BRASÍLIA – A Comissão de Agricultura do Senado (CRA) do Senado aprovou, nesta segunda-feira, 19, o projeto de lei que autoriza a entrada de mais agrotóxicos no País e mexe com as regras de fiscalização desses produtos. A aprovação da comissão foi acompanhada ainda de uma sugestão de votação em regime de urgência pelo plenário – ou seja, o texto poderia ser submetido diretamente à votação do Senado.
O Estadão apurou, porém, com interlocutores no Congresso, que o presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não vai pautar o tema para votação nesta última semana legislativa. O entendimento de Pacheco é de que, apesar de toda a pressão da bancada ruralista, não é viável votar o projeto na última semana de trabalho sem que o assunto tenha uma posição clara do governo que assumirá em 2023. Segundo interlocutores, o presidente acredita que é preciso ter um consenso mínimo sobre o tema, dado que o próprio governo de transição de Luiz Inácio Lula da Silva rachou sobre o assunto.
O entendimento de Pacheco é, segundo esses interlocutores, de que é preciso ter um consenso mínimo sobre o tema, dado que o próprio governo de transição de Luiz Inácio Lula da Silva rachou sobre o assunto.
Como mostrou o Estadão, a equipe de transição que atua na área do agronegócio acredita que é possível liberar o texto neste ano. Membro do grupo técnico a área de agricultura e um dos cotados para assumir o ministério em 2023, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) afirmou, em novembro, que o projeto já está “pronto” para ser levado ao plenário do Senado. “Acho que dá para votar (ainda neste ano) o projeto dos pesticidas, que terminou hoje as audiências de debate. Eu acho que está pronto para ser levada ao plenário”, disse Fávaro.
A deputada eleita Marina Silva (Rede-SP), que atua no grupo da área ambiental, porém, deixou clara a sua rejeição à proposta e pediu que o tema fosse deixado para o próximo ano.
O fato é que, dentro do Congresso, a votação do chamado “PL do Veneno”, apelido que recebeu de opositores, acabou se convertendo em moeda de troca para negociações políticas. O apoio ao texto passou a ser usado para angariar votos favoráveis dos parlamentares à PEC da Transição, que prevê gastos extras para financiar o Bolsa Família e outras promessas eleitorais de Lula. Até agora, porém, a votação dessa PEC está indefinida e o agronegócio tenta emplacar seu projeto de lei.
O projeto em questão (PL 1.459/2022) é relatado pelo próprio presidente da CRA, senador Acir Gurgacz (PDT-RO). O projeto está há 23 anos em tramitação e passou por diversas alterações, inclusive realizadas hoje, sem tempo para discussões. Em seu relatório, o senador sustenta que “a solicitação de aprovação de novos produtos terá [de acordo com o projeto] uma única entrada digital, por meio do Sispa [Sistema Unificado de Informação, Petição e Avaliação Eletrônica], que facilitará a tramitação e o acesso dos órgãos responsáveis pela análise aos estudos científicos que comprovem a segurança do uso”.
A especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, que já presidiu o Ibama, disse que a pressão da bancada ruralista para a votação do projeto vai continuar até o último dia da atual sessão legislativa, que termina na quinta-feira, 22, e que se trata de um retrocesso histórico, um crime contra a saúde pública e o meio ambiente.
“O principal objetivo dos fabricantes de agrotóxicos e seus aliados é acabar com a vedação expressa, constante na lei atual, de registro de produtos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou que causem distúrbios hormonais. É isso que fundamenta essa pressão tão forte”, disse Araújo.
Segundo a especialista, o enfraquecimento de órgãos como a Anvisa e Ibama e a liberação de registro temporário sem a devida análise à luz da realidade brasileira vêm como complemento, além de outros problemas. “Não há emendas que consigam salvar ou atenuar essa proposta assustadora, especialmente com as limitações regimentais inerentes à fase final do trâmite legislativo” afirmou.
Kenzo Jucá, assessor legislativo do Instituto Socioambiental (ISA), disse que a eventual aprovação do projeto representaria “uma grave ameaça à saúde pública no País e colocaria sob suspeita de contaminação praticamente toda a produção agropecuária brasileira, ameaçando inclusive as exportações, principalmente em decorrência da nova legislação europeia”.
