Por que as ondas de calor estão agravando a dependência da China do carvão?


Embora tenha se comprometido a reduzir as emissões de carbono, o país está aumentando bastante seu uso de combustível fóssil para gerar eletricidade

Por Keith Bradsher

THE NEW YORK TIMES - A China tem uma solução para as ondas de calor que vêm afetando tanto o hemisfério norte: queimar mais carvão para manter um fornecimento de eletricidade estável para os ar-condicionados.

Mesmo antes deste ano, a China emitia quase um terço de todo o gás de efeito estufa relacionado com energia – mais do que os Estados Unidos, a Europa e o Japão juntos. A China queima mais carvão por ano do que o restante do mundo junto. No mês passado, o país gerou 14% mais eletricidade a partir do carvão, sua fonte de energia predominante, do que em junho de 2022.

Um parque industrial na província de Shanxi, no coração da China. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times
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A capacidade da China de aumentar o uso de carvão nas últimas semanas é resultado de uma enorme campanha nacional nos últimos dois anos para expandir as minas de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão. A imprensa estatal comemorou a diligência dos mil profissionais que trabalharam arduamente sem férias no primeiro semestre para finalizar uma das maiores usinas de energia movidas a carvão do mundo no sudeste do país antes do fim de junho.

O paradoxo da política energética da China é que o país também é líder mundial na instalação de infraestruturas para energia renovável. Ela domina grande parte da cadeia de suprimentos global para energia limpa – de painéis solares a armazenamento de baterias e carros elétricos. No entanto, por questões de segurança energética e política interna, o país está usando mais carvão.

Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia

Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais

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Após três dias de negociações em Pequim, John Kerry, enviado especial para o clima do governo americano, disse na quarta-feira que o uso de carvão da China era o problema mais difícil. “A questão agora é fazer a transição de parte da dependência do carvão”, afirmou.

Os EUA, que emitem bem menos gases de efeito estufa do que a China, estão seguindo um caminho diferente. Não constroem uma nova usina movida a carvão há uma década, estão reduzindo quase pela metade seu uso de carvão e aumentando o uso de gás natural.

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Nenhum país tem reservas subterrâneas de carvão tão grandes quanto as da China, onde as autoridades consideram o abastecimento doméstico como essencial para a segurança energética. Zhang Jianhua, diretor da Administração Nacional de Energia do governo chinês, descreveu o carvão como a “base” da matriz energética de seu país.

“Sempre considere a proteção da segurança energética nacional como a missão mais importante”, disse ele durante uma coletiva de imprensa recente.

O principal líder da China, Xi Jinping, disse em abril de 2021 que seu país “controlaria rigorosamente os projetos de energia movidos a carvão, controlaria rigorosamente o crescimento do consumo de carvão” até 2025 e depois “o reduziria gradualmente” nos próximos cinco anos. Em meados de setembro de 2021, ele proibiu separadamente qualquer novo contrato para a China construir usinas de energia movidas a carvão em outros países.

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Um armazém utilizado para armazenar carvão em Shanxi. País tem a maior reserva de carvão subterrâneo do mund. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times

Uma semana depois, no final de setembro de 2021, o clima quente sobrecarregou a rede elétrica da China e provocou uma onda de blecautes em todo o litoral do país. Os trabalhadores recebiam um alerta para saírem dos arranha-céus de escritórios alguns minutos antes dos elevadores serem desligados. Uma falta de energia repentina numa fábrica de produtos químicos levou a uma explosão que feriu dezenas de trabalhadores.

O colapso levou a um esforço de emergência para aumentar a mineração de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão na China. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a subsequente interrupção do fornecimento de energia russa para a Europa fizeram crescer o empenho de Pequim em depender do carvão como base de sua segurança energética.

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A China importa principalmente petróleo e gás natural, grande parte deles chegando por rotas marítimas controladas pela marinha dos EUA ou da Índia, dois rivais geopolíticos. Após o vazamento parcial de três reatores nucleares em 2011 em Fukushima, no Japão, Pequim limitou a construção de usinas nucleares a alguns lugares próximos à costa do país.

Em janeiro, a China tinha mais de 300 usinas de energias movidas a carvão em fases diferentes de proposta, licenciamento ou construção, de acordo com o grupo de pesquisa Global Energy Monitor. Isso representa dois terços da capacidade de energia gerada com carvão sendo desenvolvida em todo o mundo.

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Contribuindo com o boom de construção de usinas: durante os blecautes de 2021, as províncias chinesas tentaram armazenar eletricidade e não vendê-la para outras províncias. Muitos governos de cidades e províncias reagiram a isso tentando construir usinas de energia movidas a carvão dentro de suas fronteiras.

“Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia”, disse Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais (IPE, na sigla em inglês), um grupo de pesquisa ambiental sem fins lucrativos com sede em Pequim.

Praticamente todas as novas usinas da China estão sendo construídas por empresas estatais porque as construtoras privadas veem as instalações como financeiramente inviáveis, disse David Fishman, analista de eletricidade da China no Lantau Group, consultoria de Hong Kong.

