BRASÍLIA – O iFood vai propor ao governo que a contribuição previdenciária dos entregadores de aplicativos seja limitada em 5% do salário mínimo, nos moldes do Microempreendedor Individual (MEI). Na proposta discutida no ano passado, em que não se chegou a um acordo, o governo queria fixar a contribuição em 7,5% da remuneração do trabalhador.
Esse porcentual prevaleceu na regulamentação dos motoristas de aplicativos, apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira, 4. Pelo projeto proposto pelo governo, motoristas vão recolher para a Previdência 7,5%, e as empresas, 20%. A alíquota incide apenas sobre uma parcela do que é recebido pelo trabalhador, chamada de “salário de contribuição”, e que representa 25% do rendimento.
O governo fixou em R$ 32 por hora trabalhada o valor mínimo a ser pago pelas empresas de aplicativos de transportes aos motoristas. A contribuição para a Previdência é calculada apenas sobre R$ 8 (o salário de contribuição). Trata-se de um valor mínimo, que garante que os trabalhadores não receberão menos do que um salário mínimo por mês (R$ 1.412).
No caso dos entregadores, o governo chegou a fazer uma proposta no ano passado em que a hora trabalhada seria de R$ 17. O iFood afirma que aceitou a proposta, mas ela foi bloqueada pelos trabalhadores. O governo então tentou elevar o valor mínimo para R$ 25, mas aí as empresas não concordaram.
Sem acordo, o governo decidiu avançar na regulamentação sem os entregadores. Lula prometeu, ainda durante a campanha eleitoral, que iria criar regras para estes trabalhadores, que ele classificou como “quase escravos”.
Se a iniciativa prosperar – é necessário que o Congresso aprove o projeto de lei –, o governo deverá incorporar cerca de 1,5 milhão de trabalhadores à rotina sindical, uma vez que a regulamentação prevê que essa categoria será representada por sindicatos. Destes, 778 mil são motoristas de aplicativos, como Uber e 99.
Auxiliares de Lula se queixam que, até o momento, o iFood não fez propostas para dissolver o impasse no caso dos entregadores – por isso, as falas contundentes do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e de Lula sobre o assunto. Na terça-feira, o presidente disse que o governo iria “encher tanto o saco que o iFood vai ter de negociar”.
Na visão do governo, a empresa não aceita recolher o mínimo necessário para a Previdência para fazer com que o trabalhador alcance um benefício de um salário mínimo.
Lucas Pittioni, vice-presidente jurídico e de políticas públicas do iFood, nega que haja resistência da empresa em recolher a contribuição de 20% sobre R$ 8, como deseja o governo. A questão, segundo ele, é que os entregadores não conseguirão arcar com 7,5%.
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A principal diferença é que os entregadores trabalham menos horas do que os motoristas de aplicativos e, por isso, segundo ele, têm uma remuneração mais baixa. O valor médio pago pelo iFood por hora gira em torno de R$ 23 ou R$ 24.
A jornada de trabalho média, identificada por uma pesquisa feita pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) com base em dados confidenciais das empresas, é de 3,3 dias por semana. A dos motoristas é de 4,2 dias por semana.
Por isso, o iFood defende que o governo tenha um regime especial de contribuição para a Previdência para os entregadores, nos mesmos moldes do MEI. A questão é que uma contribuição menor para um benefício equivalente a um salário mínimo resultará em saldo negativo para as contas da Previdência.
Durante as negociações, segundo pessoas a par das conversas, o governo afirmou que há limitações orçamentárias que impedem que o Tesouro cubra a diferença.
O iFood pretende sugerir ainda que o governo faça então um escalonamento, em que ofereça a alíquota mais baixa (de 5%) apenas para os que recebem menos, e que possa chegar a até 11%.
Outro pedido da plataforma é que os 20% que a empresa vai recolher para a Previdência possam ser usados para inteirar a parte dos trabalhadores, mas antevê dificuldades em fazer a proposta avançar.
Pittioni se queixa que o governo, embora reconheça a criação de uma nova categoria, não aceita discutir uma nova forma de recolher para a Previdência para os trabalhadores.
“Para mim, e na visão do iFood aqui, o governo está sendo incoerente ao tratar da Previdência, porque se ele reconhece, de um lado, que essa é uma figura nova no direito do trabalho, que é um novo formato de trabalho, ele não está fazendo a mesma coisa no campo previdenciário”, afirma.
Segundo ele, os trabalhadores são maciçamente informais e a contribuição que fizerem, ainda que inferior ao necessário para cobrir o necessário para a Previdência, já ajuda a reduzir o peso dos benefícios futuros para o governo.
Mesa de negociação
O secretário-executivo do Ministério do Trabalho, Chico Macena, afirma que o governo espera que os aplicativos de entrega, como iFood, voltem à mesa de negociação sob algumas premissas para propiciar o acordo: aceitar que os trabalhadores tenham autonomia para definir a sua jornada de trabalho, acesso a direitos previdenciários e transparência sobre a remuneração dos trabalhadores.
“Contribuir para a Previdência é algo que estará na mesa sempre. Subsidiar as empresas significa retirar do bolso do trabalhador para dar para as empresas. Aí é o mesmo que dizer que vou tirar do consumidor, não queremos isso. Não queremos tirar da população em geral para subsidiar as empresas. Essas condições estão colocadas”, disse Macena.
“Que a sociedade seja informada dos dados sobre como é feito esse serviço, nada que comprometa o sigilo de dados da empresa ou a disputa concorrencial, mas dados consolidados que permitam à sociedade compreender como é feito esse serviço”, acrescentou.
Representantes dos entregadores foram chamados a Brasília no fim do mês, o que indica que as tratativas podem recomeçar ainda em março. Um dos problemas enfrentados neste quesito é que se trata de uma categoria heterogênea, em que há trabalhadores com carteira assinada, outros informais e ainda os que apenas usam a entrega como um “bico” para aumentar a renda.