O legado de Pastore: os ‘descaminhos’ do Brasil não deixaram espaço para aumento de gastos públicos


No livro ‘Caminhos e Descaminhos da Estabilização’, lançado nesta quarta-feira, o economista, falecido em fevereiro, analisou a economia nas últimas sete décadas

Por Eduardo Geraque
Atualização:

Se o Brasil está assistindo a um filme rodando ao contrário, e em velocidade acelerada, nas palavras do economista Rogério Furquim Werneck, o livro recém-lançado de Affonso Celso Pastore, que faleceu em fevereiro, ganha um peso maior. “Estamos vendo, lamentavelmente, o desmantelamento do tripé (macroeconômico). A perna do superávit primário já foi e a nossa sustentabilidade fiscal pode estar comprometida por até 15 anos”, avaliou o professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio e colunista do Estadão.

Werneck foi um dos convidados pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) para um debate sobre a obra “Caminhos e Descaminhos da Estabilização, uma análise do conflito fiscal-monetário no Brasil”, escrita por Affonso Celso Pastore nos últimos anos de vida e que está sendo lançada agora.

Rogério Werneck (E), Pérsio Arida (C) e Mario Mesquita, em debate no CDPP Foto: Alex Silva/Estadão
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“Os capítulos, que abrangem praticamente as últimas sete décadas, continuam bastante atuais, além de ser um livro único, que olha para a história brasileira a partir da pergunta: O País sabia a importância de uma âncora nominal para estabilizar a inflação?”, reflete Pérsio Arida, outro economista convidado para o evento realizado na noite desta quarta-feira, 7, em São Paulo.

Segundo o economista, presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso e um dos idealizadores do Plano Real, existe algo que não pode ser ignorado na história econômica do Brasil nos últimos 30 anos. “O próprio funcionamento da democracia brasileira, com os processos eleitorais a cada quatro anos, tornou a estabilidade de preços um bem público e dificilmente os governantes deixarão o país inflacionar, porque simplesmente perdem a eleição ou não fazem os seus sucessores”, disse Arida.

Mesmo com esse contexto, segundo ele, porém, a reflexão merece um adendo. “Hoje eu me pergunto: será mesmo que todo o governante sempre fará o necessário para manter o controle de preços nem que seja no limite? Ou será que é preciso uma enorme crise para que a política econômica se movimente na direção certa? Se o Pastore estivesse entre nós, colocaria essa questão a ele. E imagino que a resposta seria: precisa de uma grande crise, sim.”

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A obra de Pastore, com prefácio de Ilan Goldfajn, atualmente presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), começa com uma nota histórica sobre a experiência do Brasil com o regime de câmbio fixo entre o final da Segunda Guerra Mundial e as reformas do Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg) em 1966. Tempos em que o País ainda não tinha um Banco Central (BC), criado exatamente pelas mudanças de 1966.

O autor, presidente do próprio BC entre 1983 e 1985, passa pelas crises do México, dos países asiáticos e a crise da Rússia que, segundo ele, “tornou impossível para o Brasil se manter no regime do câmbio fixo”.

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Os capítulos vão se desenrolando e Pastore, morto aos 84 anos, entra em detalhes sobre como o Brasil, e os economistas, entre eles Pérsio Arida, consolidaram, no final dos anos 1990, o regime do tripé econômico (meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante). Sistema que sobreviveu à troca de governo em 2002, mas que está cada vez mais manco.

Durante a campanha eleitoral daquele ano, havia um temor de que o então candidato Lula desse o calote na dívida pública. Mas, no mesmo processo, houve a publicação da conhecida Carta aos Brasileiros, onde o Partido dos Trabalhadores se comprometeu a seguir as regras fiscais vigentes, algo que realmente ocorreu, como também descreve Pastore, pelo menos durante o primeiro governo Lula. Para depois tudo começar a ruir, em termos de expansão fiscal, no segundo mandato e, mais ainda, quanto Dilma Rousseff assumiu o poder.