Pás eólicas em pântanos na periferia de Pequim; China lidera no mundo a instalação de ferramentas de energias renováveis. Foto: Gilles Sabrié/New York Times

Embora a China esteja construindo cada vez mais usinas de energia movidas a carvão, ela também é líder em energia solar e eólica. O país instalou 3,5 vezes mais capacidade de energia solar e 2,6 vezes mais estruturas para geração de energia eólica que os EUA, de acordo com a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA, na sigla em inglês), um grupo intergovernamental nos Emirados Árabes Unidos.

Os maiores parques eólicos e solares da China tendem a estar nas regiões pouco povoadas no oeste e noroeste do país, onde o clima é ensolarado e venta muito na maior parte do ano.

Mas esses locais são distantes das províncias próximas à costa, onde vive a maioria da população e estão muitas empresas sedentas por eletricidade – e onde o clima costuma ser mais nublado e venta menos.

Conectar as fazendas solares enormes e as fileiras de turbinas eólicas às regiões costeiras exigiu a construção de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão. A China construiu mais quilômetros de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão do que o resto do mundo junto.

O problema é que esse tipo de linha de transmissão de energia é exorbitantemente caro. E as empresas de energia da China precisam comprar faixas de terra de 200 metros de largura para cada linha de transmissão, ao longo de centenas de quilômetros. Portanto, para serem economicamente viáveis, elas têm de transmitir eletricidade 24 horas por dia. Mas o sol não brilha o dia todo, nem o vento sopra o tempo todo.

Como consequência, a maioria das novas usinas de energia movidas a carvão da China está sendo construída em conjunto com parques eólicos e solares, para garantir que a infraestrutura possa transmitir energia continuamente, disse Kevin Tu, especialista em energia de Pequim que faz parte do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia.

Outro grande problema relacionado às mudanças climáticas provocado pelo uso intenso contínuo de carvão pela China é como ele é extraído. Mais do que na maioria dos países, o carvão da China é extraído no subsolo, uma prática que tende a lançar muito metano na atmosfera. O metano é de 20 a 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono em seus efeitos no aquecimento da atmosfera. Os físicos chineses estimam que um quarto de todas as emissões de metano na China são provenientes das mais de cem mil minas de carvão do país, a maioria delas de tamanho pequeno e abandonadas há muito tempo, mas ainda com vazamento de gases.

Uma força inesperada poderia ajudar a China a reduzir sua dependência do carvão: um colapso de seu mercado imobiliário.

As fábricas usam dois terços da eletricidade da China e os principais consumidores são as usinas siderúrgicas e as fábricas de cimento e de vidro que abastecem as enormes iniciativas de construção do país.

Mas os preços dos imóveis estão caindo porque os anos de construções em excesso levaram a cerca de 80 milhões de apartamentos vazios. As construtoras começaram a construir aproximadamente 25% a menos de apartamentos no primeiro semestre deste ano, em comparação com o ano anterior.

No entanto, mesmo uma desaceleração no setor não vai reverter o investimento gigantesco em carvão que a China acaba de fazer. “Todo o carvão que está sendo adicionado significa que é mais difícil para a China ser mais ambiciosa” no enfrentamento das mudanças climáticas, disse Michal Meidan, chefe de pesquisa energética da China no Instituto de Estudos de Energia de Oxford, um grupo de pesquisa independente. “Isso possivelmente complica um cronograma mais agressivo para as emissões.”/TRADUÇÃO ROMINA CÁCIA

THE NEW YORK TIMES - A China tem uma solução para as ondas de calor que vêm afetando tanto o hemisfério norte: queimar mais carvão para manter um fornecimento de eletricidade estável para os ar-condicionados.

Mesmo antes deste ano, a China emitia quase um terço de todo o gás de efeito estufa relacionado com energia – mais do que os Estados Unidos, a Europa e o Japão juntos. A China queima mais carvão por ano do que o restante do mundo junto. No mês passado, o país gerou 14% mais eletricidade a partir do carvão, sua fonte de energia predominante, do que em junho de 2022.

Um parque industrial na província de Shanxi, no coração da China. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times

A capacidade da China de aumentar o uso de carvão nas últimas semanas é resultado de uma enorme campanha nacional nos últimos dois anos para expandir as minas de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão. A imprensa estatal comemorou a diligência dos mil profissionais que trabalharam arduamente sem férias no primeiro semestre para finalizar uma das maiores usinas de energia movidas a carvão do mundo no sudeste do país antes do fim de junho.

O paradoxo da política energética da China é que o país também é líder mundial na instalação de infraestruturas para energia renovável. Ela domina grande parte da cadeia de suprimentos global para energia limpa – de painéis solares a armazenamento de baterias e carros elétricos. No entanto, por questões de segurança energética e política interna, o país está usando mais carvão.

Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia

Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais

Após três dias de negociações em Pequim, John Kerry, enviado especial para o clima do governo americano, disse na quarta-feira que o uso de carvão da China era o problema mais difícil. “A questão agora é fazer a transição de parte da dependência do carvão”, afirmou.

Os EUA, que emitem bem menos gases de efeito estufa do que a China, estão seguindo um caminho diferente. Não constroem uma nova usina movida a carvão há uma década, estão reduzindo quase pela metade seu uso de carvão e aumentando o uso de gás natural.

