Falta de consulta a Congresso e risco de judicialização podem travar pacote


Passsar pelo Congresso deve ser o primeiro teste de Haddad para aprovar ajustes fiscais

Por Adriana Fernandes e Anna Carolina Papp

BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um plano ambicioso para reverter o rombo das contas públicas no primeiro ano de governo, subiu o sarrafo da meta fiscal, mas tem pela frente vários obstáculos. O primeiro deles: as medidas precisam passar pelo Congresso, que não foi consultado pela equipe econômica.

A volta da cobrança dos tributos federais sobre a gasolina e o álcool, a partir de primeiro de março, que pode garantir R$ 29 bilhões de arrecadação, não está garantido, dependendo de uma decisão da esfera política do governo, como deixou claro o ministro Haddad, no anúncio das medidas, na última quinta-feira.

Outro obstáculo a ser enfrentado para o pacote dar certo é que parte das medidas, concentradas 80% em recuperação de receitas com o incentivo ao fim de litígios com a Receita, depende do comportamento dos contribuintes. “O ministro Fernando Haddad está trabalhando dentro do espaço político que foi dado a ele”, diz o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper. “Mas, não dá para equilibrar as contas públicas só pelo lado da receita, porque a carga tributária do País já é muito alta.”

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Haddad precisará enfrentar o Congresso para aprovar ajustes fiscais Foto: Wilton Junior/Estadão

Ele discorda da avaliação do secretário do Tesouro, Rogério Ceron, de que as medidas ajudarão a estabilizar a trajetória da dívida pública, pois boa parte das medidas tem caráter temporário. “O pacote está muito concentrado em fechar as contas de 2023; mas, a partir de 2024, o déficit volta”, diz. Nas contas do economista, mantidas as medidas propostas e retirando as de caráter não recorrentes, o rombo das contas no governo federal em 2024 será de 1,8% do PIB. “Para estabilizar a dívida pública líquida, você precisa de um superávit de 2% do PIB. Estamos falando de um ajuste de 3,8 pontos porcentuais, o que dá mais ou menos R$ 400 bilhões. É muito dinheiro, que não dá para conseguir através de ajuste de receita. Você tem de fazer reformas mais profundas”, afirma.

Pelo lado da despesa, ele questiona a proposta de o governo não executar R$ 25 bilhões do Orçamento em 2023. “Não tem amparo legal para isso. Porque, desde 2019, o orçamento é impositivo. Então, você pode contingenciar despesa se estiver sob o risco de descumprir o resultado primário ou o teto de gastos. Mas isso não vai acontecer, porque colocaram um monte de despesas fora das regras fiscais, como o piso da enfermagem e os investimentos com o chamado excesso de arrecadação”, afirmou.

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Voto de qualidade

A mais polêmica das medidas e maior aposta do governo para recuperar receita, com potencial de arrecadação de R$ 50 bilhões em 2023, é a volta do “voto de qualidade” em casos de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tribunal que julga no âmbito administrativo recursos dos contribuintes contra autuações da Receita Federal composto de forma paritária por representantes do Fisco e dos contribuintes.

Desde 2020, em caso de empate no julgamento de autos de infração, o caso era resolvido de forma favorável aos contribuintes. Com a nova Medida Provisória (MP) editada pelo governo Lula, os presidentes dos órgãos julgadores, sempre conselheiros representantes da Fazenda Nacional, voltam a ter o poder de desempatar o julgamento, por meio do voto de qualidade.A medida contribuiu para reduzir a arrecadação de impostos e contribuições federais, mas até a atual ministra do Planejamento, Simone Tebet, votou favorável à mudança.

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“Mexer em voto de qualidade é um baita desrespeito com o Congresso, que há dois anos legislou sobre isso”, diz o tributarista Luiz Gustavo Bichara, do escritório do mesmo nome. Para ele, essa medida parte do pressuposto de que o Carf é um órgão que tem que ajudar na arrecadação do governo. “Não é. O Carf é um órgão que tem que julgar as cobranças tributárias de acordo com a lei com cidadania tributária”, critica Bichara, que é procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e membro da comissão de juristas instituída pelo Senado Federal para reforma da legislação sobre processo administrativo e tributário. Ele destaca que algumas das medidas tratadas no pacote foram tratadas nos projetos apresentados ao Senado pela comissão.

Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), avalia a medida como um “retrocesso muito grande”. “Vai aumentar a judicialização, porque o Carf vai voltar a agir como estava agindo antes da revogação do voto de qualidade: todas as questões relevantes eram decididas contrariamente aos contribuintes, que são a parte mais fraca”, afirma. Ele disse que vai se reunir com representantes de outras instituições do judiciário e da área tributária para traçar uma estratégia de como a medida pode ser barrada no Congresso Nacional.

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Rafael Vega, sócio tributário da Cascione Advogados, não considera o voto de qualidade inconstitucional, mas afirma que ele tem de ser bem usado para evitar abusos. “O voto de qualidade pró-Fisco não pode servir para o Carf bater de frente com o Judiciário nas matérias em que ele é pró-contribuinte, porque aí é só um desserviço, é só uma postergação de litígio”, diz.

A posição apresentada pelo ministro Haddad foi a de que o governo teve um prejuízo de R$ 60 bilhões por ano depois do fim do voto de qualidade. A fala do ministro foi contestada pelos tributaristas com o argumento de que a perda de arrecadação se deve ao fato de que o Carf nos últimos dois anos só estava julgando, por vídeo, casos de até R$ 8 milhões. Na área econômica, há uma avaliação de que essa será a grande batalha do pacote, mas com grandes chances de ser aprovada no Congresso, com o argumento de que esse critério de julgamento não encontra precedente nos outros países.

Outro ponto que o governo precisa vencer é o risco de judicialização. O governo quer acabar com o pacote fazer uma “faxina” nos litígios com os contribuintes, mas acabou criando uma nova disputa judicial ao revogar decreto do último dia do governo Bolsonaro que reduzia em 50% as alíquotas do PIS/Cofins sobre as receitas financeiras das grandes empresas.

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Mensagem de Haddad

Se entre os tributaristas o pacote não foi bem recebido, no mercado financeiro a recepção foi mais positiva. O economista da XP Investimentos, Rodolfo Margato, disse ao Estadão o balanço do pacote é positivo com a mensagem dada por Haddad de busca por equilíbrio orçamento e de que receitas e despesas vão caminhar para o mesmo nível de 2022 em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). “Essa é uma avaliação vista com bons olhos pelo mercado tendo em vista o aumento significativo de despesa da PEC da Transição”, avalia, que lembra que o mercado vinha trabalhando com um cenário de deterioração fiscal.

Ele pondera, no entanto, que algumas das estimativas dependem da adesão dos contribuintes. Com o pacote, a XP projeta que o déficit primário das contas do governo possa diminuir de R$ 167,0 bilhões (1,6% do PIB) para R$ 84,0 bilhões (0,8% do PIB) em 2023. No relatório, a XP acredita que pode haver judicialização sobre as medidas do Carf e, por isso é mais difícil estimar os resultados da medida. “Não esperamos nenhum ingresso relevante de receitas advindos dela”.

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Marcos Mendes avaliou como positiva a criação do comitê de monitoramento de riscos fiscais e a prioridade dada à avaliação de políticas públicas, mas reforçou a necessidade de ajuste fiscal mais focado no corte de despesas: não só a volta da tributação federal sobre os combustíveis, mas a reoneração do IPI, o corte de benefícios tributários e a reforma do Bolsa Família, já na mira do Ministério do Desenvolvimento Social. “O ministro reclamou que Paulo Guedes fez muitas desonerações. Então, reonere. Mas há limitações políticas para isso”, observa.

Ele afirma que o governo pode tentar equilibrar a dificuldade de fazer o ajuste fiscal necessário com “outras notícias positivas na economia”: “acelerando a reforma tributária e apresentando um substituto ao teto de gastos que tenha boa qualidade técnica e que consiga convencer a sociedade a respeitar esse novo limite de gastos”, diz.

Cálculo é de impacto de R$ 242,7 bilhões com medidas

Reestimativa de receitas

Previsão da equipe econômica é de impacto de até R$ 36,40 bilhões nas contas públicas

Aproveitamento de crédito do ICMS

Previsão de R$ 30 bilhões

Cobrança do PIS/Cofins sobre receita financeira

R$ 4,4 bilhões

Cobrança do PIS/Cofins sobre combustíveis

R$ 28,88 bilhões

Mudança no Carf para acelerar processos e desempatar a favor do governo

R$ 50 bilhões

Incentivo para denúncia espontânea de sonegação

R$ 20 bilhões

Utilização de recursos parados do PIS/Pasep

R$ 23 bilhões

Revisão de contratos e programas

Pelo lado da despesa, a estimativa incluída no pacote com este item é de R$ 25 bilhões

Gastar menos do que o autorizado no Orçamento de 2023

Economia prevista de até R$ 25 bilhões

BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um plano ambicioso para reverter o rombo das contas públicas no primeiro ano de governo, subiu o sarrafo da meta fiscal, mas tem pela frente vários obstáculos. O primeiro deles: as medidas precisam passar pelo Congresso, que não foi consultado pela equipe econômica.