“Ao longo de 2023, começamos a viver uma nova fase da política econômica cuja história foi analisada neste livro. Não sei aonde chegaremos, mas não poderia terminar este trabalho sem que, em seu epílogo, fizesse uma advertência alta e clara de que, no Brasil, o espaço fiscal, definido como a flexibilidade para aumentar gastos, é muito estreito ou mesmo inexistente”, escreve Affonso Celso Pastore, nas últimas linhas da introdução do seu livro póstumo.

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O que está disponível agora ao público é uma espécie de legado de como ele analisava o Brasil, avaliou a economista Cristina Pinotti, viúva de Pastore, a pessoa responsável por publicar o livro.

Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia Foto: Werther Santana/Estadão

“É mais uma bela contribuição que ele nos deixa. O livro fala de caminhos e descaminhos. Quando veio o governo Rousseff, entramos nos descaminhos. Tanto na política fiscal quanto na monetária. Passamos muitas dificuldades de termos superávits primários naquele governo e foram dados muitos benefícios fiscais seletivos, com muito pouco ganho para a economia, e o tripé começou a ficar manco”, analisa, a partir da obra de Pastore, Mario Mesquita, atual economista-chefe do banco Itaú e diretor de Política Econômica do Banco Central entre junho de 2006 a março de 2010.

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“O Affonso, do jeito dele, honesto e rigoroso, não se furtou a deixar tudo aquilo (feito durante o governo Dilma) bastante claro”, explica Mesquita, outro dos debatedores no CDPP. Para o economista, concordando com Pastore, o governo Temer, com a criação do teto de gastos, fez um ajuste de rota importante. Depois veio a pandemia e as metas ficaram em pé. E, em 2023, houve a troca do teto de gastos pelo arcabouço fiscal. “E as advertências citadas no fim do livro são a grande missão do livro”, disse Mesquita.

Falando de forma remota, Ilan Goldfajn deu um toque pessoal ao evento. Segundo ele, Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia, tanto na Casa das Garças, no Rio, quanto no CDPP, em São Paulo. “Ao não se furtar do debate público, nós, os economistas, temos um papel relevante de sermos uma ponte entre um governo e outro, e nem sempre isso é fácil. E o Pastore de fato fez isso a vida toda.”

Além disso, Goldfajn, que enviou o prefácio da obra agora publicada sem saber que o amigo estava já internado, também fez questão de relembrar a honestidade intelectual de Pastore, independente do custo público que ela poderia acarretar. “Ele era uma pessoa que gostava da estabilidade e tinha um rigor muito importante.” O prefácio foi um dos últimos textos lidos para Pastore no hospital, por Cristina, que gostou do que ouviu.

Se o Brasil está assistindo a um filme rodando ao contrário, e em velocidade acelerada, nas palavras do economista Rogério Furquim Werneck, o livro recém-lançado de Affonso Celso Pastore, que faleceu em fevereiro, ganha um peso maior. “Estamos vendo, lamentavelmente, o desmantelamento do tripé (macroeconômico). A perna do superávit primário já foi e a nossa sustentabilidade fiscal pode estar comprometida por até 15 anos”, avaliou o professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio e colunista do Estadão.

Werneck foi um dos convidados pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) para um debate sobre a obra “Caminhos e Descaminhos da Estabilização, uma análise do conflito fiscal-monetário no Brasil”, escrita por Affonso Celso Pastore nos últimos anos de vida e que está sendo lançada agora.

Rogério Werneck (E), Pérsio Arida (C) e Mario Mesquita, em debate no CDPP Foto: Alex Silva/Estadão

“Os capítulos, que abrangem praticamente as últimas sete décadas, continuam bastante atuais, além de ser um livro único, que olha para a história brasileira a partir da pergunta: O País sabia a importância de uma âncora nominal para estabilizar a inflação?”, reflete Pérsio Arida, outro economista convidado para o evento realizado na noite desta quarta-feira, 7, em São Paulo.