Nenhum país tem reservas subterrâneas de carvão tão grandes quanto as da China, onde as autoridades consideram o abastecimento doméstico como essencial para a segurança energética. Zhang Jianhua, diretor da Administração Nacional de Energia do governo chinês, descreveu o carvão como a “base” da matriz energética de seu país.

“Sempre considere a proteção da segurança energética nacional como a missão mais importante”, disse ele durante uma coletiva de imprensa recente.

O principal líder da China, Xi Jinping, disse em abril de 2021 que seu país “controlaria rigorosamente os projetos de energia movidos a carvão, controlaria rigorosamente o crescimento do consumo de carvão” até 2025 e depois “o reduziria gradualmente” nos próximos cinco anos. Em meados de setembro de 2021, ele proibiu separadamente qualquer novo contrato para a China construir usinas de energia movidas a carvão em outros países.

Um armazém utilizado para armazenar carvão em Shanxi. País tem a maior reserva de carvão subterrâneo do mund. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times

Uma semana depois, no final de setembro de 2021, o clima quente sobrecarregou a rede elétrica da China e provocou uma onda de blecautes em todo o litoral do país. Os trabalhadores recebiam um alerta para saírem dos arranha-céus de escritórios alguns minutos antes dos elevadores serem desligados. Uma falta de energia repentina numa fábrica de produtos químicos levou a uma explosão que feriu dezenas de trabalhadores.

O colapso levou a um esforço de emergência para aumentar a mineração de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão na China. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a subsequente interrupção do fornecimento de energia russa para a Europa fizeram crescer o empenho de Pequim em depender do carvão como base de sua segurança energética.

A China importa principalmente petróleo e gás natural, grande parte deles chegando por rotas marítimas controladas pela marinha dos EUA ou da Índia, dois rivais geopolíticos. Após o vazamento parcial de três reatores nucleares em 2011 em Fukushima, no Japão, Pequim limitou a construção de usinas nucleares a alguns lugares próximos à costa do país.

Em janeiro, a China tinha mais de 300 usinas de energias movidas a carvão em fases diferentes de proposta, licenciamento ou construção, de acordo com o grupo de pesquisa Global Energy Monitor. Isso representa dois terços da capacidade de energia gerada com carvão sendo desenvolvida em todo o mundo.

Contribuindo com o boom de construção de usinas: durante os blecautes de 2021, as províncias chinesas tentaram armazenar eletricidade e não vendê-la para outras províncias. Muitos governos de cidades e províncias reagiram a isso tentando construir usinas de energia movidas a carvão dentro de suas fronteiras.

“Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia”, disse Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais (IPE, na sigla em inglês), um grupo de pesquisa ambiental sem fins lucrativos com sede em Pequim.

Praticamente todas as novas usinas da China estão sendo construídas por empresas estatais porque as construtoras privadas veem as instalações como financeiramente inviáveis, disse David Fishman, analista de eletricidade da China no Lantau Group, consultoria de Hong Kong.

Pás eólicas em pântanos na periferia de Pequim; China lidera no mundo a instalação de ferramentas de energias renováveis. Foto: Gilles Sabrié/New York Times

Embora a China esteja construindo cada vez mais usinas de energia movidas a carvão, ela também é líder em energia solar e eólica. O país instalou 3,5 vezes mais capacidade de energia solar e 2,6 vezes mais estruturas para geração de energia eólica que os EUA, de acordo com a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA, na sigla em inglês), um grupo intergovernamental nos Emirados Árabes Unidos.

Os maiores parques eólicos e solares da China tendem a estar nas regiões pouco povoadas no oeste e noroeste do país, onde o clima é ensolarado e venta muito na maior parte do ano.

Mas esses locais são distantes das províncias próximas à costa, onde vive a maioria da população e estão muitas empresas sedentas por eletricidade – e onde o clima costuma ser mais nublado e venta menos.

Conectar as fazendas solares enormes e as fileiras de turbinas eólicas às regiões costeiras exigiu a construção de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão. A China construiu mais quilômetros de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão do que o resto do mundo junto.

O problema é que esse tipo de linha de transmissão de energia é exorbitantemente caro. E as empresas de energia da China precisam comprar faixas de terra de 200 metros de largura para cada linha de transmissão, ao longo de centenas de quilômetros. Portanto, para serem economicamente viáveis, elas têm de transmitir eletricidade 24 horas por dia. Mas o sol não brilha o dia todo, nem o vento sopra o tempo todo.

Como consequência, a maioria das novas usinas de energia movidas a carvão da China está sendo construída em conjunto com parques eólicos e solares, para garantir que a infraestrutura possa transmitir energia continuamente, disse Kevin Tu, especialista em energia de Pequim que faz parte do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia.

Outro grande problema relacionado às mudanças climáticas provocado pelo uso intenso contínuo de carvão pela China é como ele é extraído. Mais do que na maioria dos países, o carvão da China é extraído no subsolo, uma prática que tende a lançar muito metano na atmosfera. O metano é de 20 a 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono em seus efeitos no aquecimento da atmosfera. Os físicos chineses estimam que um quarto de todas as emissões de metano na China são provenientes das mais de cem mil minas de carvão do país, a maioria delas de tamanho pequeno e abandonadas há muito tempo, mas ainda com vazamento de gases.

