BRASÍLIA – A crise provocada pela edição de uma medida provisória limitando o uso pelo setor produtivo de créditos acumulados na tributação do PIS/Cofins escalou nesta segunda-feira, 10, com uma ação movida pelo PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O PP alega que a medida provisória é inconstitucional e pede que seus efeitos sejam anulados de maneira liminar. Na petição, o partido alega que não há urgência e relevância para o tema e que foi violado o princípio da anterioridade – ou seja, de carência para a entrada em vigor da medida que onera o setor privado.
Empresários e tributaristas vêm alegando que a medida também fere a segurança jurídica das companhias, uma vez que mudou a regra de uso dos créditos de maneira abrupta.
O Estadão apurou que a edição da MP pegou de surpresa até ministros de áreas afeitas ao tema. Simone Tebet (Planejamento) e Geraldo Alckmin (Indústria) relataram em conversas reservadas que não sabiam da MP, nem do alcance que a medida teria no setor privado.
A iniciativa do PP rapidamente viralizou entre tributaristas, políticos e representantes do setor privado ao ser interpretada como uma alternativa judicial ao impasse. Na avaliação de Haddad, isso não irá acontecer p orque a devolução dos créditos continua garantida.
Leia mais
“Essa MP é uma bomba atômica na credibilidade do Brasil e nós temos que desarmar essa bomba atômica para o bem do Brasil”, disse o presidente do PP, Ciro Nogueira (PP-PI). Ele foi chefe da Casa Civil no governo Bolsonaro e hoje integra a oposição no Senado.
“Nós somos absolutamente a favor do equilíbrio fiscal e de combater o déficit. O que nós não podemos fazer de jeito nenhum é destruir a casa para consertar o teto. A MP é a MP da insegurança jurídica e não é a primeira vez que o governo Lula cria insegurança jurídica”, acrescentou.
Mais cedo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não teme um repasse de preço ao consumidor por aumento de custo que as empresas alegam que a MP vai gerar. Na avaliação de Haddad, isso não irá acontecer porque a devolução dos créditos continua garantida.
O governo baixou a MP alegando ser a fonte de compensação para a política de desoneração da folha de pagamentos dos 17 setores que mais empregam e de prefeituras. Segundo o Ministério da Fazenda, o benefício deverá custar neste ano cerca de R$ 26 bilhões, e a limitação no uso do PIS/Cofins poderá gerar uma economia de R$ 29 bilhões.
Pacheco vai a Lula
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se reuniu na tarde desta segunda com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir a medida, uma vez que ele também vem sendo pressionado por senadores a devolver a MP.
Na reunião, Pacheco disse a Lula que o governo deve apresentar uma solução até esta terça-feira, 11, para evitar que a crise aumente ainda mais.
Mais de duas dezenas de frentes parlamentares assinaram um manifesto na semana passada pedindo que Pacheco devolva a MP. O presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), disse a representantes do setor privado que espera reunir mais de 100 parlamentares, entre deputados e senadores, em um ato marcado para esta terça-feira para o qual foram convocados também empresários. Depois disso, eles pretendem entregar o manifesto a Lira e Pacheco.
O presidente da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), enviou mensagem aos colegas nesta segunda dizendo que o colegiado não pode aceitar a MP.
“Realmente precisamos nos posicionar contra essa MP. Não podemos aceitar essa investida que o Executivo está fazendo em relação ao Congresso”, escreveu. “Estamos atendendo praticamente todas as demandas do governo que julgamos importantes para o País e, em resposta, o Executivo tenta compensar a derrubada do veto da prorrogação da desoneração da folha com essa MP, que é extremamente danosa para o Brasil. Não podemos aceitar essa sanha arrecadatória do governo não. Temos que agir.”
Pressionado, Pacheco disse a Lula que pretende tomar uma decisão até amanhã sobre se devolverá ou não a MP. Ele expressou críticas à iniciativa, alegando que o tema não deveria ter sido objeto de uma medida provisória (que produz efeitos imediatos) e que a ausência de anterioridade pode suscitar questionamentos de inconstitucionalidade.
Representantes do setor privado reclamam que a medida deverá gerar, no ano que vem, uma receita maior para o governo, uma vez que a desoneração começará a ser reduzida até acabar em 2027. Além disso, a restrição no uso de créditos de PIS/Cofins afeta empresas de um conjunto maior de atividades e atinge também exportadores, isentos de tributação.
Segundo cálculos do especialista em contas públicas Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, só a limitação do ressarcimento no crédito presumido de PIS/Cofins (uma parte das restrições) deve gerar uma receita de R$ 20 bilhões em 2025, maior do que a registrada neste ano.
A segunda parte da medida, que limita o uso de crédito de PIS/Cofins para o pagamento de outros tributos, chamado de compensação cruzada, é mais difícil de quantificar uma vez que depende do fluxo de ressarcimento que o governo vai colocar em prática uma vez que não permitirá o encontro de contas.
O advogado Mauricio Barros, sócio da área tributária do Cescon Barrieu, afirma que o prazo hoje para o ressarcimento é de 360 dias mas esse prazo nem sempre é cumprido.
“Há setores que têm um acúmulo de créditos crônico, seja porque são exportadores, seja porque têm benefícios de isenção ou alíquota zero (de PIS/Cofins). Nesses casos, vai ser muito difícil recuperar, porque elas só acumulam crédito porque não têm débito. Dizer que as empresas só podem usar para pagar PIS/Cofins se elas não têm débitos em razão da atividade que exercem é o mesmo que não dar o direito”, disse.
Desoneração
Por decisão do Congresso, em votações expressivas, a desoneração da folha de pagamentos dos 17 setores que mais empregam e dos municípios foi prorrogada até 2027, mas acabou suspensa por uma decisão liminar do STF em ação movida pelo governo federal.
A alegação era de que o Congresso não havia previsto uma fonte de receitas para bancar o programa nem estimado o impacto nas contas públicas. O Legislativo, porém, argumentou que medidas foram aprovadas para aumentar as receitas da União e que a estimativa de impacto estava descrita na proposta aprovada.
Posteriormente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, em entrevista ao Estadão, um acordo para manter a desoneração em 2024 e negociar uma cobrança gradual a partir do ano que vem. Segundo o Desonera Brasil, os 17 setores beneficiados pela desoneração empregam 9,3 milhões de pessoas, e o programa permitiu a criação de 151 mil empregos nos dois primeiros meses do ano./Colaborou Gabriel Hirabahasi