Segundo o economista, presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso e um dos idealizadores do Plano Real, existe algo que não pode ser ignorado na história econômica do Brasil nos últimos 30 anos. “O próprio funcionamento da democracia brasileira, com os processos eleitorais a cada quatro anos, tornou a estabilidade de preços um bem público e dificilmente os governantes deixarão o país inflacionar, porque simplesmente perdem a eleição ou não fazem os seus sucessores”, disse Arida.

Mesmo com esse contexto, segundo ele, porém, a reflexão merece um adendo. “Hoje eu me pergunto: será mesmo que todo o governante sempre fará o necessário para manter o controle de preços nem que seja no limite? Ou será que é preciso uma enorme crise para que a política econômica se movimente na direção certa? Se o Pastore estivesse entre nós, colocaria essa questão a ele. E imagino que a resposta seria: precisa de uma grande crise, sim.”

A obra de Pastore, com prefácio de Ilan Goldfajn, atualmente presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), começa com uma nota histórica sobre a experiência do Brasil com o regime de câmbio fixo entre o final da Segunda Guerra Mundial e as reformas do Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg) em 1966. Tempos em que o País ainda não tinha um Banco Central (BC), criado exatamente pelas mudanças de 1966.

O autor, presidente do próprio BC entre 1983 e 1985, passa pelas crises do México, dos países asiáticos e a crise da Rússia que, segundo ele, “tornou impossível para o Brasil se manter no regime do câmbio fixo”.

Os capítulos vão se desenrolando e Pastore, morto aos 84 anos, entra em detalhes sobre como o Brasil, e os economistas, entre eles Pérsio Arida, consolidaram, no final dos anos 1990, o regime do tripé econômico (meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante). Sistema que sobreviveu à troca de governo em 2002, mas que está cada vez mais manco.

Durante a campanha eleitoral daquele ano, havia um temor de que o então candidato Lula desse o calote na dívida pública. Mas, no mesmo processo, houve a publicação da conhecida Carta aos Brasileiros, onde o Partido dos Trabalhadores se comprometeu a seguir as regras fiscais vigentes, algo que realmente ocorreu, como também descreve Pastore, pelo menos durante o primeiro governo Lula. Para depois tudo começar a ruir, em termos de expansão fiscal, no segundo mandato e, mais ainda, quanto Dilma Rousseff assumiu o poder.

“Ao longo de 2023, começamos a viver uma nova fase da política econômica cuja história foi analisada neste livro. Não sei aonde chegaremos, mas não poderia terminar este trabalho sem que, em seu epílogo, fizesse uma advertência alta e clara de que, no Brasil, o espaço fiscal, definido como a flexibilidade para aumentar gastos, é muito estreito ou mesmo inexistente”, escreve Affonso Celso Pastore, nas últimas linhas da introdução do seu livro póstumo.

O que está disponível agora ao público é uma espécie de legado de como ele analisava o Brasil, avaliou a economista Cristina Pinotti, viúva de Pastore, a pessoa responsável por publicar o livro.

Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia Foto: Werther Santana/Estadão

“É mais uma bela contribuição que ele nos deixa. O livro fala de caminhos e descaminhos. Quando veio o governo Rousseff, entramos nos descaminhos. Tanto na política fiscal quanto na monetária. Passamos muitas dificuldades de termos superávits primários naquele governo e foram dados muitos benefícios fiscais seletivos, com muito pouco ganho para a economia, e o tripé começou a ficar manco”, analisa, a partir da obra de Pastore, Mario Mesquita, atual economista-chefe do banco Itaú e diretor de Política Econômica do Banco Central entre junho de 2006 a março de 2010.

“O Affonso, do jeito dele, honesto e rigoroso, não se furtou a deixar tudo aquilo (feito durante o governo Dilma) bastante claro”, explica Mesquita, outro dos debatedores no CDPP. Para o economista, concordando com Pastore, o governo Temer, com a criação do teto de gastos, fez um ajuste de rota importante. Depois veio a pandemia e as metas ficaram em pé. E, em 2023, houve a troca do teto de gastos pelo arcabouço fiscal. “E as advertências citadas no fim do livro são a grande missão do livro”, disse Mesquita.