Uma força inesperada poderia ajudar a China a reduzir sua dependência do carvão: um colapso de seu mercado imobiliário.

As fábricas usam dois terços da eletricidade da China e os principais consumidores são as usinas siderúrgicas e as fábricas de cimento e de vidro que abastecem as enormes iniciativas de construção do país.

Mas os preços dos imóveis estão caindo porque os anos de construções em excesso levaram a cerca de 80 milhões de apartamentos vazios. As construtoras começaram a construir aproximadamente 25% a menos de apartamentos no primeiro semestre deste ano, em comparação com o ano anterior.

No entanto, mesmo uma desaceleração no setor não vai reverter o investimento gigantesco em carvão que a China acaba de fazer. “Todo o carvão que está sendo adicionado significa que é mais difícil para a China ser mais ambiciosa” no enfrentamento das mudanças climáticas, disse Michal Meidan, chefe de pesquisa energética da China no Instituto de Estudos de Energia de Oxford, um grupo de pesquisa independente. “Isso possivelmente complica um cronograma mais agressivo para as emissões.”/TRADUÇÃO ROMINA CÁCIA

THE NEW YORK TIMES - A China tem uma solução para as ondas de calor que vêm afetando tanto o hemisfério norte: queimar mais carvão para manter um fornecimento de eletricidade estável para os ar-condicionados.

Mesmo antes deste ano, a China emitia quase um terço de todo o gás de efeito estufa relacionado com energia – mais do que os Estados Unidos, a Europa e o Japão juntos. A China queima mais carvão por ano do que o restante do mundo junto. No mês passado, o país gerou 14% mais eletricidade a partir do carvão, sua fonte de energia predominante, do que em junho de 2022.

Um parque industrial na província de Shanxi, no coração da China. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times

A capacidade da China de aumentar o uso de carvão nas últimas semanas é resultado de uma enorme campanha nacional nos últimos dois anos para expandir as minas de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão. A imprensa estatal comemorou a diligência dos mil profissionais que trabalharam arduamente sem férias no primeiro semestre para finalizar uma das maiores usinas de energia movidas a carvão do mundo no sudeste do país antes do fim de junho.

O paradoxo da política energética da China é que o país também é líder mundial na instalação de infraestruturas para energia renovável. Ela domina grande parte da cadeia de suprimentos global para energia limpa – de painéis solares a armazenamento de baterias e carros elétricos. No entanto, por questões de segurança energética e política interna, o país está usando mais carvão.

Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia

Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais

Após três dias de negociações em Pequim, John Kerry, enviado especial para o clima do governo americano, disse na quarta-feira que o uso de carvão da China era o problema mais difícil. “A questão agora é fazer a transição de parte da dependência do carvão”, afirmou.

Os EUA, que emitem bem menos gases de efeito estufa do que a China, estão seguindo um caminho diferente. Não constroem uma nova usina movida a carvão há uma década, estão reduzindo quase pela metade seu uso de carvão e aumentando o uso de gás natural.

Nenhum país tem reservas subterrâneas de carvão tão grandes quanto as da China, onde as autoridades consideram o abastecimento doméstico como essencial para a segurança energética. Zhang Jianhua, diretor da Administração Nacional de Energia do governo chinês, descreveu o carvão como a “base” da matriz energética de seu país.

“Sempre considere a proteção da segurança energética nacional como a missão mais importante”, disse ele durante uma coletiva de imprensa recente.

O principal líder da China, Xi Jinping, disse em abril de 2021 que seu país “controlaria rigorosamente os projetos de energia movidos a carvão, controlaria rigorosamente o crescimento do consumo de carvão” até 2025 e depois “o reduziria gradualmente” nos próximos cinco anos. Em meados de setembro de 2021, ele proibiu separadamente qualquer novo contrato para a China construir usinas de energia movidas a carvão em outros países.

Um armazém utilizado para armazenar carvão em Shanxi. País tem a maior reserva de carvão subterrâneo do mund. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times

Uma semana depois, no final de setembro de 2021, o clima quente sobrecarregou a rede elétrica da China e provocou uma onda de blecautes em todo o litoral do país. Os trabalhadores recebiam um alerta para saírem dos arranha-céus de escritórios alguns minutos antes dos elevadores serem desligados. Uma falta de energia repentina numa fábrica de produtos químicos levou a uma explosão que feriu dezenas de trabalhadores.

O colapso levou a um esforço de emergência para aumentar a mineração de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão na China. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a subsequente interrupção do fornecimento de energia russa para a Europa fizeram crescer o empenho de Pequim em depender do carvão como base de sua segurança energética.

A China importa principalmente petróleo e gás natural, grande parte deles chegando por rotas marítimas controladas pela marinha dos EUA ou da Índia, dois rivais geopolíticos. Após o vazamento parcial de três reatores nucleares em 2011 em Fukushima, no Japão, Pequim limitou a construção de usinas nucleares a alguns lugares próximos à costa do país.

Em janeiro, a China tinha mais de 300 usinas de energias movidas a carvão em fases diferentes de proposta, licenciamento ou construção, de acordo com o grupo de pesquisa Global Energy Monitor. Isso representa dois terços da capacidade de energia gerada com carvão sendo desenvolvida em todo o mundo.

