministros consultados pelo Estadão indicam que a tendência na Corte é autorizar, em plenário, que se interrompa o processo de devolução da concessão para uma solução transacionada entre as partes, que pode até manter a operação com a mesma empresa sob novas condições. Isso não libera, imediatamente, a redefinição de contratos específicos, que devem ser analisados caso a caso, mas dá sinal verde ao governo para seguir com os planos em discussão. A avaliação do governo, compartilhada por integrantes do TCU, é que é preciso limpar o passivo para que mais investimentos em infraestrutura surjam.

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Das 11 concessões em debate (o que inclui as duas solucionadas no mês passado), oito foram realizadas no governo Dilma Rousseff. A modelagem das licitações realizadas nesta época é considerada problemática, com outorgas altas e tarifas baixas. Crise econômica e o envolvimento de muitas empresas do setor no escândalo de corrupção revelado pela Lava Jato se somaram ao cenário que levou à frustração dos contratos.

“Naquela etapa da modelagem, falávamos de um Brasil grande. Não falávamos de crescimento abaixo de 3,5%, mas de uma liquidez dos bancos públicos, direcionamento de política pública para os bancos investirem em infraestrutura. Muita gente critica que os privados foram muito arrojados na proposta, o que, de fato, acho que foi um equívoco”, afirma Julio Perdigão, ex-diretor da Rota do Oeste. “Esses financiamentos não saíram para praticamente ninguém e logo depois vieram as crises sucessivas”, diz o executivo.

Ele afirma que, no caso das rodovias, houve explosão nos preços de insumos asfálticos e leis que ampliaram a tolerância com sobrepeso nos veículos, o que agravou o cenário. “Tivemos um pacote de desequilíbrios no setor nos últimos cinco anos que montam a casa de R$ 20 bilhões de arbitragens em curso contra a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Todos os grupos econômicos têm arbitragem, não é possível que todo mundo esteja errado. Existe um problema muito grande que ficou nítido”, afirma Perdigão.

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A Rota do Oeste foi uma das concessionárias que aderiu à relicitação, mas a solução negociada diretamente com o governo estadual se mostrou mais ágil e vantajosa. A operação continua sendo regulada pelo governo federal, mas a empresa MTPar, controlada pelo governo do Mato Grosso, assumiu o contrato no lugar da concessionária criada pela antiga Odebrecht (atual Novonor).

A alternativa só foi possível porque o Estado tinha capacidade de investir na concessão e porque a Rota do Oeste abriu mão do pedido de indenização. É difícil de replicar em outros casos, portanto. A Rota do Oeste vendeu a concessão por R$ 1. A empresa considerou que o problema só crescia com o passar do tempo — simultaneamente, a Novonor cumpre um plano de desinvestimento negociado com credores e trabalha pelo reposicionamento da marca perante à sociedade, após ficar no epicentro da Lava Jato.

Na cerimônia do leilão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o ministro Márcio França destacou que Lula pediu agilidade no governo para tratar do tema. “Esse processo é o primeiro no governo dele, mas também o primeiro deste novo formato”, disse o ministro.

Em 2011, o grupo argentino Inframérica ganhou o contrato de concessão do aeroporto, o primeiro a ser transferido para a iniciativa privada no País. Em 2020, no entanto, a empresa decidiu devolver a concessão. Nesses casos, os serviços devem continuar a ser prestados até que haja solução amigável — o que só aconteceu três anos depois, em maio deste ano, quando a suíça Zurich Airport International AG arrematou o aeroporto.

O governo quer anunciar, em meados do segundo semestre deste ano, a resolução de ao menos outros quatro impasses: a ECO 101, que administra a BR-101 no Espírito Santo e Bahia; a MSVIA, que opera a BR-163 no Mato Grosso do Sul; a Arteris Fluminense, responsável pela BR-101 no Rio de Janeiro; e a Via Bahia, que administra as BRs 116 e 324, na Bahia, e as BAs (rodovias estaduais da Bahia) 526 e 528. As três primeiras estão com processo de relicitação em curso.

Em maio, o Ministério dos Transportes criou grupos de trabalho para discutir a situação dos contratos das quatro concessionárias. A intenção é submeter propostas ao TCU assim que o tribunal der o aval para a renegociação, após a votação que acontecerá no fim deste mês.

