‘Meta de fim do desmatamento ilegal no País deveria ser antecipada para 2025′, diz Pedro de Camargo


Ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira diz que falta prioridade ao governo e que há uma confusão em tratar desmatamento ilegal e legal como igual

Por Isadora Duarte
Foto: Arquivo pessoal
Entrevista comPedro de Camargo NetoPecuarista e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB)

BRASÍLIA - Pecuarista e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), o empresário Pedro de Camargo Neto avalia que o governo precisa tratar o fim do desmatamento ilegal com maior prioridade e com estratégias para além do comando e controle. Para Camargo Neto, o País perde protagonismo ao chegar na 28ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), na próxima semana em Dubai, com o compromisso de zerar o desmatamento até 2030, conforme o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

“É um erro pensar em admitir mais sete anos para combater a ilegalidade”, disse Camargo Neto, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Ele defende que o compromisso do País seja revisto para 2025, quando o Brasil vai ser a sede da COP-30, em Belém (PA). “É possível fazer muito mais desde que exista prioridade.”

Na avaliação do empresário, com cerca de 1,5% das emissões de gases relacionados ao efeito estufa, o Brasil tem uma posição geopolítica privilegiada para pressionar os grandes emissores na revisão de seus compromissos, mas para isso precisa enfrentar o desmatamento na Amazônia, principal fonte das emissões domésticas.

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“Infelizmente, me parece que não terá liderança para utilizar essa posição ao falar em desmatamento zero somente em 2030 e ao tratar tudo junto impedindo enxergarem o importante posicionamento do Brasil”, diz.

Queimada na Amazônia: Brasil deveria chegar à COP-28 com metas mais ambiciosas, diz pecuarista Foto: Gabriela Biló/Estadão

Liderança ativa no setor, Camargo Neto foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura no governo de Fernando Henrique Cardoso e uma das vozes dissonantes quando o setor se alinhou às práticas do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

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O desmatamento na Amazônia caiu 45% neste ano, segundo os dados divulgados pelo governo. É um número a ser comemorado?

É um número positivo, mas é o fácil, porque existia um ambiente de descontrole e uma certa indução à ilegalidade. O garimpo era praticamente aceito, assim como a exploração madeireira ilegal. O governo chegou, pôs controle e conseguiu. Agora, a próxima etapa será cada vez mais difícil. O governo, em vez de sinalizar prioridade no enfrentamento do desmatamento, com aumento de efetivos, aumento de recursos, uma estratégia nova, ele inclui na NDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) 2030 e sinalizou 2030 como o fim do desmatamento. Com isso, leio que ele não está com pressa.

Na sua opinião, a meta de fim de desmatamento ilegal deveria ser antecipada?

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Ao meu ver, o fim do desmatamento ilegal teria de ser antecipado para até a COP-30, que será realizada em Belém em 2025. Cada país tem um desafio para enfrentar em relação à emissão de gases de efeito estufa, como trocar a matriz de combustíveis fósseis e adotar carros elétricos. Todos são difíceis. O nosso desafio é a criminalidade na Amazônia. Acho que o nosso desafio é até mais fácil que o dos Estados Unidos e o da China, porque para o deles existe um debate público sobre realizar ou não a mudança. O nosso consiste no combate ao crime e, para isso, não precisa de debate público. Exige estratégia, mais polícia, mas não há contrariedade em combater criminalidade. Contudo, não existe prioridade e há uma confusão em tratar desmatamento ilegal e legal como igual no Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite do Inpe).

Essa falta de separação entre desmatamento legal e ilegal é danosa para o agro?

É danosa para o Brasil e para o mundo, porque o papel geopolítico do Brasil hoje era pressionar a Europa e a China quanto à redução das emissões. Para ter uma posição geopolítica forte, não basta sediar a COP-30 em Belém. É preciso chegar lá com força política de mostrar “estou fazendo a minha parte enfrentando o crime e vocês não estão mudando e continuam usando petróleo”. O Brasil perde oportunidade. O agro está nessa conta toda. Se o governo não tem capacidade, ele que confesse que não dá conta de controlar o crime e fica proibido de atribuir a culpa aos alimentos. É possível fazer muito mais desde que exista prioridade. É responsabilidade do Brasil enfrentar a sua maior fonte de emissão, que é o desmatamento, em momento de mudanças climáticas.

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A falta de divisão entre desmatamento legal e ilegal é um erro do Ministério do Meio Ambiente ou é uma questão de inviabilidade de sistema?