Contribuindo com o boom de construção de usinas: durante os blecautes de 2021, as províncias chinesas tentaram armazenar eletricidade e não vendê-la para outras províncias. Muitos governos de cidades e províncias reagiram a isso tentando construir usinas de energia movidas a carvão dentro de suas fronteiras.

“Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia”, disse Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais (IPE, na sigla em inglês), um grupo de pesquisa ambiental sem fins lucrativos com sede em Pequim.

Praticamente todas as novas usinas da China estão sendo construídas por empresas estatais porque as construtoras privadas veem as instalações como financeiramente inviáveis, disse David Fishman, analista de eletricidade da China no Lantau Group, consultoria de Hong Kong.

Pás eólicas em pântanos na periferia de Pequim; China lidera no mundo a instalação de ferramentas de energias renováveis. Foto: Gilles Sabrié/New York Times

Embora a China esteja construindo cada vez mais usinas de energia movidas a carvão, ela também é líder em energia solar e eólica. O país instalou 3,5 vezes mais capacidade de energia solar e 2,6 vezes mais estruturas para geração de energia eólica que os EUA, de acordo com a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA, na sigla em inglês), um grupo intergovernamental nos Emirados Árabes Unidos.

Os maiores parques eólicos e solares da China tendem a estar nas regiões pouco povoadas no oeste e noroeste do país, onde o clima é ensolarado e venta muito na maior parte do ano.

Mas esses locais são distantes das províncias próximas à costa, onde vive a maioria da população e estão muitas empresas sedentas por eletricidade – e onde o clima costuma ser mais nublado e venta menos.

Conectar as fazendas solares enormes e as fileiras de turbinas eólicas às regiões costeiras exigiu a construção de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão. A China construiu mais quilômetros de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão do que o resto do mundo junto.

O problema é que esse tipo de linha de transmissão de energia é exorbitantemente caro. E as empresas de energia da China precisam comprar faixas de terra de 200 metros de largura para cada linha de transmissão, ao longo de centenas de quilômetros. Portanto, para serem economicamente viáveis, elas têm de transmitir eletricidade 24 horas por dia. Mas o sol não brilha o dia todo, nem o vento sopra o tempo todo.

Como consequência, a maioria das novas usinas de energia movidas a carvão da China está sendo construída em conjunto com parques eólicos e solares, para garantir que a infraestrutura possa transmitir energia continuamente, disse Kevin Tu, especialista em energia de Pequim que faz parte do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia.

Outro grande problema relacionado às mudanças climáticas provocado pelo uso intenso contínuo de carvão pela China é como ele é extraído. Mais do que na maioria dos países, o carvão da China é extraído no subsolo, uma prática que tende a lançar muito metano na atmosfera. O metano é de 20 a 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono em seus efeitos no aquecimento da atmosfera. Os físicos chineses estimam que um quarto de todas as emissões de metano na China são provenientes das mais de cem mil minas de carvão do país, a maioria delas de tamanho pequeno e abandonadas há muito tempo, mas ainda com vazamento de gases.

Uma força inesperada poderia ajudar a China a reduzir sua dependência do carvão: um colapso de seu mercado imobiliário.

As fábricas usam dois terços da eletricidade da China e os principais consumidores são as usinas siderúrgicas e as fábricas de cimento e de vidro que abastecem as enormes iniciativas de construção do país.

Mas os preços dos imóveis estão caindo porque os anos de construções em excesso levaram a cerca de 80 milhões de apartamentos vazios. As construtoras começaram a construir aproximadamente 25% a menos de apartamentos no primeiro semestre deste ano, em comparação com o ano anterior.

No entanto, mesmo uma desaceleração no setor não vai reverter o investimento gigantesco em carvão que a China acaba de fazer. “Todo o carvão que está sendo adicionado significa que é mais difícil para a China ser mais ambiciosa” no enfrentamento das mudanças climáticas, disse Michal Meidan, chefe de pesquisa energética da China no Instituto de Estudos de Energia de Oxford, um grupo de pesquisa independente. “Isso possivelmente complica um cronograma mais agressivo para as emissões.”/TRADUÇÃO ROMINA CÁCIA

THE NEW YORK TIMES - A China tem uma solução para as ondas de calor que vêm afetando tanto o hemisfério norte: queimar mais carvão para manter um fornecimento de eletricidade estável para os ar-condicionados.

Mesmo antes deste ano, a China emitia quase um terço de todo o gás de efeito estufa relacionado com energia – mais do que os Estados Unidos, a Europa e o Japão juntos. A China queima mais carvão por ano do que o restante do mundo junto. No mês passado, o país gerou 14% mais eletricidade a partir do carvão, sua fonte de energia predominante, do que em junho de 2022.

Um parque industrial na província de Shanxi, no coração da China. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times

A capacidade da China de aumentar o uso de carvão nas últimas semanas é resultado de uma enorme campanha nacional nos últimos dois anos para expandir as minas de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão. A imprensa estatal comemorou a diligência dos mil profissionais que trabalharam arduamente sem férias no primeiro semestre para finalizar uma das maiores usinas de energia movidas a carvão do mundo no sudeste do país antes do fim de junho.

