RIO - Na disputa entre países para obter insumos para enfrentar a pandemia do novo coronavírus, o Brasil foi pego com tarifas de importação elevadas e dependência do mercado externo no setor médico-hospitalar. Antes de zerar o imposto de importação sobre uma série de bens, a partir do dia 17 de março, o País aplicava uma tarifa média de 9,8% sobre a importação de produtos do setor, o dobro da média (4,8%) de 130 países incluídos na Organização Mundial do Comércio (OMC), mostram dados compilados pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Entre as principais economias do mundo, o Brasil ficava atrás apenas da Índia, com uma tarifa média de 11,6%. Considerando todos os membros da OMC, Argentina, Djibouti, Fiji, Malásia, Nepal, Paquistão, Ilhas Salomon, Sri Lanka, Tajiquistão e Venezuela cobravam tarifas médias acima da brasileira.
Nos Estados Unidos, a tarifa média era de 0,9%, enquanto, na União Europeia, estava em 1,5%, sem levar em conta medidas tomadas após a pandemia. A China, que responde por metade das exportações mundiais de equipamentos de proteção individual (EPIs) para a saúde, como máscaras cirúrgicas, aplicava tarifa média de 4,5%, conforme a compilação do Ibre/FGV.
Para a pesquisadora Lia Valls, autora do levantamento, o elevado nível da tarifa média do Brasil sobre a importação de produtos médico-hospitalares se insere na tradição nacional de ser uma economia fechada, com o objetivo de proteger a produção local. Ainda assim, o Brasil depende da importação. “Não foi a proteção que ajudou a indústria a crescer”, disse Lia.
Por causa da Covid-19, o Ministério da Economia zerou até agora as tarifas de 313 produtos médico-hospitalares. “Há novos pleitos sendo analisados, em estreita coordenação com o Ministério da Saúde e os integrantes da Camex. É possível, portanto, que a lista venha a aumentar, a depender do resultado dessas análises”, informou o ministério.
Custos altos
Com a redução de tarifas, a taxa média imposta pelo Brasil na importação desses bens deve ter caído, mas, ainda assim, os custos para trazer esses produtos de fora subiram muito, por causa da elevação repentina da demanda, por todos os países, e da falta de capacidade de produção em todo o mundo, relataram ao Estadão/Broadcast empresas do ramo.
Segundo Cíntia Januária, diretora da área de comércio exterior da Argument, consultoria especializada em importação e exportação, as compras no exterior estão enfrentando dificuldades como a falta de voos e atrasos nas entregas, cujos prazos passam de 90 dias em muitos casos.
“Mesmo as empresas com grande poder de barganha não têm conseguido êxito em suas importações rotineiras”, disse Januária. Apenas as grandes importações trazidas pelo governo federal têm enfrentado menos problemas, mesmo assim por causa de gestões diplomáticas junto a países produtores, como a China, completou a executiva. Nas contas de Renato Joiozo, diretor de negócios da Descarpack, fabricante nacional de luvas de procedimento, seringas e máscaras cirúrgicas, o custo para importar produtos e matérias-primas associadas ao combate da Covid-19 aumentou em até 50 vezes, em alguns casos.
“O frete aéreo está extremamente caro, e só existe uma companhia aérea operando por rotas sem risco de confiscos de outros países”, disse Joiozo, em entrevista por e-mail.
Segundo o executivo, nem mesmo o relacionamento de 20 anos com fornecedores diretos no exterior tem evitado problemas na importação de matérias-primas, porque “existe muito pouca opção neste momento” em todo o mundo. “O pagamento de qualquer produto tem de ser antecipado na China e o embarque aéreo está cada vez mais escasso”.
Fundada em 1990, com matriz em São Paulo e uma fábrica em Santa Catarina, a Descarpack, que tem 200 funcionários, já está investindo em máquinas e equipamentos para ampliar sua capacidade de produção em até 300% e dar conta da demanda elevada, informou Joiozo.