O Prodes não separa. Se tiver Cadastro Ambiental Rural (CAR) é possível separar pela delimitação das áreas e cruzamento com as autorizações de desmate nas áreas legais. A grande fonte do desmatamento ilegal é área de grilagem, as áreas não denominadas. Ao meu ver, a maior parte das áreas não denominadas na Amazônia são áreas federais. Hoje, há pouca área privada que pode ser desmatada. É preciso que o governo trabalhe em conjunto com as Secretarias de Meio Ambiente dos Estados, com ICMBio, com Polícia Federal e Ministério da Gestão - responsável pela gestão do CAR.

O que precisa ser feito nessa segunda fase de combate e controle do desmatamento, que o senhor considera que será mais difícil?

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Falta orçamento, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia não deu certo, a força policial é pequena. É uma questão também de estratégia de utilizar a tecnologia disponível, como imagem de satélite. Com essa informação, tem de haver ação policial imediata. Alguns Estados, como Mato Grosso e Pará, fazem esforços, mas há questões que têm de ser feitas pelo governo federal. Existe um trabalho de recomposição de orçamento federal, mas para ser o líder mundial precisamos fazer mais do que está sendo feito.

Há uma estimativa de que o Brasil sairia de 6º maior emissor de gases ligados ao efeito estufa para 23º emissor com o fim do desmatamento. O desmatamento precisa ser visto, para além do uso da terra, como também ação para redução das emissões de carbono?

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Em tese, está relacionado. O Brasil tem 1,5% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto a China tem 30% e os Estados Unidos têm 20%. A maior parte deles é desmatamento, porque não se coloca prioridade nisso e se aceita até 2030. Acho que não zeramos até 2030, mas podemos chegar próximo. Se fizermos isso, mostramos prioridade ao mundo em combater o nosso maior emissor, o desmatamento ilegal, e com força para exigir que mundo encare os seus emissores. Se o Brasil enfrentar desmatamento ilegal com prioridade e destinação de recursos, mostraria ao mundo que está levando questão a sério e poderia exigir mais. Se chegar na COP-30 em Belém com desmatamento correndo, o País perde protagonismo.

E o desmatamento legal? Ele deve ser incluído nessa meta do governo de zerar até 2030, considerando que o Código Florestal permite supressão de áreas?

O governo incluiu acabar com desmatamento legal até 2030, mas não começou o debate ainda. Concordamos que o ilegal é a maior parte do desmatamento e que o enfrentamento do ilegal precisa de política. Então, vamos enfrentar isso com rigor. Quando estiver enfrentado com rigor e sob controle, colocamos o desmate legal em debate, com transparência. Este seria o momento de abrir o debate sobre o desmate legal com transparência. Mudança no Código Florestal ou permiti-lo até 2030 poderia ser uma proposta. O governo pode por meio de mecanismos financeiros induzir para não haver desmatamento, mesmo o legal.

A legislação do mercado de carbono é outra estratégia. Em paralelo, temos os biocombustíveis de segunda geração e a energia fotovoltaica indo bem, o que de repente permite aceitar a emissão que precisaria para alimentos. É algo a ser debatido depois de virar a página do ilegal. Quem vai decidir é a sociedade. O País até pode iniciar debate antes ou em paralelo, mas deveria começar depois de tratar o ilegal, desde que tenha convencido que está tratando o desmatamento ilegal e que precisa disso nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Uma alternativa de mecanismo financeiro para recompensar o não desmate poderia ser o pagamento com crédito de carbono. Mas está errado deixar junto o desmatamento ilegal e legal. Isso é reflexo para política externa que trata ambos como iguais, mas para política doméstica são fatos que têm de ser tratados separados e com transparência.

O agronegócio é muito associado ao desmatamento ilegal. Como mudar isso e como o setor pode contribuir para a redução do ilegal, de forma geral, na sociedade?

Esse atrelamento ao agro é o resultado de deixar o ilegal e o legal juntos. É uma decisão política. É instrumentalizar essa decisão com política pública de diminuir drasticamente a emissão do Brasil, sabendo que a maior parte dela é do desmatamento ilegal. Para desmatamento ilegal, é polícia na rua. As entidades do setor vêm se manifestando contra o desmatamento ilegal. Ainda existe uma polarização partidária e na gestão Bolsonaro houve crescimento do desmatamento ilegal. Esse vínculo acaba pesando. É um movimento de deixar claro que isso não é assim e que o setor se desatrelou disso. As lideranças do agro defendem o fim do desmate ilegal.

O agronegócio está pronto para uma meta mais robusta de desmatamento zero, incluindo o legal e o ilegal?