O paradoxo da política energética da China é que o país também é líder mundial na instalação de infraestruturas para energia renovável. Ela domina grande parte da cadeia de suprimentos global para energia limpa – de painéis solares a armazenamento de baterias e carros elétricos. No entanto, por questões de segurança energética e política interna, o país está usando mais carvão.

Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia

Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais

Após três dias de negociações em Pequim, John Kerry, enviado especial para o clima do governo americano, disse na quarta-feira que o uso de carvão da China era o problema mais difícil. “A questão agora é fazer a transição de parte da dependência do carvão”, afirmou.

Os EUA, que emitem bem menos gases de efeito estufa do que a China, estão seguindo um caminho diferente. Não constroem uma nova usina movida a carvão há uma década, estão reduzindo quase pela metade seu uso de carvão e aumentando o uso de gás natural.

Nenhum país tem reservas subterrâneas de carvão tão grandes quanto as da China, onde as autoridades consideram o abastecimento doméstico como essencial para a segurança energética. Zhang Jianhua, diretor da Administração Nacional de Energia do governo chinês, descreveu o carvão como a “base” da matriz energética de seu país.

“Sempre considere a proteção da segurança energética nacional como a missão mais importante”, disse ele durante uma coletiva de imprensa recente.

O principal líder da China, Xi Jinping, disse em abril de 2021 que seu país “controlaria rigorosamente os projetos de energia movidos a carvão, controlaria rigorosamente o crescimento do consumo de carvão” até 2025 e depois “o reduziria gradualmente” nos próximos cinco anos. Em meados de setembro de 2021, ele proibiu separadamente qualquer novo contrato para a China construir usinas de energia movidas a carvão em outros países.

Um armazém utilizado para armazenar carvão em Shanxi. País tem a maior reserva de carvão subterrâneo do mund. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times

Uma semana depois, no final de setembro de 2021, o clima quente sobrecarregou a rede elétrica da China e provocou uma onda de blecautes em todo o litoral do país. Os trabalhadores recebiam um alerta para saírem dos arranha-céus de escritórios alguns minutos antes dos elevadores serem desligados. Uma falta de energia repentina numa fábrica de produtos químicos levou a uma explosão que feriu dezenas de trabalhadores.

O colapso levou a um esforço de emergência para aumentar a mineração de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão na China. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a subsequente interrupção do fornecimento de energia russa para a Europa fizeram crescer o empenho de Pequim em depender do carvão como base de sua segurança energética.

A China importa principalmente petróleo e gás natural, grande parte deles chegando por rotas marítimas controladas pela marinha dos EUA ou da Índia, dois rivais geopolíticos. Após o vazamento parcial de três reatores nucleares em 2011 em Fukushima, no Japão, Pequim limitou a construção de usinas nucleares a alguns lugares próximos à costa do país.

Em janeiro, a China tinha mais de 300 usinas de energias movidas a carvão em fases diferentes de proposta, licenciamento ou construção, de acordo com o grupo de pesquisa Global Energy Monitor. Isso representa dois terços da capacidade de energia gerada com carvão sendo desenvolvida em todo o mundo.

Contribuindo com o boom de construção de usinas: durante os blecautes de 2021, as províncias chinesas tentaram armazenar eletricidade e não vendê-la para outras províncias. Muitos governos de cidades e províncias reagiram a isso tentando construir usinas de energia movidas a carvão dentro de suas fronteiras.

“Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia”, disse Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais (IPE, na sigla em inglês), um grupo de pesquisa ambiental sem fins lucrativos com sede em Pequim.

Praticamente todas as novas usinas da China estão sendo construídas por empresas estatais porque as construtoras privadas veem as instalações como financeiramente inviáveis, disse David Fishman, analista de eletricidade da China no Lantau Group, consultoria de Hong Kong.

Pás eólicas em pântanos na periferia de Pequim; China lidera no mundo a instalação de ferramentas de energias renováveis. Foto: Gilles Sabrié/New York Times

Embora a China esteja construindo cada vez mais usinas de energia movidas a carvão, ela também é líder em energia solar e eólica. O país instalou 3,5 vezes mais capacidade de energia solar e 2,6 vezes mais estruturas para geração de energia eólica que os EUA, de acordo com a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA, na sigla em inglês), um grupo intergovernamental nos Emirados Árabes Unidos.

Os maiores parques eólicos e solares da China tendem a estar nas regiões pouco povoadas no oeste e noroeste do país, onde o clima é ensolarado e venta muito na maior parte do ano.

Mas esses locais são distantes das províncias próximas à costa, onde vive a maioria da população e estão muitas empresas sedentas por eletricidade – e onde o clima costuma ser mais nublado e venta menos.

Conectar as fazendas solares enormes e as fileiras de turbinas eólicas às regiões costeiras exigiu a construção de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão. A China construiu mais quilômetros de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão do que o resto do mundo junto.

O problema é que esse tipo de linha de transmissão de energia é exorbitantemente caro. E as empresas de energia da China precisam comprar faixas de terra de 200 metros de largura para cada linha de transmissão, ao longo de centenas de quilômetros. Portanto, para serem economicamente viáveis, elas têm de transmitir eletricidade 24 horas por dia. Mas o sol não brilha o dia todo, nem o vento sopra o tempo todo.