“Será que a gente não consegue criar, em alguns casos, uma condição para que esse acionista se mantenha? Exigir que ele coloque mais capital, criar uma trava de retirada de dividendos, mas com um projeto saudável. Tenho certeza de que muitos deles caminhariam nesse sentido”, afirma Perdigão.

A promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de alavancar a infraestrutura nacional esbarra, antes, em um problema: as concessões fracassadas de rodovias, ferrovias e aeroportos que se arrastam há anos sem solução. A maior parte dos nove casos em discussão atualmente em Brasília foi concedida durante o governo da petista Dilma Rousseff, incluindo os aeroportos de Viracopos, em Campinas (SP), e do Galeão, no Rio.

A lista de concessões com problemas inclui ainda as rodovias BR-040 entre Minas e o Distrito Federal, BR-163 no Mato Grosso do Sul, BR 101 entre Espírito Santo e Bahia, BRs 060, 153 e 262 entre DF, Goiás e MG, a BR-101 no Rio de Janeiro e as BRs 116 e 324, na Bahia, além das estaduais BA-526 e BA 528, no mesmo Estado. A ferrovia Malha Oeste, entre Mato Grosso do Sul e São Paulo, também está em processo de devolução.

A via da relicitação, um processo de devolução amigável de concessões aprovado pelo Congresso em 2017, tem se mostrado ineficaz, e o governo discute com as empresas formas de resolver os imbróglios por meio da repactuação dos acordos com ou sem manutenção dos atuais operadores. A relicitação permite que o contrato de concessão de infraestrutura seja extinto e que o governo federal estabeleça novas condições para celebrar uma nova parceria, por meio de outra licitação. Isso acontece quando os requisitos previstos entre setor público e privado para a concessão não estão sendo atendidas, caso da falta de investimentos, por exemplo, em rodovias ou aeroportos. As etapas burocráticas da relicitação fazem o processo levar anos.

Empresas que devolvem as concessões ao aderir a relicitação recebem indenização pelos investimentos realizados e o pagamento pode ser feito pelo novo operador que vencer o leilão de relicitação. Isso torna o processo mais vantajoso para as concessionárias, que poderiam correr o risco de perder a operação, de toda forma, através de um processo de caducidade solicitado pelo poder público -- no qual a indenização entraria em uma fila de precatórios a ser paga pelo estado. Multas aplicadas por órgãos de controle à empresa que possui a concessão, pelo não cumprimento de obrigações do contrato, são descontadas do valor a ser indenizado.

Desde que foi aprovado, o instrumento da relicitação só chegou ao fim uma vez: com a mudança da operação do aeroporto São Gonçalo do Amarante, há um mês. O outro caso bem-sucedido driblou o caminho da relicitação: a responsabilidade pela BR-163 no Mato Grosso passou das mãos do setor privado (Concessionária Rota do Oeste) para as do governo estadual, também neste ano, após muita discussão.

A demora para a conclusão do processo de relicitação e o caminho tortuoso até chegar em uma solução fazem o governo buscar outras formas de destravar a situação das concessões problemáticas. São casos em que a receita das concessionárias ficou frustrada, em parte pelas condições dos leilões estabelecidas no governo Dilma, pela euforia do setor privado e pela crise econômica que atingiu o país e o setor a partir de 2014. Com isso, as empresas não conseguem cumprir o investimento estabelecido nos contratos — o que faz as multas aplicadas se acumularem e compromete a qualidade do serviço oferecido à população.

No caso do Galeão, por exemplo, a Changi, empresa de Cingapura que controla a concessão, afirmou quando decidiu pela devolução que os problemas começaram quando “o Brasil sofreu uma profunda recessão econômica de 2014 ao início de 2016″, seguida por “um fraco crescimento econômico” durante a fase de pós-recessão. O tráfego de passageiros caiu 7% no período, diz comunicado da empresa. Na sequência, veio a pandemia de covid-19, que reduziu em 90% os voos. A maior oferta de voos no aeroporto doméstico do Rio, o Santos Dumont, também contribuiu para frustras a previsão de receita com a operação. Recentemente, a Changi passou a negociar, com o governo federal, sua permanência, mediante um novo contrato, com redução do valor devido pela outorga.

No governo Lula, o tema é considerado emergencial. A ordem é optar pelo pragmatismo para tentar renegociar os contratos, sem a demorada relicitação e sem gastar capital político para alterar a legislação sobre o tema no Congresso. Em reuniões sobre o tema, ministros citam cifras altas (na casa de R$ 100 bilhões) em jogo nos investimentos em infraestrutura que poderiam ser destravados com a resolução dos contratos travados.

