Dois terços dos trabalhadores brasileiros não têm contratos permanentes, o que significa que muitos não contam com direitos trabalhistas ou sociais. O alerta é da Organização Internacional do Trabalho em seu informe anual publicado nesta segunda-feira em Genebra. A entidade deixa claro: o projeto de terceirização que está em debate no Brasil ameaça deixar um número ainda maior de trabalhadores sem direitos e aumentar a desigualdade.
Segundo a OIT, o desemprego no Brasil caiu de 9,5% em 2000 para 6,8% ao final de 2014. Mas 66,9% dos trabalhadores vivem em contratos temporários. A taxa é inferior a da China ou India, com mais de 90% dos trabalhadores nesta situação. Mas a realidade é muito distante dos países ricos. Nessas economias, apenas 17% dos trabalhadores não contam com contratos permanentes. Nos EUA, a taxa cai para apenas 13%.
O informe é publicado no momento em que, depois de aprovada na Câmara dos Deputados, uma emenda do Projeto de Lei 4.330/04 abre as portas para que as empresas possam subcontratar todos os seus serviços, incluindo a atividade-fim. O projeto da terceirização segue agora para o Senado.
Raymond Torres, um dos principais nomes hoje da cúpula da OIT, aponta que a medida pode de fato até trazer certa competitividade ao país. Mas os riscos são "grandes" para os trabalhadores e tal lei precisa ser "acompanhada por medidas de proteção ao trabalhador". "É evidente que todos os países querem fazer parte das cadeias de produção no mundo ", disse. "De fato, leis como essa podem ajudar na competitividade e podem ter um impacto positivo numa economia que está sofrendo. Mas isso não irá se refletir necessariamente nas condições de trabalho", alertou.
"Mesmo que tenha um impacto positivo na produtividade, não há garantias para os salários. O tipo de trabalho pode ser deteriorado", indicou Torres. "Ao ter uma política de maior inserção na economia mundial, um país também precisa ter medidas para evitar abusos, como o aumento do emprego autônomo e a deterioração das condições de trabalho", insistiu.
Segundo a OIT, o Brasil perdeu espaço nas cadeias de produção no mundo. Se entre 2000 e 2007 cerca de 17% da mão-de-obra nacional trabalhava em um setor inserido na produção globalizada, a taxa caiu hoje para 16%. O índice está abaixo da média mundial, de 20%, e é uma das mais baixas entre 40 economias avaliadas.
No total, esses países teriam 453 milhões de pessoas empregadas em cadeias de produção. No caso de Taiwan, 55% dos trabalhadores estão empregados em produções ligadas à cadeia mundial, dez pontos percentuais acima das taxas de 2007. Na Europa e na Coreia, mais de 30% dos trabalhadores também produzem para uma cadeia mundial.
Mas, segundo a OIT, a realidade é que não é apenas no Brasil que se nota uma deterioração das condições. Hoje, apenas um quarto dos trabalhadores no mundo tem uma relação estável com o empregador. 73,6% deles contam apenas com contratos de curto prazo ou temporários.
No setor informal, nem mesmo contratos existem e muitos constituem empresas próprias para prestar serviços. Mesmo entre os assalariados, aqueles sem contratos permanentes chegam a ganhar em média 42% a menos que os empregados fixos.
A OIT destaca que há um aumento do trabalho assalariado. Mas as diferenças regionais são profundas. Na Europa, ela chega a 80%. No Sudeste Asiático, a menos de 20%.
"Esses dados mostram que, em alguns casos, formas não padronizadas de trabalho podem ajudar as pessoas a entrar no mercado de trabalho ", disse Guy Ryder, diretor-geral da OIT. " Mas essa tendência é também um reflexo da insegurança generalizada que está afetando muitos trabalhadores hoje no mundo ", alertou.
"O informe revela uma mudança no modelo padrão de emprego, pelo qual o trabalhador ganha um salário numa relação de dependência vis-à-vis seu empregador, com trabalho estável e em tempo integral ", indicou o informe.
Segundo a OIT, esse modelo é cada vez mais raro nas economias avançadas. Nos emergentes, houve um fortalecimento dos contratos nos últimos dez anos. Mas o setor informal ainda é substancial.
Mesmo entre os assalariados, menos de 40% deles trabalham todo o dia. Isso significa que, de dez trabalhadores com salários, seis apenas atuam em tempo parcial. "O modelo padrão de emprego é cada vez menos representativo do mundo do trabalho hoje, já que menos de um a cada quatro trabalhador está em condições de representar esse modelo", indicou a OIT.
Entre 2009 e 2013, os empregos de períodos parciais aumentaram de uma forma muito mais rápida que postos permanentes em locais como na França, Itália, Japão ou Espanha.
Neste período, a UE registrou uma queda de postos de tempo integral afetando 3,3 milhões de pessoas. Mas apenas 2,1 milhões de postos parciais foram criados nesse período.
Já no Brasil, EUA e Rússia, o número de empregos em tempo integral aumentou de forma mais rápida que os trabalhos parciais. Os dados também revelam que, no Brasil, um trabalhador autônomo ganha em média 5% acima do trabalhador assalariado.
Desigualdade. Ryder admite que o mundo está conhecendo um novo padrão da relação entre empregado e patrão. Mas alerta : "muitas vezes isso está associado ao aumento da desigualdade e pobreza em muitos países ", disse. " Além disso, essa tendência ameaça perpetuar o círculo vicioso de uma fraca demanda global e lenta criação de empregos ", afirmou.
Na avaliação da OIT, a desigualdade ameaça aumentar ainda mais diante do crescimento da incidência de postos de trabalho não permanentes ou em tempos parciais.
Segundo o informe, apesar dos passos positivos em diversos países para garantir uma maior cobertura de aposentadorias, proteção social e outros benefícios, apenas uma minoria dos trabalhadores recebem tais garantias.Entre os autônomos, por exemplo, apenas 16% deles contribuíam para planos de aposentadorias. Apenas 52% das pessoas empregadas no mundo estão filiadas a algum tipo de aposentadoria.