Falando de forma remota, Ilan Goldfajn deu um toque pessoal ao evento. Segundo ele, Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia, tanto na Casa das Garças, no Rio, quanto no CDPP, em São Paulo. “Ao não se furtar do debate público, nós, os economistas, temos um papel relevante de sermos uma ponte entre um governo e outro, e nem sempre isso é fácil. E o Pastore de fato fez isso a vida toda.”

Além disso, Goldfajn, que enviou o prefácio da obra agora publicada sem saber que o amigo estava já internado, também fez questão de relembrar a honestidade intelectual de Pastore, independente do custo público que ela poderia acarretar. “Ele era uma pessoa que gostava da estabilidade e tinha um rigor muito importante.” O prefácio foi um dos últimos textos lidos para Pastore no hospital, por Cristina, que gostou do que ouviu.

Se o Brasil está assistindo a um filme rodando ao contrário, e em velocidade acelerada, nas palavras do economista Rogério Furquim Werneck, o livro recém-lançado de Affonso Celso Pastore, que faleceu em fevereiro, ganha um peso maior. “Estamos vendo, lamentavelmente, o desmantelamento do tripé (macroeconômico). A perna do superávit primário já foi e a nossa sustentabilidade fiscal pode estar comprometida por até 15 anos”, avaliou o professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio e colunista do Estadão.

Werneck foi um dos convidados pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) para um debate sobre a obra “Caminhos e Descaminhos da Estabilização, uma análise do conflito fiscal-monetário no Brasil”, escrita por Affonso Celso Pastore nos últimos anos de vida e que está sendo lançada agora.

Rogério Werneck (E), Pérsio Arida (C) e Mario Mesquita, em debate no CDPP Foto: Alex Silva/Estadão

“Os capítulos, que abrangem praticamente as últimas sete décadas, continuam bastante atuais, além de ser um livro único, que olha para a história brasileira a partir da pergunta: O País sabia a importância de uma âncora nominal para estabilizar a inflação?”, reflete Pérsio Arida, outro economista convidado para o evento realizado na noite desta quarta-feira, 7, em São Paulo.

Segundo o economista, presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso e um dos idealizadores do Plano Real, existe algo que não pode ser ignorado na história econômica do Brasil nos últimos 30 anos. “O próprio funcionamento da democracia brasileira, com os processos eleitorais a cada quatro anos, tornou a estabilidade de preços um bem público e dificilmente os governantes deixarão o país inflacionar, porque simplesmente perdem a eleição ou não fazem os seus sucessores”, disse Arida.

Mesmo com esse contexto, segundo ele, porém, a reflexão merece um adendo. “Hoje eu me pergunto: será mesmo que todo o governante sempre fará o necessário para manter o controle de preços nem que seja no limite? Ou será que é preciso uma enorme crise para que a política econômica se movimente na direção certa? Se o Pastore estivesse entre nós, colocaria essa questão a ele. E imagino que a resposta seria: precisa de uma grande crise, sim.”

A obra de Pastore, com prefácio de Ilan Goldfajn, atualmente presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), começa com uma nota histórica sobre a experiência do Brasil com o regime de câmbio fixo entre o final da Segunda Guerra Mundial e as reformas do Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg) em 1966. Tempos em que o País ainda não tinha um Banco Central (BC), criado exatamente pelas mudanças de 1966.

O autor, presidente do próprio BC entre 1983 e 1985, passa pelas crises do México, dos países asiáticos e a crise da Rússia que, segundo ele, “tornou impossível para o Brasil se manter no regime do câmbio fixo”.

Os capítulos vão se desenrolando e Pastore, morto aos 84 anos, entra em detalhes sobre como o Brasil, e os economistas, entre eles Pérsio Arida, consolidaram, no final dos anos 1990, o regime do tripé econômico (meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante). Sistema que sobreviveu à troca de governo em 2002, mas que está cada vez mais manco.