No caso dos aeroportos do Galeão e Viracopos, a intenção do governo federal e das empresas é manter as concessões, atualmente em processo de devolução Foto: Erica Dezonne/Estadão

Em busca de uma saída para o impasse, quatro ministros do governo Lula buscaram o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, para tratar das dificuldades existentes nos processos de relicitação. Os chefes da Casa Civil, Rui Costa, dos Transportes, Renan Filho, da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, e de Portos e Aeroportos, Márcio França, encabeçam a empreitada.

O governo submeteu uma consulta formal à Corte de Contas sobre a possibilidade de o governo desistir de processos de relicitação já em andamento. A ideia é repactuar o contrato e manter a atual concessionária quando isso for possível. No caso dos dois aeroportos, Galeão e Viracopos, há a intenção do governo federal e das empresas em manter as concessões, hoje em processo de devolução.

O Estadão apurou que a consulta será levada ao plenário do TCU em 21 de junho. Dois pareceres elaborados pela área técnica do tribunal serão debatidos. No primeiro, a avaliação foi que não é possível interromper um processo de devolução da concessão. O segundo, no entanto, diverge desse entendimento e dá aval para o governo repactuar os termos da concessão, a depender da situação de cada contrato. O relator do tema é o ministro Vital do Rêgo.

Ministros consultados pelo Estadão indicam que a tendência na Corte é autorizar, em plenário, que se interrompa o processo de devolução da concessão para uma solução transacionada entre as partes, que pode até manter a operação com a mesma empresa sob novas condições. Isso não libera, imediatamente, a redefinição de contratos específicos, que devem ser analisados caso a caso, mas dá sinal verde ao governo para seguir com os planos em discussão. A avaliação do governo, compartilhada por integrantes do TCU, é que é preciso limpar o passivo para que mais investimentos em infraestrutura surjam.

Das 11 concessões em debate (o que inclui as duas solucionadas no mês passado), oito foram realizadas no governo Dilma Rousseff. A modelagem das licitações realizadas nesta época é considerada problemática, com outorgas altas e tarifas baixas. Crise econômica e o envolvimento de muitas empresas do setor no escândalo de corrupção revelado pela Lava Jato se somaram ao cenário que levou à frustração dos contratos.

“Naquela etapa da modelagem, falávamos de um Brasil grande. Não falávamos de crescimento abaixo de 3,5%, mas de uma liquidez dos bancos públicos, direcionamento de política pública para os bancos investirem em infraestrutura. Muita gente critica que os privados foram muito arrojados na proposta, o que, de fato, acho que foi um equívoco”, afirma Julio Perdigão, ex-diretor da Rota do Oeste. “Esses financiamentos não saíram para praticamente ninguém e logo depois vieram as crises sucessivas”, diz o executivo.

Ele afirma que, no caso das rodovias, houve explosão nos preços de insumos asfálticos e leis que ampliaram a tolerância com sobrepeso nos veículos, o que agravou o cenário. “Tivemos um pacote de desequilíbrios no setor nos últimos cinco anos que montam a casa de R$ 20 bilhões de arbitragens em curso contra a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Todos os grupos econômicos têm arbitragem, não é possível que todo mundo esteja errado. Existe um problema muito grande que ficou nítido”, afirma Perdigão.

A Rota do Oeste foi uma das concessionárias que aderiu à relicitação, mas a solução negociada diretamente com o governo estadual se mostrou mais ágil e vantajosa. A operação continua sendo regulada pelo governo federal, mas a empresa MTPar, controlada pelo governo do Mato Grosso, assumiu o contrato no lugar da concessionária criada pela antiga Odebrecht (atual Novonor).

A alternativa só foi possível porque o Estado tinha capacidade de investir na concessão e porque a Rota do Oeste abriu mão do pedido de indenização. É difícil de replicar em outros casos, portanto. A Rota do Oeste vendeu a concessão por R$ 1. A empresa considerou que o problema só crescia com o passar do tempo — simultaneamente, a Novonor cumpre um plano de desinvestimento negociado com credores e trabalha pelo reposicionamento da marca perante à sociedade, após ficar no epicentro da Lava Jato.

Na cerimônia do leilão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o ministro Márcio França destacou que Lula pediu agilidade no governo para tratar do tema. “Esse processo é o primeiro no governo dele, mas também o primeiro deste novo formato”, disse o ministro.