Nem o agro e nem o Brasil estão preparados, até porque o debate não se iniciou. Ouvi pela primeira vez a meta incluindo fim do desmatamento legal do secretário Extraordinário de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Ambiental e Territorial do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, e não ficou claro se estará contemplado na própria lei do mercado regulado de carbono. O debate não se iniciou nem pelos ambientalistas, nem pelo governo e nem pelo agro. O desmatamento legal está na lei, portanto, ou se muda a lei ou se traz incentivos para isso. Há um debate enorme a ser feito e que ainda não foi iniciado.

Há um lema no agro de que o setor pode dobrar a produção de alimentos sem derrubar uma árvore sequer a partir dos 40 milhões de hectares de pastagens degradadas. É realmente possível?

A ocupação das pastagens é um processo natural. É possível. Então, não precisa derrubar mais nenhuma árvore? Ou você muda o Código Florestal ou incentiva o produtor a não desmatar. Isso é um debate. Quem está lá com uma fazenda e tem o direito de desmatar pode ser recompensado por algum instrumento financeiro. Mas é um debate que ainda não foi iniciado. É um debate tão relevante como foi o do Código Florestal. Eu sou contra mudar o código. Sou a favor de incentivos para evitar o desmate. O Brasil ainda não sabe o quanto de área foi desmatada. Não sabemos nem o número exato que precisa ser feito regularização ambiental e quem ainda tem direito a desmatar.

Enquanto discutimos o desmatamento ilegal, a União Europeia busca implantar sua lei antidesmatamento que proíbe importação de commodities ligadas ao desmatamento, seja legal ou ilegal. A resposta do governo e do setor privado tem sido eficiente?

Enxergo que houve omissão do Brasil quando a lei foi aprovada. Na tramitação da lei no Parlamento Europeu não houve a participação de exportadores brasileiros. Primeiramente, precisamos assumir essa omissão. Agora a lei está na fase da regulamentação. Acho que para preservar o comércio, precisamos ampliar a rastreabilidade. Já fizemos rastreabilidade para a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida como o mal da vaca louca. É possível rastrear a cadeia para comprovar a não ligação com desmatamento. Para a cadeia bovina, podemos resolver com certificação privada. Para a soja, já existem certificações de rastreamento no mercado. Na minha opinião, a lei da União Europeia está em desacordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas a OMC demora tempo para avaliar as questões e não necessariamente resolve. Não será solução levar a questão para a OMC como estratégia prioritária.

Neste momento, também acompanhamos queimadas no Pantanal. É outra pauta a ser priorizada? Esse tema está de fato sendo concretizado pelo setor privado e governo?

É uma pauta complexa. No governo Bolsonaro, durante as queimadas no Pantanal, vi relações equivocadas com desmatamento. O fogo do Canadá e o da Califórnia têm origens distintas das queimadas do Brasil e tem que ser tratados de maneira distinta O fogo do Pantanal não é ligado ao desmatamento, e sim às altas temperaturas, com a maioria dos focos de causas naturais. O enfrentamento está, de fato, sendo concretizado.

O Brasil discute seu mercado regulado de carbono. O agronegócio ficou de fora da regulamentação. O setor perde ao não participar?

Não estávamos preparados para entrar. O mercado de carbono foi desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos para pressionar a energia e os combustíveis fósseis, como maior emissor de carbono nestes mercados. Ele foi pensado para pressionar o fóssil e não para a compra de créditos de carbono. Na produção de alimentos se visa a incentivar a redução das emissões e não a penalização aos produtores. A produção de alimentos não pode ser vista como passiva e sim tem de integrar a rota da redução da emissão. Ela produz algo que é essencial, mas usina a carvão pode ser substituída por outras fontes, por exemplo.

BRASÍLIA - Pecuarista e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), o empresário Pedro de Camargo Neto avalia que o governo precisa tratar o fim do desmatamento ilegal com maior prioridade e com estratégias para além do comando e controle. Para Camargo Neto, o País perde protagonismo ao chegar na 28ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), na próxima semana em Dubai, com o compromisso de zerar o desmatamento até 2030, conforme o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

“É um erro pensar em admitir mais sete anos para combater a ilegalidade”, disse Camargo Neto, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Ele defende que o compromisso do País seja revisto para 2025, quando o Brasil vai ser a sede da COP-30, em Belém (PA). “É possível fazer muito mais desde que exista prioridade.”

Na avaliação do empresário, com cerca de 1,5% das emissões de gases relacionados ao efeito estufa, o Brasil tem uma posição geopolítica privilegiada para pressionar os grandes emissores na revisão de seus compromissos, mas para isso precisa enfrentar o desmatamento na Amazônia, principal fonte das emissões domésticas.