Durante a campanha eleitoral daquele ano, havia um temor de que o então candidato Lula desse o calote na dívida pública. Mas, no mesmo processo, houve a publicação da conhecida Carta aos Brasileiros, onde o Partido dos Trabalhadores se comprometeu a seguir as regras fiscais vigentes, algo que realmente ocorreu, como também descreve Pastore, pelo menos durante o primeiro governo Lula. Para depois tudo começar a ruir, em termos de expansão fiscal, no segundo mandato e, mais ainda, quanto Dilma Rousseff assumiu o poder.

“Ao longo de 2023, começamos a viver uma nova fase da política econômica cuja história foi analisada neste livro. Não sei aonde chegaremos, mas não poderia terminar este trabalho sem que, em seu epílogo, fizesse uma advertência alta e clara de que, no Brasil, o espaço fiscal, definido como a flexibilidade para aumentar gastos, é muito estreito ou mesmo inexistente”, escreve Affonso Celso Pastore, nas últimas linhas da introdução do seu livro póstumo.

O que está disponível agora ao público é uma espécie de legado de como ele analisava o Brasil, avaliou a economista Cristina Pinotti, viúva de Pastore, a pessoa responsável por publicar o livro.

Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia Foto: Werther Santana/Estadão

“É mais uma bela contribuição que ele nos deixa. O livro fala de caminhos e descaminhos. Quando veio o governo Rousseff, entramos nos descaminhos. Tanto na política fiscal quanto na monetária. Passamos muitas dificuldades de termos superávits primários naquele governo e foram dados muitos benefícios fiscais seletivos, com muito pouco ganho para a economia, e o tripé começou a ficar manco”, analisa, a partir da obra de Pastore, Mario Mesquita, atual economista-chefe do banco Itaú e diretor de Política Econômica do Banco Central entre junho de 2006 a março de 2010.

“O Affonso, do jeito dele, honesto e rigoroso, não se furtou a deixar tudo aquilo (feito durante o governo Dilma) bastante claro”, explica Mesquita, outro dos debatedores no CDPP. Para o economista, concordando com Pastore, o governo Temer, com a criação do teto de gastos, fez um ajuste de rota importante. Depois veio a pandemia e as metas ficaram em pé. E, em 2023, houve a troca do teto de gastos pelo arcabouço fiscal. “E as advertências citadas no fim do livro são a grande missão do livro”, disse Mesquita.

Falando de forma remota, Ilan Goldfajn deu um toque pessoal ao evento. Segundo ele, Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia, tanto na Casa das Garças, no Rio, quanto no CDPP, em São Paulo. “Ao não se furtar do debate público, nós, os economistas, temos um papel relevante de sermos uma ponte entre um governo e outro, e nem sempre isso é fácil. E o Pastore de fato fez isso a vida toda.”

Além disso, Goldfajn, que enviou o prefácio da obra agora publicada sem saber que o amigo estava já internado, também fez questão de relembrar a honestidade intelectual de Pastore, independente do custo público que ela poderia acarretar. “Ele era uma pessoa que gostava da estabilidade e tinha um rigor muito importante.” O prefácio foi um dos últimos textos lidos para Pastore no hospital, por Cristina, que gostou do que ouviu.

Se o Brasil está assistindo a um filme rodando ao contrário, e em velocidade acelerada, nas palavras do economista Rogério Furquim Werneck, o livro recém-lançado de Affonso Celso Pastore, que faleceu em fevereiro, ganha um peso maior. “Estamos vendo, lamentavelmente, o desmantelamento do tripé (macroeconômico). A perna do superávit primário já foi e a nossa sustentabilidade fiscal pode estar comprometida por até 15 anos”, avaliou o professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio e colunista do Estadão.

Werneck foi um dos convidados pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) para um debate sobre a obra “Caminhos e Descaminhos da Estabilização, uma análise do conflito fiscal-monetário no Brasil”, escrita por Affonso Celso Pastore nos últimos anos de vida e que está sendo lançada agora.