A volta da cobrança dos tributos federais sobre a gasolina e o álcool, a partir de primeiro de março, que pode garantir R$ 29 bilhões de arrecadação, não está garantido, dependendo de uma decisão da esfera política do governo, como deixou claro o ministro Haddad, no anúncio das medidas, na última quinta-feira.

Outro obstáculo a ser enfrentado para o pacote dar certo é que parte das medidas, concentradas 80% em recuperação de receitas com o incentivo ao fim de litígios com a Receita, depende do comportamento dos contribuintes. “O ministro Fernando Haddad está trabalhando dentro do espaço político que foi dado a ele”, diz o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper. “Mas, não dá para equilibrar as contas públicas só pelo lado da receita, porque a carga tributária do País já é muito alta.”

Haddad precisará enfrentar o Congresso para aprovar ajustes fiscais Foto: Wilton Junior/Estadão

Ele discorda da avaliação do secretário do Tesouro, Rogério Ceron, de que as medidas ajudarão a estabilizar a trajetória da dívida pública, pois boa parte das medidas tem caráter temporário. “O pacote está muito concentrado em fechar as contas de 2023; mas, a partir de 2024, o déficit volta”, diz. Nas contas do economista, mantidas as medidas propostas e retirando as de caráter não recorrentes, o rombo das contas no governo federal em 2024 será de 1,8% do PIB. “Para estabilizar a dívida pública líquida, você precisa de um superávit de 2% do PIB. Estamos falando de um ajuste de 3,8 pontos porcentuais, o que dá mais ou menos R$ 400 bilhões. É muito dinheiro, que não dá para conseguir através de ajuste de receita. Você tem de fazer reformas mais profundas”, afirma.

Pelo lado da despesa, ele questiona a proposta de o governo não executar R$ 25 bilhões do Orçamento em 2023. “Não tem amparo legal para isso. Porque, desde 2019, o orçamento é impositivo. Então, você pode contingenciar despesa se estiver sob o risco de descumprir o resultado primário ou o teto de gastos. Mas isso não vai acontecer, porque colocaram um monte de despesas fora das regras fiscais, como o piso da enfermagem e os investimentos com o chamado excesso de arrecadação”, afirmou.

Voto de qualidade

A mais polêmica das medidas e maior aposta do governo para recuperar receita, com potencial de arrecadação de R$ 50 bilhões em 2023, é a volta do “voto de qualidade” em casos de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tribunal que julga no âmbito administrativo recursos dos contribuintes contra autuações da Receita Federal composto de forma paritária por representantes do Fisco e dos contribuintes.

Desde 2020, em caso de empate no julgamento de autos de infração, o caso era resolvido de forma favorável aos contribuintes. Com a nova Medida Provisória (MP) editada pelo governo Lula, os presidentes dos órgãos julgadores, sempre conselheiros representantes da Fazenda Nacional, voltam a ter o poder de desempatar o julgamento, por meio do voto de qualidade.A medida contribuiu para reduzir a arrecadação de impostos e contribuições federais, mas até a atual ministra do Planejamento, Simone Tebet, votou favorável à mudança.

“Mexer em voto de qualidade é um baita desrespeito com o Congresso, que há dois anos legislou sobre isso”, diz o tributarista Luiz Gustavo Bichara, do escritório do mesmo nome. Para ele, essa medida parte do pressuposto de que o Carf é um órgão que tem que ajudar na arrecadação do governo. “Não é. O Carf é um órgão que tem que julgar as cobranças tributárias de acordo com a lei com cidadania tributária”, critica Bichara, que é procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e membro da comissão de juristas instituída pelo Senado Federal para reforma da legislação sobre processo administrativo e tributário. Ele destaca que algumas das medidas tratadas no pacote foram tratadas nos projetos apresentados ao Senado pela comissão.

Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), avalia a medida como um “retrocesso muito grande”. “Vai aumentar a judicialização, porque o Carf vai voltar a agir como estava agindo antes da revogação do voto de qualidade: todas as questões relevantes eram decididas contrariamente aos contribuintes, que são a parte mais fraca”, afirma. Ele disse que vai se reunir com representantes de outras instituições do judiciário e da área tributária para traçar uma estratégia de como a medida pode ser barrada no Congresso Nacional.

Rafael Vega, sócio tributário da Cascione Advogados, não considera o voto de qualidade inconstitucional, mas afirma que ele tem de ser bem usado para evitar abusos. “O voto de qualidade pró-Fisco não pode servir para o Carf bater de frente com o Judiciário nas matérias em que ele é pró-contribuinte, porque aí é só um desserviço, é só uma postergação de litígio”, diz.

A posição apresentada pelo ministro Haddad foi a de que o governo teve um prejuízo de R$ 60 bilhões por ano depois do fim do voto de qualidade. A fala do ministro foi contestada pelos tributaristas com o argumento de que a perda de arrecadação se deve ao fato de que o Carf nos últimos dois anos só estava julgando, por vídeo, casos de até R$ 8 milhões. Na área econômica, há uma avaliação de que essa será a grande batalha do pacote, mas com grandes chances de ser aprovada no Congresso, com o argumento de que esse critério de julgamento não encontra precedente nos outros países.

Outro ponto que o governo precisa vencer é o risco de judicialização. O governo quer acabar com o pacote fazer uma “faxina” nos litígios com os contribuintes, mas acabou criando uma nova disputa judicial ao revogar decreto do último dia do governo Bolsonaro que reduzia em 50% as alíquotas do PIS/Cofins sobre as receitas financeiras das grandes empresas.

Mensagem de Haddad

Se entre os tributaristas o pacote não foi bem recebido, no mercado financeiro a recepção foi mais positiva. O economista da XP Investimentos, Rodolfo Margato, disse ao Estadão o balanço do pacote é positivo com a mensagem dada por Haddad de busca por equilíbrio orçamento e de que receitas e despesas vão caminhar para o mesmo nível de 2022 em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). “Essa é uma avaliação vista com bons olhos pelo mercado tendo em vista o aumento significativo de despesa da PEC da Transição”, avalia, que lembra que o mercado vinha trabalhando com um cenário de deterioração fiscal.

Ele pondera, no entanto, que algumas das estimativas dependem da adesão dos contribuintes. Com o pacote, a XP projeta que o déficit primário das contas do governo possa diminuir de R$ 167,0 bilhões (1,6% do PIB) para R$ 84,0 bilhões (0,8% do PIB) em 2023. No relatório, a XP acredita que pode haver judicialização sobre as medidas do Carf e, por isso é mais difícil estimar os resultados da medida. “Não esperamos nenhum ingresso relevante de receitas advindos dela”.

Marcos Mendes avaliou como positiva a criação do comitê de monitoramento de riscos fiscais e a prioridade dada à avaliação de políticas públicas, mas reforçou a necessidade de ajuste fiscal mais focado no corte de despesas: não só a volta da tributação federal sobre os combustíveis, mas a reoneração do IPI, o corte de benefícios tributários e a reforma do Bolsa Família, já na mira do Ministério do Desenvolvimento Social. “O ministro reclamou que Paulo Guedes fez muitas desonerações. Então, reonere. Mas há limitações políticas para isso”, observa.

Ele afirma que o governo pode tentar equilibrar a dificuldade de fazer o ajuste fiscal necessário com “outras notícias positivas na economia”: “acelerando a reforma tributária e apresentando um substituto ao teto de gastos que tenha boa qualidade técnica e que consiga convencer a sociedade a respeitar esse novo limite de gastos”, diz.

Cálculo é de impacto de R$ 242,7 bilhões com medidas

Reestimativa de receitas

Previsão da equipe econômica é de impacto de até R$ 36,40 bilhões nas contas públicas

Aproveitamento de crédito do ICMS

Previsão de R$ 30 bilhões

Cobrança do PIS/Cofins sobre receita financeira

R$ 4,4 bilhões

Cobrança do PIS/Cofins sobre combustíveis

R$ 28,88 bilhões

Mudança no Carf para acelerar processos e desempatar a favor do governo

R$ 50 bilhões

Incentivo para denúncia espontânea de sonegação

R$ 20 bilhões

Utilização de recursos parados do PIS/Pasep

R$ 23 bilhões

Revisão de contratos e programas

Pelo lado da despesa, a estimativa incluída no pacote com este item é de R$ 25 bilhões

Gastar menos do que o autorizado no Orçamento de 2023

Economia prevista de até R$ 25 bilhões

BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um plano ambicioso para reverter o rombo das contas públicas no primeiro ano de governo, subiu o sarrafo da meta fiscal, mas tem pela frente vários obstáculos. O primeiro deles: as medidas precisam passar pelo Congresso, que não foi consultado pela equipe econômica.

