Nunca vi alguém ficar rico só com juros”, diz Mari Emmanouilides, com base em 40 anos de vivência no mercado financeiro. Fundadora e CEO da Taler Gestão de Patrimônio, ela foi diretora da Financial Planning Standards Board (FPSB), sênior financial consultant na Merrill Lynch e implementou a área de Private Banking do banco Chase Manhattan em São Paulo e no Sul do País.
Mari ressalta que a construção de patrimônio está inevitavelmente associada a riscos – seja como investidor, seja como empreendedor. Nesse ponto, considera a especialista, a queda da atratividade dos investimentos de renda fixa é um fator positivo para tirar as pessoas da zona de conforto. Isso inclui o maior interesse pela Bolsa e a procura por um aprendizado que até recentemente não era considerado necessário pela maioria.
“O Brasil está vivendo mais ou menos o que os Estados Unidos viveram na década de 1970”, ela compara. Hoje, 52% dos americanos investem em Bolsa, enquanto no Brasil esse índice ainda é de 1,6%, mesmo com o grande crescimento no número de contas registrado pela B3 nos últimos anos.
Visão de longo prazo
A tendência é de continuidade do crescimento da Bolsa brasileira, aponta Sérgio Moreira Franco, head de Produto de Renda Variável na Órama. “A migração dos investidores para a renda variável é fruto de um cenário em que o apetite por risco se tornou a única saída do investidor para encontrar melhores retornos. Aquele investidor conservador, sem nenhum apetite para risco, passou a ter problemas para encontrar investimentos com retornos expressivos”, ele avalia.
Para Iago Souza, analista de investimentos da corretora e gestora Warren, o mundo inteiro está passando por uma “alteração estrutural” da visão sobre investimentos. “Antes, investimentos com baixos níveis de risco, como os títulos do tesouro dos países, eram bastante atrativos, pois proporcionavam remuneração interessante. Mas a redução histórica das taxas de juros nos principais países desenvolvidos e em desenvolvimento fez com que investimentos bastante utilizados até então se tornassem muito ruins.”
Mari observa, no entanto, que há “várias Bolsas” dentro da Bolsa. Os estrategistas mais experientes cultivam uma visão de longo prazo, já que a renda variável exige tempo para a obtenção dos melhores resultados. Os investidores mais afoitos, entretanto, se lançam à prática das negociações diárias em busca de resultados imediatos. “Isso não é sustentável. Não vejo muita diferença entre esse tipo de estratégia e simplesmente apostar num cassino”, ela compara.
A busca por resultados rápidos tem relação direta com as facilidades trazidas pela tecnologia, a exemplo das plataformas digitais. É o tipo de cenário que atrai o público mais jovem. “O número dos nossos investidores na faixa entre 16 e 29 anos subiu 40% no último ano”, descreve Betina Roxo, estrategista-chefe da Rico Investimentos.
Para Ilan Arbetman, analista de Equity Research da Ativa Investimentos, a crescente importância dada pelo mercado financeiro aos fatores ESG, especialmente depois do surgimento da pandemia de covid-19, reforçou o interesse dos jovens pela Bolsa. “O apelo de fazer bem ao mundo enquanto se ganha dinheiro é muito forte para esse público”, ele avalia.
Uma pesquisa da B3 com os recém-chegados à Bolsa revelou que a idade média é 32 anos e que 74% são homens, 60% não têm filhos e 51% vivem na Região Sudeste. Outro dado relevante é que são, na maioria, pequenos investidores: 56% têm renda familiar mensal abaixo de R$ 5 mil, enquanto apenas 7% têm renda acima de R$ 15 mil.
Mesmo assim, uma boa notícia é que os novos investidores têm demonstrado um nível maior de tolerância à volatilidade natural do mercado de ações. “Eles têm uma permanência mais longa na B3 do que a observada em grupos que chegaram à bolsa em épocas anteriores”, descreve Felipe Paiva, diretor de Relacionamento com Clientes-Pessoa Física da B3. “Entre 25% e 30% dos investidores que fizeram esse movimento em 2018, por exemplo, zeraram suas posições após seis meses. Em 2020, esse número caiu para a faixa de 20% a 25%, o que demonstra uma visão de mais médio e longo prazo dessa nova geração de investidores.” (MO)
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