Em 2011, o grupo argentino Inframérica ganhou o contrato de concessão do aeroporto, o primeiro a ser transferido para a iniciativa privada no País. Em 2020, no entanto, a empresa decidiu devolver a concessão. Nesses casos, os serviços devem continuar a ser prestados até que haja solução amigável — o que só aconteceu três anos depois, em maio deste ano, quando a suíça Zurich Airport International AG arrematou o aeroporto.

O governo quer anunciar, em meados do segundo semestre deste ano, a resolução de ao menos outros quatro impasses: a ECO 101, que administra a BR-101 no Espírito Santo e Bahia; a MSVIA, que opera a BR-163 no Mato Grosso do Sul; a Arteris Fluminense, responsável pela BR-101 no Rio de Janeiro; e a Via Bahia, que administra as BRs 116 e 324, na Bahia, e as BAs (rodovias estaduais da Bahia) 526 e 528. As três primeiras estão com processo de relicitação em curso.

Em maio, o Ministério dos Transportes criou grupos de trabalho para discutir a situação dos contratos das quatro concessionárias. A intenção é submeter propostas ao TCU assim que o tribunal der o aval para a renegociação, após a votação que acontecerá no fim deste mês.

“Será que a gente não consegue criar, em alguns casos, uma condição para que esse acionista se mantenha? Exigir que ele coloque mais capital, criar uma trava de retirada de dividendos, mas com um projeto saudável. Tenho certeza de que muitos deles caminhariam nesse sentido”, afirma Perdigão.

A promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de alavancar a infraestrutura nacional esbarra, antes, em um problema: as concessões fracassadas de rodovias, ferrovias e aeroportos que se arrastam há anos sem solução. A maior parte dos nove casos em discussão atualmente em Brasília foi concedida durante o governo da petista Dilma Rousseff, incluindo os aeroportos de Viracopos, em Campinas (SP), e do Galeão, no Rio.

A lista de concessões com problemas inclui ainda as rodovias BR-040 entre Minas e o Distrito Federal, BR-163 no Mato Grosso do Sul, BR 101 entre Espírito Santo e Bahia, BRs 060, 153 e 262 entre DF, Goiás e MG, a BR-101 no Rio de Janeiro e as BRs 116 e 324, na Bahia, além das estaduais BA-526 e BA 528, no mesmo Estado. A ferrovia Malha Oeste, entre Mato Grosso do Sul e São Paulo, também está em processo de devolução.

A via da relicitação, um processo de devolução amigável de concessões aprovado pelo Congresso em 2017, tem se mostrado ineficaz, e o governo discute com as empresas formas de resolver os imbróglios por meio da repactuação dos acordos com ou sem manutenção dos atuais operadores. A relicitação permite que o contrato de concessão de infraestrutura seja extinto e que o governo federal estabeleça novas condições para celebrar uma nova parceria, por meio de outra licitação. Isso acontece quando os requisitos previstos entre setor público e privado para a concessão não estão sendo atendidas, caso da falta de investimentos, por exemplo, em rodovias ou aeroportos. As etapas burocráticas da relicitação fazem o processo levar anos.

Empresas que devolvem as concessões ao aderir a relicitação recebem indenização pelos investimentos realizados e o pagamento pode ser feito pelo novo operador que vencer o leilão de relicitação. Isso torna o processo mais vantajoso para as concessionárias, que poderiam correr o risco de perder a operação, de toda forma, através de um processo de caducidade solicitado pelo poder público -- no qual a indenização entraria em uma fila de precatórios a ser paga pelo estado. Multas aplicadas por órgãos de controle à empresa que possui a concessão, pelo não cumprimento de obrigações do contrato, são descontadas do valor a ser indenizado.

Desde que foi aprovado, o instrumento da relicitação só chegou ao fim uma vez: com a mudança da operação do aeroporto São Gonçalo do Amarante, há um mês. O outro caso bem-sucedido driblou o caminho da relicitação: a responsabilidade pela BR-163 no Mato Grosso passou das mãos do setor privado (Concessionária Rota do Oeste) para as do governo estadual, também neste ano, após muita discussão.