Rogério Werneck (E), Pérsio Arida (C) e Mario Mesquita, em debate no CDPP Foto: Alex Silva/Estadão

“Os capítulos, que abrangem praticamente as últimas sete décadas, continuam bastante atuais, além de ser um livro único, que olha para a história brasileira a partir da pergunta: O País sabia a importância de uma âncora nominal para estabilizar a inflação?”, reflete Pérsio Arida, outro economista convidado para o evento realizado na noite desta quarta-feira, 7, em São Paulo.

Segundo o economista, presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso e um dos idealizadores do Plano Real, existe algo que não pode ser ignorado na história econômica do Brasil nos últimos 30 anos. “O próprio funcionamento da democracia brasileira, com os processos eleitorais a cada quatro anos, tornou a estabilidade de preços um bem público e dificilmente os governantes deixarão o país inflacionar, porque simplesmente perdem a eleição ou não fazem os seus sucessores”, disse Arida.

Mesmo com esse contexto, segundo ele, porém, a reflexão merece um adendo. “Hoje eu me pergunto: será mesmo que todo o governante sempre fará o necessário para manter o controle de preços nem que seja no limite? Ou será que é preciso uma enorme crise para que a política econômica se movimente na direção certa? Se o Pastore estivesse entre nós, colocaria essa questão a ele. E imagino que a resposta seria: precisa de uma grande crise, sim.”

A obra de Pastore, com prefácio de Ilan Goldfajn, atualmente presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), começa com uma nota histórica sobre a experiência do Brasil com o regime de câmbio fixo entre o final da Segunda Guerra Mundial e as reformas do Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg) em 1966. Tempos em que o País ainda não tinha um Banco Central (BC), criado exatamente pelas mudanças de 1966.

O autor, presidente do próprio BC entre 1983 e 1985, passa pelas crises do México, dos países asiáticos e a crise da Rússia que, segundo ele, “tornou impossível para o Brasil se manter no regime do câmbio fixo”.

Os capítulos vão se desenrolando e Pastore, morto aos 84 anos, entra em detalhes sobre como o Brasil, e os economistas, entre eles Pérsio Arida, consolidaram, no final dos anos 1990, o regime do tripé econômico (meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante). Sistema que sobreviveu à troca de governo em 2002, mas que está cada vez mais manco.

Durante a campanha eleitoral daquele ano, havia um temor de que o então candidato Lula desse o calote na dívida pública. Mas, no mesmo processo, houve a publicação da conhecida Carta aos Brasileiros, onde o Partido dos Trabalhadores se comprometeu a seguir as regras fiscais vigentes, algo que realmente ocorreu, como também descreve Pastore, pelo menos durante o primeiro governo Lula. Para depois tudo começar a ruir, em termos de expansão fiscal, no segundo mandato e, mais ainda, quanto Dilma Rousseff assumiu o poder.

“Ao longo de 2023, começamos a viver uma nova fase da política econômica cuja história foi analisada neste livro. Não sei aonde chegaremos, mas não poderia terminar este trabalho sem que, em seu epílogo, fizesse uma advertência alta e clara de que, no Brasil, o espaço fiscal, definido como a flexibilidade para aumentar gastos, é muito estreito ou mesmo inexistente”, escreve Affonso Celso Pastore, nas últimas linhas da introdução do seu livro póstumo.

O que está disponível agora ao público é uma espécie de legado de como ele analisava o Brasil, avaliou a economista Cristina Pinotti, viúva de Pastore, a pessoa responsável por publicar o livro.

Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia Foto: Werther Santana/Estadão

“É mais uma bela contribuição que ele nos deixa. O livro fala de caminhos e descaminhos. Quando veio o governo Rousseff, entramos nos descaminhos. Tanto na política fiscal quanto na monetária. Passamos muitas dificuldades de termos superávits primários naquele governo e foram dados muitos benefícios fiscais seletivos, com muito pouco ganho para a economia, e o tripé começou a ficar manco”, analisa, a partir da obra de Pastore, Mario Mesquita, atual economista-chefe do banco Itaú e diretor de Política Econômica do Banco Central entre junho de 2006 a março de 2010.