Como consequência, a maioria das novas usinas de energia movidas a carvão da China está sendo construída em conjunto com parques eólicos e solares, para garantir que a infraestrutura possa transmitir energia continuamente, disse Kevin Tu, especialista em energia de Pequim que faz parte do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia.

Outro grande problema relacionado às mudanças climáticas provocado pelo uso intenso contínuo de carvão pela China é como ele é extraído. Mais do que na maioria dos países, o carvão da China é extraído no subsolo, uma prática que tende a lançar muito metano na atmosfera. O metano é de 20 a 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono em seus efeitos no aquecimento da atmosfera. Os físicos chineses estimam que um quarto de todas as emissões de metano na China são provenientes das mais de cem mil minas de carvão do país, a maioria delas de tamanho pequeno e abandonadas há muito tempo, mas ainda com vazamento de gases.

Uma força inesperada poderia ajudar a China a reduzir sua dependência do carvão: um colapso de seu mercado imobiliário.

As fábricas usam dois terços da eletricidade da China e os principais consumidores são as usinas siderúrgicas e as fábricas de cimento e de vidro que abastecem as enormes iniciativas de construção do país.

Mas os preços dos imóveis estão caindo porque os anos de construções em excesso levaram a cerca de 80 milhões de apartamentos vazios. As construtoras começaram a construir aproximadamente 25% a menos de apartamentos no primeiro semestre deste ano, em comparação com o ano anterior.

No entanto, mesmo uma desaceleração no setor não vai reverter o investimento gigantesco em carvão que a China acaba de fazer. “Todo o carvão que está sendo adicionado significa que é mais difícil para a China ser mais ambiciosa” no enfrentamento das mudanças climáticas, disse Michal Meidan, chefe de pesquisa energética da China no Instituto de Estudos de Energia de Oxford, um grupo de pesquisa independente. “Isso possivelmente complica um cronograma mais agressivo para as emissões.”/TRADUÇÃO ROMINA CÁCIA

THE NEW YORK TIMES - A China tem uma solução para as ondas de calor que vêm afetando tanto o hemisfério norte: queimar mais carvão para manter um fornecimento de eletricidade estável para os ar-condicionados.

Mesmo antes deste ano, a China emitia quase um terço de todo o gás de efeito estufa relacionado com energia – mais do que os Estados Unidos, a Europa e o Japão juntos. A China queima mais carvão por ano do que o restante do mundo junto. No mês passado, o país gerou 14% mais eletricidade a partir do carvão, sua fonte de energia predominante, do que em junho de 2022.

Um parque industrial na província de Shanxi, no coração da China. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times

A capacidade da China de aumentar o uso de carvão nas últimas semanas é resultado de uma enorme campanha nacional nos últimos dois anos para expandir as minas de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão. A imprensa estatal comemorou a diligência dos mil profissionais que trabalharam arduamente sem férias no primeiro semestre para finalizar uma das maiores usinas de energia movidas a carvão do mundo no sudeste do país antes do fim de junho.

O paradoxo da política energética da China é que o país também é líder mundial na instalação de infraestruturas para energia renovável. Ela domina grande parte da cadeia de suprimentos global para energia limpa – de painéis solares a armazenamento de baterias e carros elétricos. No entanto, por questões de segurança energética e política interna, o país está usando mais carvão.

Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia

Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais

Após três dias de negociações em Pequim, John Kerry, enviado especial para o clima do governo americano, disse na quarta-feira que o uso de carvão da China era o problema mais difícil. “A questão agora é fazer a transição de parte da dependência do carvão”, afirmou.

Os EUA, que emitem bem menos gases de efeito estufa do que a China, estão seguindo um caminho diferente. Não constroem uma nova usina movida a carvão há uma década, estão reduzindo quase pela metade seu uso de carvão e aumentando o uso de gás natural.

Nenhum país tem reservas subterrâneas de carvão tão grandes quanto as da China, onde as autoridades consideram o abastecimento doméstico como essencial para a segurança energética. Zhang Jianhua, diretor da Administração Nacional de Energia do governo chinês, descreveu o carvão como a “base” da matriz energética de seu país.

“Sempre considere a proteção da segurança energética nacional como a missão mais importante”, disse ele durante uma coletiva de imprensa recente.

O principal líder da China, Xi Jinping, disse em abril de 2021 que seu país “controlaria rigorosamente os projetos de energia movidos a carvão, controlaria rigorosamente o crescimento do consumo de carvão” até 2025 e depois “o reduziria gradualmente” nos próximos cinco anos. Em meados de setembro de 2021, ele proibiu separadamente qualquer novo contrato para a China construir usinas de energia movidas a carvão em outros países.

Um armazém utilizado para armazenar carvão em Shanxi. País tem a maior reserva de carvão subterrâneo do mund. Foto: Gilles Sabrié/The New York Times

Uma semana depois, no final de setembro de 2021, o clima quente sobrecarregou a rede elétrica da China e provocou uma onda de blecautes em todo o litoral do país. Os trabalhadores recebiam um alerta para saírem dos arranha-céus de escritórios alguns minutos antes dos elevadores serem desligados. Uma falta de energia repentina numa fábrica de produtos químicos levou a uma explosão que feriu dezenas de trabalhadores.