Marina Lacôrte, porta-voz de agricultura e alimentação do Greenpeace Brasil, disse que “é inaceitável avançar com um projeto de tamanha gravidade para a saúde da sociedade e para a natureza” e que, se a lei for sancionada, “não há qualquer possibilidade de o novo governo cumprir com os compromissos que assumiu em relação ao combate à fome e à proteção do meio ambiente, pois o projeto vai na contramão da segurança alimentar, ambiental e climática”.
A rejeição ao projeto dos agrotóxicos sempre esteve na base dos parlamentares que apoiaram a eleição de Lula, assim como de organizações socioambientais e entidades civis. Na avaliação do Observatório do Clima, o projeto dos agrotóxicos inclui mudanças que passam para as mãos do Ministério da Agricultura a missão de registrar novos pesticidas, reduzindo o papel do Ibama e da Anvisa a órgãos homologatórios.
Autocontrole agropecuário
Enquanto as polêmicas dos agrotóxicos não são dirimidas, o espaço está mais aberto para aprovação do PL 1293/2021, que trata de programas de autocontrole pelo agronegócio, em atividades de defesa agropecuária e sobre a organização e os procedimentos aplicados nestas ações. A reportagem apurou que, neste caso, haveria menos resistência e que, por isso, há chances de esse texto ser aprovado nesta semana.
Pelo texto, o Ministério da Agricultura e demais órgãos públicos integrantes do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) “poderão credenciar pessoas jurídicas ou habilitar pessoas físicas” para a criação e execução de sistemas de autocontrole que mantenham seus produtos, rebanhos e lavouras saudáveis. Caberá ao Estado chancelar e fiscalizar o cumprimento desses programas. O texto já foi aprovado pela Câmara e, se passar no Senado, segue para a sanção presidencial.
Guilherme Eidt, assessor de políticas públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), disse que, para a agricultura familiar e agroextrativismo, o projeto do autocontrole representa um maior afastamento da assistência técnica e fiscalização sanitária orientadora por parte do poder público. “Agora, além da pagar pela fiscalização, eles terão que pagar um responsável técnico, mensalmente. Isso é um custo que irá inviabilizar parte dos empreendimentos de pequeno porte e dificultar a regularização de negócios sustentáveis de produtos da sociobiodiversidade”, comentou.
Polêmicas
A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que reúne a bancada do agro, declarou que o projeto de lei, que agora passou a ser chamado pelo setor de “Lei do Alimento mais Seguro”, é necessário porque “moderniza a aprovação de novas moléculas para combate de pragas e doenças do clima tropical brasileiro”.
Os parlamentares do agro já tinham parado de usar a palavra “agrotóxico” para falar do assunto, por entender que esta seria mais negativa. Então, passaram a usar o termo “pesticida”.
“O debate em torno de uma nova regulamentação é pautado, quase sempre, pelas mesmas dúvidas e polêmicas que são diariamente alimentadas com informações falsas e pouco conhecimento de causa. Parte dos argumentos que desmerecem a produção de alimentos no país, inclusive, são desmentidos costumeiramente pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e pelo setor produtivo, com dados oficiais”, afirmou.
Segundo a Frente, durante o período de análise da proposta no Senado foram realizadas audiências públicas sobre o tema com a participação de universidades, cientistas, médicos, representantes de órgãos federais e reguladores nacionais e internacionais, da sociedade e de entidades do setor produtivo nacional.
Segundo a bancada, o Brasil faz uma avaliação criteriosa e transparente nos procedimentos de avaliação de pesticidas. “Além disso, a Anvisa faz a avaliação toxicológica para a saúde humana, o Ibama emite o parecer com as conclusões de riscos ambientais e o Ministério da Agricultura (Mapa) avalia a eficiência agronômica do produto. Depois de aprovado nos três órgãos, o Mapa emite o registro de aprovação.”
“O que a Lei do Alimento mais Seguro traz, nada mais é, do que o aperfeiçoamento e a modernização do que temos hoje, além de igualar o Brasil às maiores potências agropecuárias do mundo, com mais rigor científico e desburocratização dos trâmites”, declarou.
Segundo a FPA, hoje os processos não são integrados e informatizados, o que mudaria com a nova legislação. “A modernização da lei manterá todas as competências atuais, porém irá integrar e informatizar o sistema de análise e registro.”
O senador Acir Gurgacz afirmou que o PL coloca o Brasil no mesmo patamar de países da Europa e dos Estados Unidos em termos de segurança dos produtos e que “vai auxiliar na produção de alimentos mais baratos e na contínua geração de emprego e renda”.