A demora para a conclusão do processo de relicitação e o caminho tortuoso até chegar em uma solução fazem o governo buscar outras formas de destravar a situação das concessões problemáticas. São casos em que a receita das concessionárias ficou frustrada, em parte pelas condições dos leilões estabelecidas no governo Dilma, pela euforia do setor privado e pela crise econômica que atingiu o país e o setor a partir de 2014. Com isso, as empresas não conseguem cumprir o investimento estabelecido nos contratos — o que faz as multas aplicadas se acumularem e compromete a qualidade do serviço oferecido à população.

No caso do Galeão, por exemplo, a Changi, empresa de Cingapura que controla a concessão, afirmou quando decidiu pela devolução que os problemas começaram quando “o Brasil sofreu uma profunda recessão econômica de 2014 ao início de 2016″, seguida por “um fraco crescimento econômico” durante a fase de pós-recessão. O tráfego de passageiros caiu 7% no período, diz comunicado da empresa. Na sequência, veio a pandemia de covid-19, que reduziu em 90% os voos. A maior oferta de voos no aeroporto doméstico do Rio, o Santos Dumont, também contribuiu para frustras a previsão de receita com a operação. Recentemente, a Changi passou a negociar, com o governo federal, sua permanência, mediante um novo contrato, com redução do valor devido pela outorga.

No governo Lula, o tema é considerado emergencial. A ordem é optar pelo pragmatismo para tentar renegociar os contratos, sem a demorada relicitação e sem gastar capital político para alterar a legislação sobre o tema no Congresso. Em reuniões sobre o tema, ministros citam cifras altas (na casa de R$ 100 bilhões) em jogo nos investimentos em infraestrutura que poderiam ser destravados com a resolução dos contratos travados.

No caso dos aeroportos do Galeão e Viracopos, a intenção do governo federal e das empresas é manter as concessões, atualmente em processo de devolução Foto: Erica Dezonne/Estadão

Em busca de uma saída para o impasse, quatro ministros do governo Lula buscaram o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, para tratar das dificuldades existentes nos processos de relicitação. Os chefes da Casa Civil, Rui Costa, dos Transportes, Renan Filho, da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, e de Portos e Aeroportos, Márcio França, encabeçam a empreitada.

O governo submeteu uma consulta formal à Corte de Contas sobre a possibilidade de o governo desistir de processos de relicitação já em andamento. A ideia é repactuar o contrato e manter a atual concessionária quando isso for possível. No caso dos dois aeroportos, Galeão e Viracopos, há a intenção do governo federal e das empresas em manter as concessões, hoje em processo de devolução.

O Estadão apurou que a consulta será levada ao plenário do TCU em 21 de junho. Dois pareceres elaborados pela área técnica do tribunal serão debatidos. No primeiro, a avaliação foi que não é possível interromper um processo de devolução da concessão. O segundo, no entanto, diverge desse entendimento e dá aval para o governo repactuar os termos da concessão, a depender da situação de cada contrato. O relator do tema é o ministro Vital do Rêgo.

Ministros consultados pelo Estadão indicam que a tendência na Corte é autorizar, em plenário, que se interrompa o processo de devolução da concessão para uma solução transacionada entre as partes, que pode até manter a operação com a mesma empresa sob novas condições. Isso não libera, imediatamente, a redefinição de contratos específicos, que devem ser analisados caso a caso, mas dá sinal verde ao governo para seguir com os planos em discussão. A avaliação do governo, compartilhada por integrantes do TCU, é que é preciso limpar o passivo para que mais investimentos em infraestrutura surjam.

Das 11 concessões em debate (o que inclui as duas solucionadas no mês passado), oito foram realizadas no governo Dilma Rousseff. A modelagem das licitações realizadas nesta época é considerada problemática, com outorgas altas e tarifas baixas. Crise econômica e o envolvimento de muitas empresas do setor no escândalo de corrupção revelado pela Lava Jato se somaram ao cenário que levou à frustração dos contratos.

“Naquela etapa da modelagem, falávamos de um Brasil grande. Não falávamos de crescimento abaixo de 3,5%, mas de uma liquidez dos bancos públicos, direcionamento de política pública para os bancos investirem em infraestrutura. Muita gente critica que os privados foram muito arrojados na proposta, o que, de fato, acho que foi um equívoco”, afirma Julio Perdigão, ex-diretor da Rota do Oeste. “Esses financiamentos não saíram para praticamente ninguém e logo depois vieram as crises sucessivas”, diz o executivo.