O colapso levou a um esforço de emergência para aumentar a mineração de carvão e construir mais usinas de energia movidas a carvão na China. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a subsequente interrupção do fornecimento de energia russa para a Europa fizeram crescer o empenho de Pequim em depender do carvão como base de sua segurança energética.

A China importa principalmente petróleo e gás natural, grande parte deles chegando por rotas marítimas controladas pela marinha dos EUA ou da Índia, dois rivais geopolíticos. Após o vazamento parcial de três reatores nucleares em 2011 em Fukushima, no Japão, Pequim limitou a construção de usinas nucleares a alguns lugares próximos à costa do país.

Em janeiro, a China tinha mais de 300 usinas de energias movidas a carvão em fases diferentes de proposta, licenciamento ou construção, de acordo com o grupo de pesquisa Global Energy Monitor. Isso representa dois terços da capacidade de energia gerada com carvão sendo desenvolvida em todo o mundo.

Contribuindo com o boom de construção de usinas: durante os blecautes de 2021, as províncias chinesas tentaram armazenar eletricidade e não vendê-la para outras províncias. Muitos governos de cidades e províncias reagiram a isso tentando construir usinas de energia movidas a carvão dentro de suas fronteiras.

“Construir esse excesso de usinas de energia movidas a carvão vai aumentar todo o nosso custo de energia”, disse Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais (IPE, na sigla em inglês), um grupo de pesquisa ambiental sem fins lucrativos com sede em Pequim.

Praticamente todas as novas usinas da China estão sendo construídas por empresas estatais porque as construtoras privadas veem as instalações como financeiramente inviáveis, disse David Fishman, analista de eletricidade da China no Lantau Group, consultoria de Hong Kong.

Pás eólicas em pântanos na periferia de Pequim; China lidera no mundo a instalação de ferramentas de energias renováveis. Foto: Gilles Sabrié/New York Times

Embora a China esteja construindo cada vez mais usinas de energia movidas a carvão, ela também é líder em energia solar e eólica. O país instalou 3,5 vezes mais capacidade de energia solar e 2,6 vezes mais estruturas para geração de energia eólica que os EUA, de acordo com a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA, na sigla em inglês), um grupo intergovernamental nos Emirados Árabes Unidos.

Os maiores parques eólicos e solares da China tendem a estar nas regiões pouco povoadas no oeste e noroeste do país, onde o clima é ensolarado e venta muito na maior parte do ano.

Mas esses locais são distantes das províncias próximas à costa, onde vive a maioria da população e estão muitas empresas sedentas por eletricidade – e onde o clima costuma ser mais nublado e venta menos.

Conectar as fazendas solares enormes e as fileiras de turbinas eólicas às regiões costeiras exigiu a construção de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão. A China construiu mais quilômetros de linhas de transmissão de energia de ultra-alta tensão do que o resto do mundo junto.

O problema é que esse tipo de linha de transmissão de energia é exorbitantemente caro. E as empresas de energia da China precisam comprar faixas de terra de 200 metros de largura para cada linha de transmissão, ao longo de centenas de quilômetros. Portanto, para serem economicamente viáveis, elas têm de transmitir eletricidade 24 horas por dia. Mas o sol não brilha o dia todo, nem o vento sopra o tempo todo.

Como consequência, a maioria das novas usinas de energia movidas a carvão da China está sendo construída em conjunto com parques eólicos e solares, para garantir que a infraestrutura possa transmitir energia continuamente, disse Kevin Tu, especialista em energia de Pequim que faz parte do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia.

Outro grande problema relacionado às mudanças climáticas provocado pelo uso intenso contínuo de carvão pela China é como ele é extraído. Mais do que na maioria dos países, o carvão da China é extraído no subsolo, uma prática que tende a lançar muito metano na atmosfera. O metano é de 20 a 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono em seus efeitos no aquecimento da atmosfera. Os físicos chineses estimam que um quarto de todas as emissões de metano na China são provenientes das mais de cem mil minas de carvão do país, a maioria delas de tamanho pequeno e abandonadas há muito tempo, mas ainda com vazamento de gases.

Uma força inesperada poderia ajudar a China a reduzir sua dependência do carvão: um colapso de seu mercado imobiliário.

As fábricas usam dois terços da eletricidade da China e os principais consumidores são as usinas siderúrgicas e as fábricas de cimento e de vidro que abastecem as enormes iniciativas de construção do país.

Mas os preços dos imóveis estão caindo porque os anos de construções em excesso levaram a cerca de 80 milhões de apartamentos vazios. As construtoras começaram a construir aproximadamente 25% a menos de apartamentos no primeiro semestre deste ano, em comparação com o ano anterior.

No entanto, mesmo uma desaceleração no setor não vai reverter o investimento gigantesco em carvão que a China acaba de fazer. “Todo o carvão que está sendo adicionado significa que é mais difícil para a China ser mais ambiciosa” no enfrentamento das mudanças climáticas, disse Michal Meidan, chefe de pesquisa energética da China no Instituto de Estudos de Energia de Oxford, um grupo de pesquisa independente. “Isso possivelmente complica um cronograma mais agressivo para as emissões.”/TRADUÇÃO ROMINA CÁCIA

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