BRASÍLIA - O Orçamento de 2025 chega ao Congresso Nacional cercado de desconfianças sobre a viabilidade da meta de déficit zero. Para garantir o equilíbrio entre receitas e despesas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu a aposta no incremento de arrecadação, e apresentou um pacote de R$ 166 bilhões em receitas extras, que tem sido alvo de críticas.
Nele, há a previsão de aumento de tributos sobre o lucro das empresas, principalmente de bancos, e sobre a remuneração recebida por acionistas. O projeto de lei foi enviado com urgência constitucional, o que exige análise mais célere por parte da Câmara e do Senado. Mas o ambiente político é distinto do de 2023, com menos disposição por parte de parlamentares e entidades empresariais para a elevação da carga tributária.
O recado mais contundente veio no dia seguinte ao envio do texto, nas palavras do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No sábado, 31, em evento do mercado financeiro em São Paulo, Lira afirmou ser “improvável, quase impossível” que a Casa dê aval ao aumento de tributos. Ele defendeu um debate sobre a desvinculação e a desindexação de gastos públicos ― tema impopular, que encontra pouco amparo dentro do PT e do próprio Congresso.
Ao mesmo tempo, Lira voltou a cobrar protagonismo do Legislativo no desenho do Orçamento, com maior ingerência sobre as emendas parlamentares (valores que deputados e senadores destinam aos redutos eleitorais). Apenas as emendas impositivas (obrigatórias) consumirão R$ 39 bilhões no próximo ano, um recorde na comparação com os projetos orçamentários dos exercícios anteriores. O tema tem gerado atritos frequentes entre os três Poderes e consumido fatia cada vez mais expressiva dos gastos públicos.
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No mesmo evento em São Paulo, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, garantiu que a peça orçamentária será executada plenamente e rechaçou qualquer mudança no regramento do arcabouço fiscal ou na meta de resultado primário. “Não vamos mudar o arcabouço e muito menos a meta do ano que vem”, disse.
Déficit zero e salário mínimo de R$ 1.509
O governo enviou o Orçamento de 2025 ao Congresso prevendo uma meta de déficit zero, ou seja, um equilíbrio entre receitas e despesas. A peça orçamentária prevê, inclusive, um ligeiro superávit de R$ 3,7 bilhões. Mas essa estimativa só foi possível porque parte dos precatórios (ações judiciais para as quais não cabe mais recurso) está sendo paga fora do limite de despesas e da meta fiscal, devido à uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Caso esse valor fosse computado, a projeção seria de déficit de R$ 40,4 bilhões.
O salário mínimo, importante componente da despesa pública, foi fixado em R$ 1.509, uma alta de 6,87%. Atualmente, o mínimo é corrigido pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes. Essa indexação aumenta, automaticamente, o valor de pensões e benefícios da Previdência Social, que são o principal gasto orçamentário do País.
Pacote arrecadatório de R$ 166 bilhões
Para alcançar o déficit zero, a equipe econômica repetiu a estratégia adotada neste ano e manteve o foco no aumento de arrecadação. O Orçamento de 2025 prevê R$ 166 bilhões em receitas extras, cifra bastante parecida com a estimada para 2024, de R$ 168 bilhões. Esse montante, no entanto, já passou por desidratações devido à frustração de diversas ações. Parte das medidas listadas para o próximo ano depende da resolução de litígios no Judiciário ou na esfera administrativa, e outra parte está condicionada à aprovação de projetos de lei no Congresso Nacional. Ou seja, há um alta grau de incerteza sobre todas elas.
Aumento de tributo para empresas e acionistas
Um dos itens do pacote arrecadatório prevê aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ― tributo cobrado sobre o lucro das empresas ― e do Imposto de Renda incidente nos Juros sobre Capital Próprio (JCP) ― tipo de remuneração paga a acionistas. O objetivo é arrecadar R$ 21 bilhões. O aumento da CSLL, como antecipou o Estadão, será restrito a 2025, e será sentido, principalmente, pelos bancos, que terão elevação de dois pontos porcentuais. As demais empresas terão alta de um ponto.
Já a mudança no JCP foi proposta como permanente. Pelo texto, o imposto retido pelo Fisco antes de o valor chegar ao acionista será de 20%, ante 15% atualmente. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que as medidas servirão de garantia caso as propostas aprovadas pelo Senado para compensar a desoneração da folha não sejam suficientes.
Revisão de R$ 25,9 bi no gasto focada em pente-fino
Pressionado a agir também pelo lado do gasto, o governo anunciou um corte de R$ 25,9 bilhões nas despesas de 2025. A revisão, porém, será focada apenas em pente-fino em programas sociais e previdenciários, sem alterações estruturais. Metade do valor (R$ 13,7 bilhões ou 53%) virá do esforço do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e das revisões cadastrais e periciais do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esse último é voltado a idosos e pessoas de baixa renda com deficiência, e preocupa pela forte trajetória de expansão. Nesse cenário, cresce a cobrança por mudanças mais profundas na estrutura da despesa pública, a qual possa garantir equilíbrio de longo prazo.
Benefícios da Previdência batem recorde e atingem R$ 1 tri
O avanço dos gastos obrigatórios é uma das grandes preocupações dos especialistas em contas públicas. Os benefícios da Previdência Social, por exemplo, vão custar R$ 1 trilhão em 2025, atingindo a marca pela primeira vez na história. O valor inclui o pagamento de aposentadorias, pensões e outros benefícios. O montante programado para 2024, até então o maior, é de R$ 923 bilhões. Essa é a parcela que mais pressiona as contas da União, sem contar o pagamento de juros e a dívida pública, ao lado de outras despesas obrigatórias, como salários e transferências constitucionais a Estados e municípios.