“O Affonso, do jeito dele, honesto e rigoroso, não se furtou a deixar tudo aquilo (feito durante o governo Dilma) bastante claro”, explica Mesquita, outro dos debatedores no CDPP. Para o economista, concordando com Pastore, o governo Temer, com a criação do teto de gastos, fez um ajuste de rota importante. Depois veio a pandemia e as metas ficaram em pé. E, em 2023, houve a troca do teto de gastos pelo arcabouço fiscal. “E as advertências citadas no fim do livro são a grande missão do livro”, disse Mesquita.

Falando de forma remota, Ilan Goldfajn deu um toque pessoal ao evento. Segundo ele, Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia, tanto na Casa das Garças, no Rio, quanto no CDPP, em São Paulo. “Ao não se furtar do debate público, nós, os economistas, temos um papel relevante de sermos uma ponte entre um governo e outro, e nem sempre isso é fácil. E o Pastore de fato fez isso a vida toda.”

Além disso, Goldfajn, que enviou o prefácio da obra agora publicada sem saber que o amigo estava já internado, também fez questão de relembrar a honestidade intelectual de Pastore, independente do custo público que ela poderia acarretar. “Ele era uma pessoa que gostava da estabilidade e tinha um rigor muito importante.” O prefácio foi um dos últimos textos lidos para Pastore no hospital, por Cristina, que gostou do que ouviu.

Se o Brasil está assistindo a um filme rodando ao contrário, e em velocidade acelerada, nas palavras do economista Rogério Furquim Werneck, o livro recém-lançado de Affonso Celso Pastore, que faleceu em fevereiro, ganha um peso maior. “Estamos vendo, lamentavelmente, o desmantelamento do tripé (macroeconômico). A perna do superávit primário já foi e a nossa sustentabilidade fiscal pode estar comprometida por até 15 anos”, avaliou o professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio e colunista do Estadão.

Werneck foi um dos convidados pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) para um debate sobre a obra “Caminhos e Descaminhos da Estabilização, uma análise do conflito fiscal-monetário no Brasil”, escrita por Affonso Celso Pastore nos últimos anos de vida e que está sendo lançada agora.

Rogério Werneck (E), Pérsio Arida (C) e Mario Mesquita, em debate no CDPP Foto: Alex Silva/Estadão

“Os capítulos, que abrangem praticamente as últimas sete décadas, continuam bastante atuais, além de ser um livro único, que olha para a história brasileira a partir da pergunta: O País sabia a importância de uma âncora nominal para estabilizar a inflação?”, reflete Pérsio Arida, outro economista convidado para o evento realizado na noite desta quarta-feira, 7, em São Paulo.

Segundo o economista, presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso e um dos idealizadores do Plano Real, existe algo que não pode ser ignorado na história econômica do Brasil nos últimos 30 anos. “O próprio funcionamento da democracia brasileira, com os processos eleitorais a cada quatro anos, tornou a estabilidade de preços um bem público e dificilmente os governantes deixarão o país inflacionar, porque simplesmente perdem a eleição ou não fazem os seus sucessores”, disse Arida.

Mesmo com esse contexto, segundo ele, porém, a reflexão merece um adendo. “Hoje eu me pergunto: será mesmo que todo o governante sempre fará o necessário para manter o controle de preços nem que seja no limite? Ou será que é preciso uma enorme crise para que a política econômica se movimente na direção certa? Se o Pastore estivesse entre nós, colocaria essa questão a ele. E imagino que a resposta seria: precisa de uma grande crise, sim.”

A obra de Pastore, com prefácio de Ilan Goldfajn, atualmente presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), começa com uma nota histórica sobre a experiência do Brasil com o regime de câmbio fixo entre o final da Segunda Guerra Mundial e as reformas do Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg) em 1966. Tempos em que o País ainda não tinha um Banco Central (BC), criado exatamente pelas mudanças de 1966.

