A única coisa que pode clarear após as contenciosas e caóticas eleições parlamentares gregas, que parecem caminhar para uma nova votação em junho, é que os gregos estão dispostos a chegar a extremos para encontrar uma alternativa ao mal-estar atual do país. A maioria da mídia grega há muito crucificou a Coalizão da Esquerda Radical, conhecida como Syriza, como ideólogos insanos que incitaram tumultos. Mas na noite de domingo retrasado, todos os olhares estavam pousados no fotogênico líder da Syriza, um engenheiro de 37 anos chamado Alexis Tsipras. "O povo da Europa não pode mais compactuar com os salvamentos da barbárie", disse à rede de televisão estatal NET. "Os líderes europeus, e especialmente a senhora Merkel (Angela Merkel, premiê alemã) deveriam perceber que suas políticas sofreram uma derrota esmagadora." Syriza recebeu menos de 5% dos votos em 2009, mas na última eleição o partido surgiu como o rosto mais novo na política grega, terminando em segundo com quase 17% dos votos -sua melhor marca histórica. Ela ficou atrás do partido conservador Nova Democracia e à frente do antes poderoso PASOK, o partido socialista tradicional demolido pela crise da dívida. Nova Democracia e PASOK dominaram conjuntamente a política grega nas últimas quatro décadas, mas desta vez, os eleitores os culparam por ter levado o país à bancarrota e depois aceitado as medidas de austeridades impostas pela União Europeia (UE) em troca de bilhões em empréstimos de salvamento. A crise econômica remodelou dramaticamente a sociedade grega e essas eleições revelaram o quanto o país está fragilizado agora. Nem Tsipras nem o líder da Nova Democracia, Antonis Samaras, conseguiram atrair parceiros para um governo de coalizão. Tsipras não poderia encontrar aliados para uma aliança governante de partidos de esquerda que nacionalizaria os bancos do país e cancelaria as medidas de austeridade refutando os termos do acordo de empréstimo vigente. Ele disse que só trabalharia com o PASOK e a Nova Democracia se eles renunciassem publicamente ao salvamento. Os líderes de ambos os partidos recusaram. "Tsipras me pede para aceitar a saída da Grécia do euro e a bancarrota do país", disse Samaras na última semana.Soberania nacional. A questão que está paralisando os gregos neste momento tem a ver com soberania. Como eles não querem aceitar os termos duros que os emprestadores estrangeiros impuseram em troca da ajuda pairam no ar dúvidas sobre que outro caminho eles deveriam trilhar, quais as consequências disso e quem poderia liderá-los.PASOK e Nova Democracia tiveram dificuldade até de lidar com problemas locais, como o aumento da criminalidade e a decadência que transformou alguns bairros centrais de Atenas em guetos polarizados, infestados pelas drogas, onde gregos e imigrantes recentes do sul da Ásia e da África não se misturam.Mais de 90% dos imigrantes ilegais da Europa entram pela Grécia. Tanto a UE como o governo grego falharam no enfrentamento dos riscos sociais decorrentes do afluxo maciço de pessoas sem trabalho e desesperadas. Muitas acabam parando em Atenas, sem teto ou em habitações precárias. A polícia grega atribui cerca de 60% dos crimes no centro da cidade a imigrantes ilegais. O medo crescente da criminalidade de imigrantes alimentou a ascensão da Chrysi Avgi, ou Aurora Dourada, um partido fascista, ultranacionalista, que ficou mais conhecido por incitar ataques violentos a imigrantes sem documentos e usar iconografia de cunho nazista.A Aurora Dourada diz que está concentrada em proteger, não em atacar. Quando conversei pela primeira vez com seu porta-voz, Ilias Panagiotaros, há alguns meses, ele assinalou que pessoas idosas no centro de Atenas tinham medo até de sair de suas casas porque seriam atacadas por "gangues de afegãos". Os membros da Aurora Dourada escoltam avós ao caixa eletrônico, ao supermercado e até à igreja. "A polícia não faz nada aqui, por isso nós mesmos temos de fazer", disse. "Nós tratamos de agir e damos resultados. As pessoas veem isso, e elas votarão em nós para o Parlamento."E foi exatamente isso que ocorreu na última eleição. Em 2009, quando os gregos ainda repudiavam os membros do partido como neonazistas truculentos, a Aurora Dourada obteve apenas 0,23% dos votos. Agora, remodelado como patriotas que se opõem raivosamente ao salvamento com o slogan "A Grécia para os gregos", o partido recebeu espantosos 7% dos votos e 21 cadeiras no Parlamento.Para alguns eleitores idosos da Aurora Dourada que passaram pela pavorosa ocupação nazista do país na 2ª Guerra Mundial que matou dezenas de milhares de gregos, as características nazistas do partido não pareciam importar. Na noite da eleição, um motorista de táxi na faixa dos 60 anos me disse: "A 2ª Guerra foi há muito tempo e esses são nazistas diferentes." A questão, ele disse, é que "a Aurora Dourada vai limpar a Grécia pela força." O líder do partido, Nikolaos Michaloliakos, é um ex-comandante do Exército que fez a saudação nazista depois de ser eleito para o conselho municipal de Atenas em 2010. "Vocês que traíram a pátria, agora deveriam se apavorar", disse depois da última eleição. Os políticos das correntes dominantes perceberam que a mensagem de jogo duro contra o crime e anti-imigrantes da Aurora Dourada estava caindo no gosto dos eleitores, e por isso adaptaram-na para suas próprias campanhas. Samaras, da Nova Democracia, declarou que os gregos precisam, "recuperar suas cidades" de imigrantes ilegais. Michalis Chrysochoidis, um deputado do PASOK, que foi ministro da Ordem Pública no governo provisório, ordenou a construção de dezenas de centros de detenção para manter imigrantes até eles serem deportados. Embora as eleições de domingo retrasado tenham deixado o país num impasse político, elas desencadearam uma fúria crescente com a percepção de que o acordo de salvamento usurpou os direitos dos gregos de decidirem seu próprio caminho. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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