Governo prevê R$ 26,1 bi para contratação e reajuste de servidor
As despesas com pessoal também compõem outra rubrica importante do Orçamento. O projeto enviado pelo governo ao Congresso prevê um adicional de R$ 26,1 bilhões para contratação e reajuste de servidores públicos nas três esferas de Poder. A cifra é quase cinco vezes superior ao montante previsto no Orçamento deste ano, de R$ 5,7 bilhões. Do total, a maior parte (R$ 16,8 bilhões) será destinada ao aumento de remuneração dos funcionários do Poder Executivo. Trata-se de uma mudança relevante em relação à peça orçamentária de 2024, quando o Executivo não concedeu reajuste.
Recorde de emendas em meio à impasse com STF e Congresso
O presidente Lula propôs um valor recorde de emendas parlamentares para 2025. Enquanto isso, o chefe do Poder Executivo negocia o futuro dos recursos indicados por deputados e senadores após o STF suspender a liberação do dinheiro e exigir transparência e rastreabilidade. O governo reservou R$ 39 bilhões para emendas impositivas (obrigatórias), ou seja, recursos indicados individualmente por cada parlamentar e pelas bancadas estaduais.
O recorde trata-se do montante encaminhado em comparação com os projetos orçamentários dos anos anteriores. Portanto, antes de a proposta ser votada.
O Legislativo já articula um aumento do valor, assim como aconteceu nos últimos anos. Há um acordo feito entre os Poderes para manutenção das emendas de comissão, herdeiras do orçamento secreto, que não foram colocadas no projeto do Executivo, mas que deverão ser incluídas quando a proposta passar pelo Congresso.
Corte no Bolsa Família, Farmácia Popular e Auxílio Gás
Por outro lado, o Orçamento prevê menos verbas a programas sociais como Bolsa Família, Farmácia Popular e Auxílio Gás. Para o Farmácia Popular, o valor proposto é de R$ 4,2 bilhões, menor do que o observado em 2024 (R$ 5,9 bilhões) e que o disponível atualmente (R$ 5,2 bilhões). O programa foi o mais atingido pelo corte de gastos neste ano.
O programa Bolsa Família, por sua vez, terá R$ 167,2 bilhões em 2025, uma queda em relação aos R$ 169,5 bilhões autorizados para 2024. O programa entrou na agenda de corte de gastos feita pela equipe econômica. Não haverá reajuste para os beneficiados. O governo prevê uma queda de 128 mil famílias atendidas, entre as 20,9 milhões beneficiadas no Orçamento de 2024.
Já o Auxílio Gás, que banca a compra do botijão de gás para famílias carentes, terá uma redução ainda maior de orçamento, saindo de R$ 3,5 bilhões para R$ 600 milhões. A redução representa um corte de 84% em relação ao proposto em 2024, mesmo com a previsão de aumento no número de famílias atendidas (de 5,5 milhões para 6 milhões).
A diminuição no Orçamento faz com que, na prática, o programa consuma um espaço menor no teto de gastos após o Poder Executivo ter encaminhado um projeto de lei para turbinar o benefício. A engenharia financeira foi recebida com preocupação por especialistas em contas públicas.
Crise climática: a prioridade com menor verba do Orçamento
Entre as seis prioridades definidas pelo governo Lula para o ano que vem, o combate ao desmatamento e o enfrentamento da emergência climática é a que tem o menor valor no Orçamento de 2025: R$ 1,2 bilhão. Para efeito de comparação, o número é menor do que os R$ 1,4 bilhão estimados para a compra de aeronaves caça para a Força Aérea brasileira. As prioridades foram definidas no Plano Plurianual (PPA), que abrange os anos de 2024 a 2027. O combate à fome e a redução das desigualdades é o item de 2025 com maior valor previsto: R$ 170,8 bilhões, puxado pelo programa de transferência de renda Bolsa Família.
Projeções de PIB e inflação mais otimistas que as do mercado
Outra grande preocupação dos analistas é em relação aos parâmetros usados no texto da lei. Isso porque o Orçamento de 2025 foi elaborado em cima de projeções mais otimistas do que as do mercado financeiro para os principais indicadores da economia, como PIB, inflação, câmbio e juros.
Com relação ao crescimento do PIB, por exemplo, o governo estima alta de 2,6% para o ano que vem, enquanto o último dado do Boletim Focus, que colhe informações de instituições financeiras, projeta um crescimento de apenas 1,86%, quase um ponto percentual menor.
Com relação ao IPCA, o governo estima alta de 3,3% no ano que vem, para já chegar à meta de 3% a partir de 2026. Nesse caso, nem o Focus nem o Banco Central têm números tão otimistas. O mercado entende que a inflação de 2025 ficará em 3,93%, com alta de 3,6% em 2026, e de 3,5% nos anos seguintes.
Para a taxa Selic, o governo estima uma taxa média anual de 9,61% no ano que vem, com redução progressiva, ano a ano, até 6,9% em 2028. Já o Focus, que divulga o número para o final do período, prevê que a Selic chegará em dezembro do ano que vem em 10%, para chegar a 9% nos anos de 2027 e 2028.