Ele afirma que, no caso das rodovias, houve explosão nos preços de insumos asfálticos e leis que ampliaram a tolerância com sobrepeso nos veículos, o que agravou o cenário. “Tivemos um pacote de desequilíbrios no setor nos últimos cinco anos que montam a casa de R$ 20 bilhões de arbitragens em curso contra a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Todos os grupos econômicos têm arbitragem, não é possível que todo mundo esteja errado. Existe um problema muito grande que ficou nítido”, afirma Perdigão.

A Rota do Oeste foi uma das concessionárias que aderiu à relicitação, mas a solução negociada diretamente com o governo estadual se mostrou mais ágil e vantajosa. A operação continua sendo regulada pelo governo federal, mas a empresa MTPar, controlada pelo governo do Mato Grosso, assumiu o contrato no lugar da concessionária criada pela antiga Odebrecht (atual Novonor).

A alternativa só foi possível porque o Estado tinha capacidade de investir na concessão e porque a Rota do Oeste abriu mão do pedido de indenização. É difícil de replicar em outros casos, portanto. A Rota do Oeste vendeu a concessão por R$ 1. A empresa considerou que o problema só crescia com o passar do tempo — simultaneamente, a Novonor cumpre um plano de desinvestimento negociado com credores e trabalha pelo reposicionamento da marca perante à sociedade, após ficar no epicentro da Lava Jato.

Na cerimônia do leilão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o ministro Márcio França destacou que Lula pediu agilidade no governo para tratar do tema. “Esse processo é o primeiro no governo dele, mas também o primeiro deste novo formato”, disse o ministro.

Em 2011, o grupo argentino Inframérica ganhou o contrato de concessão do aeroporto, o primeiro a ser transferido para a iniciativa privada no País. Em 2020, no entanto, a empresa decidiu devolver a concessão. Nesses casos, os serviços devem continuar a ser prestados até que haja solução amigável — o que só aconteceu três anos depois, em maio deste ano, quando a suíça Zurich Airport International AG arrematou o aeroporto.

O governo quer anunciar, em meados do segundo semestre deste ano, a resolução de ao menos outros quatro impasses: a ECO 101, que administra a BR-101 no Espírito Santo e Bahia; a MSVIA, que opera a BR-163 no Mato Grosso do Sul; a Arteris Fluminense, responsável pela BR-101 no Rio de Janeiro; e a Via Bahia, que administra as BRs 116 e 324, na Bahia, e as BAs (rodovias estaduais da Bahia) 526 e 528. As três primeiras estão com processo de relicitação em curso.

Em maio, o Ministério dos Transportes criou grupos de trabalho para discutir a situação dos contratos das quatro concessionárias. A intenção é submeter propostas ao TCU assim que o tribunal der o aval para a renegociação, após a votação que acontecerá no fim deste mês.

“Será que a gente não consegue criar, em alguns casos, uma condição para que esse acionista se mantenha? Exigir que ele coloque mais capital, criar uma trava de retirada de dividendos, mas com um projeto saudável. Tenho certeza de que muitos deles caminhariam nesse sentido”, afirma Perdigão.

A promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de alavancar a infraestrutura nacional esbarra, antes, em um problema: as concessões fracassadas de rodovias, ferrovias e aeroportos que se arrastam há anos sem solução. A maior parte dos nove casos em discussão atualmente em Brasília foi concedida durante o governo da petista Dilma Rousseff, incluindo os aeroportos de Viracopos, em Campinas (SP), e do Galeão, no Rio.

A lista de concessões com problemas inclui ainda as rodovias BR-040 entre Minas e o Distrito Federal, BR-163 no Mato Grosso do Sul, BR 101 entre Espírito Santo e Bahia, BRs 060, 153 e 262 entre DF, Goiás e MG, a BR-101 no Rio de Janeiro e as BRs 116 e 324, na Bahia, além das estaduais BA-526 e BA 528, no mesmo Estado. A ferrovia Malha Oeste, entre Mato Grosso do Sul e São Paulo, também está em processo de devolução.

A via da relicitação, um processo de devolução amigável de concessões aprovado pelo Congresso em 2017, tem se mostrado ineficaz, e o governo discute com as empresas formas de resolver os imbróglios por meio da repactuação dos acordos com ou sem manutenção dos atuais operadores. A relicitação permite que o contrato de concessão de infraestrutura seja extinto e que o governo federal estabeleça novas condições para celebrar uma nova parceria, por meio de outra licitação. Isso acontece quando os requisitos previstos entre setor público e privado para a concessão não estão sendo atendidas, caso da falta de investimentos, por exemplo, em rodovias ou aeroportos. As etapas burocráticas da relicitação fazem o processo levar anos.