O autor, presidente do próprio BC entre 1983 e 1985, passa pelas crises do México, dos países asiáticos e a crise da Rússia que, segundo ele, “tornou impossível para o Brasil se manter no regime do câmbio fixo”.

Os capítulos vão se desenrolando e Pastore, morto aos 84 anos, entra em detalhes sobre como o Brasil, e os economistas, entre eles Pérsio Arida, consolidaram, no final dos anos 1990, o regime do tripé econômico (meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante). Sistema que sobreviveu à troca de governo em 2002, mas que está cada vez mais manco.

Durante a campanha eleitoral daquele ano, havia um temor de que o então candidato Lula desse o calote na dívida pública. Mas, no mesmo processo, houve a publicação da conhecida Carta aos Brasileiros, onde o Partido dos Trabalhadores se comprometeu a seguir as regras fiscais vigentes, algo que realmente ocorreu, como também descreve Pastore, pelo menos durante o primeiro governo Lula. Para depois tudo começar a ruir, em termos de expansão fiscal, no segundo mandato e, mais ainda, quanto Dilma Rousseff assumiu o poder.

“Ao longo de 2023, começamos a viver uma nova fase da política econômica cuja história foi analisada neste livro. Não sei aonde chegaremos, mas não poderia terminar este trabalho sem que, em seu epílogo, fizesse uma advertência alta e clara de que, no Brasil, o espaço fiscal, definido como a flexibilidade para aumentar gastos, é muito estreito ou mesmo inexistente”, escreve Affonso Celso Pastore, nas últimas linhas da introdução do seu livro póstumo.

O que está disponível agora ao público é uma espécie de legado de como ele analisava o Brasil, avaliou a economista Cristina Pinotti, viúva de Pastore, a pessoa responsável por publicar o livro.

Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia Foto: Werther Santana/Estadão

“É mais uma bela contribuição que ele nos deixa. O livro fala de caminhos e descaminhos. Quando veio o governo Rousseff, entramos nos descaminhos. Tanto na política fiscal quanto na monetária. Passamos muitas dificuldades de termos superávits primários naquele governo e foram dados muitos benefícios fiscais seletivos, com muito pouco ganho para a economia, e o tripé começou a ficar manco”, analisa, a partir da obra de Pastore, Mario Mesquita, atual economista-chefe do banco Itaú e diretor de Política Econômica do Banco Central entre junho de 2006 a março de 2010.

“O Affonso, do jeito dele, honesto e rigoroso, não se furtou a deixar tudo aquilo (feito durante o governo Dilma) bastante claro”, explica Mesquita, outro dos debatedores no CDPP. Para o economista, concordando com Pastore, o governo Temer, com a criação do teto de gastos, fez um ajuste de rota importante. Depois veio a pandemia e as metas ficaram em pé. E, em 2023, houve a troca do teto de gastos pelo arcabouço fiscal. “E as advertências citadas no fim do livro são a grande missão do livro”, disse Mesquita.

Falando de forma remota, Ilan Goldfajn deu um toque pessoal ao evento. Segundo ele, Pastore esteve sempre preocupado com o lado institucional da economia, tanto na Casa das Garças, no Rio, quanto no CDPP, em São Paulo. “Ao não se furtar do debate público, nós, os economistas, temos um papel relevante de sermos uma ponte entre um governo e outro, e nem sempre isso é fácil. E o Pastore de fato fez isso a vida toda.”

Além disso, Goldfajn, que enviou o prefácio da obra agora publicada sem saber que o amigo estava já internado, também fez questão de relembrar a honestidade intelectual de Pastore, independente do custo público que ela poderia acarretar. “Ele era uma pessoa que gostava da estabilidade e tinha um rigor muito importante.” O prefácio foi um dos últimos textos lidos para Pastore no hospital, por Cristina, que gostou do que ouviu.

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