O leitor terá notado que, tal como se passa com a verdade durante uma guerra, a primeira vítima em uma eleição contenciosa é a restrição orçamentária. Candidatos não fazem contas, fingem que os recursos são infinitos, ou que vão ser gerados por impostos mágicos ou simplesmente chutam os números como quem cobra um escanteio.
É fato que temos um problema fiscal grave e que nada tem de incomum: sonhos maiores que as possibilidades. E precisamos lidar com isso, não somos os únicos a conviver com tensões de natureza orçamentária.
O problema tem se apresentado sob duas rubricas: “teto de gastos” e o “orçamento secreto”. Não é acidente. São ansiedades sobre duas vertentes do problema, o resultado e o processo. De um lado o saldo primário (superávit ou déficit), a sustentabilidade fiscal e a dívida pública e, de outro, os mecanismos decisórios para a alocação política de recursos fiscais escassos.
Bem, há uma discussão em andamento já faz alguns anos sobre a reforma da lei que regula os orçamentos públicos no Brasil (Lei 4.320, de 1964), sob a rubrica “lei das finanças públicas”. Há um projeto já aprovado no Senado e que estacionou na Câmara.
Essa discussão pode perfeitamente convergir para algo como uma segunda Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a “âncora fiscal” de que estamos precisando, e também uma bela melhoria na dinâmica do Orçamento.
Será ótimo fazer política fiscal ex ante, no orçamento e não apenas ex post, via limitações (tetos) nos gastos ou no endividamento, mas a conversa tem sido muito difícil.
O processo orçamentário brasileiro está no coração do chamado presidencialismo de coalizão: não se consegue imaginar a política fiscal sem contingenciamento e emendas ao Orçamento.
A experiência tende a confirmar que os espaços para o clientelismo (através das emendas) são importantes para a governabilidade, tanto que as emendas parlamentares cresceram de importância, e antes delas as vinculações de receita, como reação do Legislativo diante do contingenciamento.
Não há nada errado em os parlamentares trabalharem pelos seus distritos, e introduzirem desejos de gasto de natureza (muito) local. Basta olhar a propaganda eleitoral e ver os candidatos ao Legislativo prometendo trazer recursos para as suas bases. É impossível evitar que o Orçamento seja um enorme disputa entre o “local” e o “federal”.
A experiência mostra que essa disputa fica menor quanto maior a irresponsabilidade: o local não briga com o federal se há recursos para todos, o que, todavia, é bem sabido que não é o caso. Mas, se a gente fingir que é, ninguém briga e todos aprovam uma lei orçamentária ficcional...