Empresas que devolvem as concessões ao aderir a relicitação recebem indenização pelos investimentos realizados e o pagamento pode ser feito pelo novo operador que vencer o leilão de relicitação. Isso torna o processo mais vantajoso para as concessionárias, que poderiam correr o risco de perder a operação, de toda forma, através de um processo de caducidade solicitado pelo poder público -- no qual a indenização entraria em uma fila de precatórios a ser paga pelo estado. Multas aplicadas por órgãos de controle à empresa que possui a concessão, pelo não cumprimento de obrigações do contrato, são descontadas do valor a ser indenizado.

Desde que foi aprovado, o instrumento da relicitação só chegou ao fim uma vez: com a mudança da operação do aeroporto São Gonçalo do Amarante, há um mês. O outro caso bem-sucedido driblou o caminho da relicitação: a responsabilidade pela BR-163 no Mato Grosso passou das mãos do setor privado (Concessionária Rota do Oeste) para as do governo estadual, também neste ano, após muita discussão.

A demora para a conclusão do processo de relicitação e o caminho tortuoso até chegar em uma solução fazem o governo buscar outras formas de destravar a situação das concessões problemáticas. São casos em que a receita das concessionárias ficou frustrada, em parte pelas condições dos leilões estabelecidas no governo Dilma, pela euforia do setor privado e pela crise econômica que atingiu o país e o setor a partir de 2014. Com isso, as empresas não conseguem cumprir o investimento estabelecido nos contratos — o que faz as multas aplicadas se acumularem e compromete a qualidade do serviço oferecido à população.

No caso do Galeão, por exemplo, a Changi, empresa de Cingapura que controla a concessão, afirmou quando decidiu pela devolução que os problemas começaram quando “o Brasil sofreu uma profunda recessão econômica de 2014 ao início de 2016″, seguida por “um fraco crescimento econômico” durante a fase de pós-recessão. O tráfego de passageiros caiu 7% no período, diz comunicado da empresa. Na sequência, veio a pandemia de covid-19, que reduziu em 90% os voos. A maior oferta de voos no aeroporto doméstico do Rio, o Santos Dumont, também contribuiu para frustras a previsão de receita com a operação. Recentemente, a Changi passou a negociar, com o governo federal, sua permanência, mediante um novo contrato, com redução do valor devido pela outorga.

No governo Lula, o tema é considerado emergencial. A ordem é optar pelo pragmatismo para tentar renegociar os contratos, sem a demorada relicitação e sem gastar capital político para alterar a legislação sobre o tema no Congresso. Em reuniões sobre o tema, ministros citam cifras altas (na casa de R$ 100 bilhões) em jogo nos investimentos em infraestrutura que poderiam ser destravados com a resolução dos contratos travados.

No caso dos aeroportos do Galeão e Viracopos, a intenção do governo federal e das empresas é manter as concessões, atualmente em processo de devolução Foto: Erica Dezonne/Estadão

Em busca de uma saída para o impasse, quatro ministros do governo Lula buscaram o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, para tratar das dificuldades existentes nos processos de relicitação. Os chefes da Casa Civil, Rui Costa, dos Transportes, Renan Filho, da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, e de Portos e Aeroportos, Márcio França, encabeçam a empreitada.

O governo submeteu uma consulta formal à Corte de Contas sobre a possibilidade de o governo desistir de processos de relicitação já em andamento. A ideia é repactuar o contrato e manter a atual concessionária quando isso for possível. No caso dos dois aeroportos, Galeão e Viracopos, há a intenção do governo federal e das empresas em manter as concessões, hoje em processo de devolução.

O Estadão apurou que a consulta será levada ao plenário do TCU em 21 de junho. Dois pareceres elaborados pela área técnica do tribunal serão debatidos. No primeiro, a avaliação foi que não é possível interromper um processo de devolução da concessão. O segundo, no entanto, diverge desse entendimento e dá aval para o governo repactuar os termos da concessão, a depender da situação de cada contrato. O relator do tema é o ministro Vital do Rêgo.