A volta da cobrança dos tributos federais sobre a gasolina e o álcool, a partir de primeiro de março, que pode garantir R$ 29 bilhões de arrecadação, não está garantido, dependendo de uma decisão da esfera política do governo, como deixou claro o ministro Haddad, no anúncio das medidas, na última quinta-feira.

Outro obstáculo a ser enfrentado para o pacote dar certo é que parte das medidas, concentradas 80% em recuperação de receitas com o incentivo ao fim de litígios com a Receita, depende do comportamento dos contribuintes. “O ministro Fernando Haddad está trabalhando dentro do espaço político que foi dado a ele”, diz o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper. “Mas, não dá para equilibrar as contas públicas só pelo lado da receita, porque a carga tributária do País já é muito alta.”

Haddad precisará enfrentar o Congresso para aprovar ajustes fiscais Foto: Wilton Junior/Estadão

Ele discorda da avaliação do secretário do Tesouro, Rogério Ceron, de que as medidas ajudarão a estabilizar a trajetória da dívida pública, pois boa parte das medidas tem caráter temporário. “O pacote está muito concentrado em fechar as contas de 2023; mas, a partir de 2024, o déficit volta”, diz. Nas contas do economista, mantidas as medidas propostas e retirando as de caráter não recorrentes, o rombo das contas no governo federal em 2024 será de 1,8% do PIB. “Para estabilizar a dívida pública líquida, você precisa de um superávit de 2% do PIB. Estamos falando de um ajuste de 3,8 pontos porcentuais, o que dá mais ou menos R$ 400 bilhões. É muito dinheiro, que não dá para conseguir através de ajuste de receita. Você tem de fazer reformas mais profundas”, afirma.

Pelo lado da despesa, ele questiona a proposta de o governo não executar R$ 25 bilhões do Orçamento em 2023. “Não tem amparo legal para isso. Porque, desde 2019, o orçamento é impositivo. Então, você pode contingenciar despesa se estiver sob o risco de descumprir o resultado primário ou o teto de gastos. Mas isso não vai acontecer, porque colocaram um monte de despesas fora das regras fiscais, como o piso da enfermagem e os investimentos com o chamado excesso de arrecadação”, afirmou.

Voto de qualidade

A mais polêmica das medidas e maior aposta do governo para recuperar receita, com potencial de arrecadação de R$ 50 bilhões em 2023, é a volta do “voto de qualidade” em casos de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tribunal que julga no âmbito administrativo recursos dos contribuintes contra autuações da Receita Federal composto de forma paritária por representantes do Fisco e dos contribuintes.

Desde 2020, em caso de empate no julgamento de autos de infração, o caso era resolvido de forma favorável aos contribuintes. Com a nova Medida Provisória (MP) editada pelo governo Lula, os presidentes dos órgãos julgadores, sempre conselheiros representantes da Fazenda Nacional, voltam a ter o poder de desempatar o julgamento, por meio do voto de qualidade.A medida contribuiu para reduzir a arrecadação de impostos e contribuições federais, mas até a atual ministra do Planejamento, Simone Tebet, votou favorável à mudança.

“Mexer em voto de qualidade é um baita desrespeito com o Congresso, que há dois anos legislou sobre isso”, diz o tributarista Luiz Gustavo Bichara, do escritório do mesmo nome. Para ele, essa medida parte do pressuposto de que o Carf é um órgão que tem que ajudar na arrecadação do governo. “Não é. O Carf é um órgão que tem que julgar as cobranças tributárias de acordo com a lei com cidadania tributária”, critica Bichara, que é procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e membro da comissão de juristas instituída pelo Senado Federal para reforma da legislação sobre processo administrativo e tributário. Ele destaca que algumas das medidas tratadas no pacote foram tratadas nos projetos apresentados ao Senado pela comissão.

Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), avalia a medida como um “retrocesso muito grande”. “Vai aumentar a judicialização, porque o Carf vai voltar a agir como estava agindo antes da revogação do voto de qualidade: todas as questões relevantes eram decididas contrariamente aos contribuintes, que são a parte mais fraca”, afirma. Ele disse que vai se reunir com representantes de outras instituições do judiciário e da área tributária para traçar uma estratégia de como a medida pode ser barrada no Congresso Nacional.

Rafael Vega, sócio tributário da Cascione Advogados, não considera o voto de qualidade inconstitucional, mas afirma que ele tem de ser bem usado para evitar abusos. “O voto de qualidade pró-Fisco não pode servir para o Carf bater de frente com o Judiciário nas matérias em que ele é pró-contribuinte, porque aí é só um desserviço, é só uma postergação de litígio”, diz.

A posição apresentada pelo ministro Haddad foi a de que o governo teve um prejuízo de R$ 60 bilhões por ano depois do fim do voto de qualidade. A fala do ministro foi contestada pelos tributaristas com o argumento de que a perda de arrecadação se deve ao fato de que o Carf nos últimos dois anos só estava julgando, por vídeo, casos de até R$ 8 milhões. Na área econômica, há uma avaliação de que essa será a grande batalha do pacote, mas com grandes chances de ser aprovada no Congresso, com o argumento de que esse critério de julgamento não encontra precedente nos outros países.

Outro ponto que o governo precisa vencer é o risco de judicialização. O governo quer acabar com o pacote fazer uma “faxina” nos litígios com os contribuintes, mas acabou criando uma nova disputa judicial ao revogar decreto do último dia do governo Bolsonaro que reduzia em 50% as alíquotas do PIS/Cofins sobre as receitas financeiras das grandes empresas.

Mensagem de Haddad

Se entre os tributaristas o pacote não foi bem recebido, no mercado financeiro a recepção foi mais positiva. O economista da XP Investimentos, Rodolfo Margato, disse ao Estadão o balanço do pacote é positivo com a mensagem dada por Haddad de busca por equilíbrio orçamento e de que receitas e despesas vão caminhar para o mesmo nível de 2022 em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). “Essa é uma avaliação vista com bons olhos pelo mercado tendo em vista o aumento significativo de despesa da PEC da Transição”, avalia, que lembra que o mercado vinha trabalhando com um cenário de deterioração fiscal.

Ele pondera, no entanto, que algumas das estimativas dependem da adesão dos contribuintes. Com o pacote, a XP projeta que o déficit primário das contas do governo possa diminuir de R$ 167,0 bilhões (1,6% do PIB) para R$ 84,0 bilhões (0,8% do PIB) em 2023. No relatório, a XP acredita que pode haver judicialização sobre as medidas do Carf e, por isso é mais difícil estimar os resultados da medida. “Não esperamos nenhum ingresso relevante de receitas advindos dela”.

Marcos Mendes avaliou como positiva a criação do comitê de monitoramento de riscos fiscais e a prioridade dada à avaliação de políticas públicas, mas reforçou a necessidade de ajuste fiscal mais focado no corte de despesas: não só a volta da tributação federal sobre os combustíveis, mas a reoneração do IPI, o corte de benefícios tributários e a reforma do Bolsa Família, já na mira do Ministério do Desenvolvimento Social. “O ministro reclamou que Paulo Guedes fez muitas desonerações. Então, reonere. Mas há limitações políticas para isso”, observa.

Ele afirma que o governo pode tentar equilibrar a dificuldade de fazer o ajuste fiscal necessário com “outras notícias positivas na economia”: “acelerando a reforma tributária e apresentando um substituto ao teto de gastos que tenha boa qualidade técnica e que consiga convencer a sociedade a respeitar esse novo limite de gastos”, diz.

Cálculo é de impacto de R$ 242,7 bilhões com medidas

Reestimativa de receitas

Previsão da equipe econômica é de impacto de até R$ 36,40 bilhões nas contas públicas

Aproveitamento de crédito do ICMS

Previsão de R$ 30 bilhões

Cobrança do PIS/Cofins sobre receita financeira

R$ 4,4 bilhões

Cobrança do PIS/Cofins sobre combustíveis

R$ 28,88 bilhões

Mudança no Carf para acelerar processos e desempatar a favor do governo

R$ 50 bilhões

Incentivo para denúncia espontânea de sonegação

R$ 20 bilhões

Utilização de recursos parados do PIS/Pasep

R$ 23 bilhões

Revisão de contratos e programas

Pelo lado da despesa, a estimativa incluída no pacote com este item é de R$ 25 bilhões

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