BRASÍLIA – O esforço concentrado de votações econômicas na Câmara dos Deputados nesta semana – que inclui a reforma tributária, o arcabouço fiscale o projeto que altera as regras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – virou um grande balcão de negociações entre parlamentares, segmentos produtivos e o governo.
O tendão de Aquiles do Executivo é o projeto que recria o voto de qualidade (voto de minerva pró-governo) do Carf, visto como uma pauta de interesse exclusivo da Fazenda, pelo seu potencial arrecadatório, e que não foi abraçada pelo Legislativo. Logo, a avaliação nos bastidores é de que o governo terá de ceder e liberar verbas caso queira aprovar o texto e destravar a pauta da Câmara – já que o projeto tramita em regime de urgência.
Um parlamentar que vem acompanhando as conversas disse ao Estadão que o que se ouve nos corredores é “f***-se o Carf”, uma vez que o foco é total na reforma tributária e que o arcabouço já está encaminhado. A percepção é de que, se o governo quiser votar o Carf, terá de entrar em campo com força.
Em meio a esse cenário, o governo empenhou R$ 2,1 bilhões em emendas parlamentares apenas nesta primeira semana de julho – valor que se aproxima de todo o montante distribuído aos parlamentares durante o mês de junho (R$ 2,7 bilhões).
A maior parte dessas liberações de julho, porém, está concentrada nas emendas de bancada, que são impositivas, ou seja, têm execução obrigatória. Há um grande interesse dos parlamentares em outro dinheiro: cerca de R$ 9 bilhões em antigas emendas de relator, as quais ficaram “penduradas” do governo anterior, do presidente Jair Bolsonaro, e que vêm sendo pagas a conta gotas, gerando insatisfação.
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Plano Safra
Além da liberação de verbas aos parlamentares, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, se reuniram na manhã desta quarta-feira, 4, com membros da bancada ruralista para negociar apoio ao projeto do Carf. A moeda de troca, segundo fontes, foi o Plano Safra. Um dos interlocutores a par das conversas afirma que um dos pedidos na mesa foi uma cifra adicional de R$ 2 bilhões para a subvenção ao seguro rural.
O encontro foi realizado no ministério da Fazenda e contou com a presença, dentre outros parlamentares, dos deputados Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), vice-presidente da FPA, e Fábio Garcia (União-MT), coordenador de política do grupo.
Reforma tributária
Essas negociações ainda se somam aos acertos finais em torno da reforma tributária, que pode começar a ser discutida no plenário da Câmara ainda nesta quarta-feira. Isso porque há um entendimento interno na Câmara de que a urgência do texto do Carf, que está trancando a pauta, não trava a votação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que é o caso da reforma.
Em Brasília desde terça-feira, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se reuniu com Haddad nesta manhã e pediu alterações na governança do Conselho Federativo, que será o órgão responsável por unificar e distribuir a arrecadação a Estados e municípios no novo sistema. O objetivo é garantir que os Estados com mais população tenham participação proporcional ao seu peso dentro da federação, como antecipou o Estadão.
Já o governador do Amazonas, Wilson Lima, e a bancada do Estado no Congresso apresentaram ao ministro da Fazenda o pedido de criação de um fundo exclusivo, que seria abastecido com verbas federais e compensaria o fim dos subsídios da Zona Franca de Manaus, que seriam mantidos até 2073.
Arcabouço fiscal
Enquanto isso, o texto do arcabouço fiscal fica em banho-maria, aguardando uma solução para o impasse do Carf. O relator do texto, deputado Claudio Cajado (PP-BA), já manifestou o seu desejo de retomar a versão votada pela Câmara, revertendo as mudanças feitas pelo Senado, as quais liberam R$ 73 bilhões em gastos fora do novo teto, como mostrou o Estadão.
Cajado disse, porém, que vai submeter a decisão aos líderes e ao presidente da Casa, Arthur Lira, e afirmou que não fará um “cavalo de batalha” em relação a isso.
Nos bastidores, o relator afirmou a colegas que se sente magoado e traído pelo Senado, que saiu como bonzinho, afrouxando a regra fiscal. Enquanto que ele e a Câmara ficaram como os malvados. A irritação também se estende ao governo, que não estaria se empenhando para reverter as mudanças feitas pelos senadores.