Ministros consultados pelo Estadão indicam que a tendência na Corte é autorizar, em plenário, que se interrompa o processo de devolução da concessão para uma solução transacionada entre as partes, que pode até manter a operação com a mesma empresa sob novas condições. Isso não libera, imediatamente, a redefinição de contratos específicos, que devem ser analisados caso a caso, mas dá sinal verde ao governo para seguir com os planos em discussão. A avaliação do governo, compartilhada por integrantes do TCU, é que é preciso limpar o passivo para que mais investimentos em infraestrutura surjam.

Das 11 concessões em debate (o que inclui as duas solucionadas no mês passado), oito foram realizadas no governo Dilma Rousseff. A modelagem das licitações realizadas nesta época é considerada problemática, com outorgas altas e tarifas baixas. Crise econômica e o envolvimento de muitas empresas do setor no escândalo de corrupção revelado pela Lava Jato se somaram ao cenário que levou à frustração dos contratos.

“Naquela etapa da modelagem, falávamos de um Brasil grande. Não falávamos de crescimento abaixo de 3,5%, mas de uma liquidez dos bancos públicos, direcionamento de política pública para os bancos investirem em infraestrutura. Muita gente critica que os privados foram muito arrojados na proposta, o que, de fato, acho que foi um equívoco”, afirma Julio Perdigão, ex-diretor da Rota do Oeste. “Esses financiamentos não saíram para praticamente ninguém e logo depois vieram as crises sucessivas”, diz o executivo.

Ele afirma que, no caso das rodovias, houve explosão nos preços de insumos asfálticos e leis que ampliaram a tolerância com sobrepeso nos veículos, o que agravou o cenário. “Tivemos um pacote de desequilíbrios no setor nos últimos cinco anos que montam a casa de R$ 20 bilhões de arbitragens em curso contra a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Todos os grupos econômicos têm arbitragem, não é possível que todo mundo esteja errado. Existe um problema muito grande que ficou nítido”, afirma Perdigão.

A Rota do Oeste foi uma das concessionárias que aderiu à relicitação, mas a solução negociada diretamente com o governo estadual se mostrou mais ágil e vantajosa. A operação continua sendo regulada pelo governo federal, mas a empresa MTPar, controlada pelo governo do Mato Grosso, assumiu o contrato no lugar da concessionária criada pela antiga Odebrecht (atual Novonor).

A alternativa só foi possível porque o Estado tinha capacidade de investir na concessão e porque a Rota do Oeste abriu mão do pedido de indenização. É difícil de replicar em outros casos, portanto. A Rota do Oeste vendeu a concessão por R$ 1. A empresa considerou que o problema só crescia com o passar do tempo — simultaneamente, a Novonor cumpre um plano de desinvestimento negociado com credores e trabalha pelo reposicionamento da marca perante à sociedade, após ficar no epicentro da Lava Jato.

Na cerimônia do leilão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o ministro Márcio França destacou que Lula pediu agilidade no governo para tratar do tema. “Esse processo é o primeiro no governo dele, mas também o primeiro deste novo formato”, disse o ministro.

Em 2011, o grupo argentino Inframérica ganhou o contrato de concessão do aeroporto, o primeiro a ser transferido para a iniciativa privada no País. Em 2020, no entanto, a empresa decidiu devolver a concessão. Nesses casos, os serviços devem continuar a ser prestados até que haja solução amigável — o que só aconteceu três anos depois, em maio deste ano, quando a suíça Zurich Airport International AG arrematou o aeroporto.

O governo quer anunciar, em meados do segundo semestre deste ano, a resolução de ao menos outros quatro impasses: a ECO 101, que administra a BR-101 no Espírito Santo e Bahia; a MSVIA, que opera a BR-163 no Mato Grosso do Sul; a Arteris Fluminense, responsável pela BR-101 no Rio de Janeiro; e a Via Bahia, que administra as BRs 116 e 324, na Bahia, e as BAs (rodovias estaduais da Bahia) 526 e 528. As três primeiras estão com processo de relicitação em curso.

Em maio, o Ministério dos Transportes criou grupos de trabalho para discutir a situação dos contratos das quatro concessionárias. A intenção é submeter propostas ao TCU assim que o tribunal der o aval para a renegociação, após a votação que acontecerá no fim deste mês.

“Será que a gente não consegue criar, em alguns casos, uma condição para que esse acionista se mantenha? Exigir que ele coloque mais capital, criar uma trava de retirada de dividendos, mas com um projeto saudável. Tenho certeza de que muitos deles caminhariam nesse sentido”, afirma Perdigão.

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