“Infelizmente, me parece que não terá liderança para utilizar essa posição ao falar em desmatamento zero somente em 2030 e ao tratar tudo junto impedindo enxergarem o importante posicionamento do Brasil”, diz.

Queimada na Amazônia: Brasil deveria chegar à COP-28 com metas mais ambiciosas, diz pecuarista Foto: Gabriela Biló/Estadão

Liderança ativa no setor, Camargo Neto foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura no governo de Fernando Henrique Cardoso e uma das vozes dissonantes quando o setor se alinhou às práticas do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O desmatamento na Amazônia caiu 45% neste ano, segundo os dados divulgados pelo governo. É um número a ser comemorado?

É um número positivo, mas é o fácil, porque existia um ambiente de descontrole e uma certa indução à ilegalidade. O garimpo era praticamente aceito, assim como a exploração madeireira ilegal. O governo chegou, pôs controle e conseguiu. Agora, a próxima etapa será cada vez mais difícil. O governo, em vez de sinalizar prioridade no enfrentamento do desmatamento, com aumento de efetivos, aumento de recursos, uma estratégia nova, ele inclui na NDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) 2030 e sinalizou 2030 como o fim do desmatamento. Com isso, leio que ele não está com pressa.

Na sua opinião, a meta de fim de desmatamento ilegal deveria ser antecipada?

Ao meu ver, o fim do desmatamento ilegal teria de ser antecipado para até a COP-30, que será realizada em Belém em 2025. Cada país tem um desafio para enfrentar em relação à emissão de gases de efeito estufa, como trocar a matriz de combustíveis fósseis e adotar carros elétricos. Todos são difíceis. O nosso desafio é a criminalidade na Amazônia. Acho que o nosso desafio é até mais fácil que o dos Estados Unidos e o da China, porque para o deles existe um debate público sobre realizar ou não a mudança. O nosso consiste no combate ao crime e, para isso, não precisa de debate público. Exige estratégia, mais polícia, mas não há contrariedade em combater criminalidade. Contudo, não existe prioridade e há uma confusão em tratar desmatamento ilegal e legal como igual no Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite do Inpe).

Essa falta de separação entre desmatamento legal e ilegal é danosa para o agro?

É danosa para o Brasil e para o mundo, porque o papel geopolítico do Brasil hoje era pressionar a Europa e a China quanto à redução das emissões. Para ter uma posição geopolítica forte, não basta sediar a COP-30 em Belém. É preciso chegar lá com força política de mostrar “estou fazendo a minha parte enfrentando o crime e vocês não estão mudando e continuam usando petróleo”. O Brasil perde oportunidade. O agro está nessa conta toda. Se o governo não tem capacidade, ele que confesse que não dá conta de controlar o crime e fica proibido de atribuir a culpa aos alimentos. É possível fazer muito mais desde que exista prioridade. É responsabilidade do Brasil enfrentar a sua maior fonte de emissão, que é o desmatamento, em momento de mudanças climáticas.

A falta de divisão entre desmatamento legal e ilegal é um erro do Ministério do Meio Ambiente ou é uma questão de inviabilidade de sistema?

O Prodes não separa. Se tiver Cadastro Ambiental Rural (CAR) é possível separar pela delimitação das áreas e cruzamento com as autorizações de desmate nas áreas legais. A grande fonte do desmatamento ilegal é área de grilagem, as áreas não denominadas. Ao meu ver, a maior parte das áreas não denominadas na Amazônia são áreas federais. Hoje, há pouca área privada que pode ser desmatada. É preciso que o governo trabalhe em conjunto com as Secretarias de Meio Ambiente dos Estados, com ICMBio, com Polícia Federal e Ministério da Gestão - responsável pela gestão do CAR.

O que precisa ser feito nessa segunda fase de combate e controle do desmatamento, que o senhor considera que será mais difícil?

Falta orçamento, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia não deu certo, a força policial é pequena. É uma questão também de estratégia de utilizar a tecnologia disponível, como imagem de satélite. Com essa informação, tem de haver ação policial imediata. Alguns Estados, como Mato Grosso e Pará, fazem esforços, mas há questões que têm de ser feitas pelo governo federal. Existe um trabalho de recomposição de orçamento federal, mas para ser o líder mundial precisamos fazer mais do que está sendo feito.

Há uma estimativa de que o Brasil sairia de 6º maior emissor de gases ligados ao efeito estufa para 23º emissor com o fim do desmatamento. O desmatamento precisa ser visto, para além do uso da terra, como também ação para redução das emissões de carbono?

Em tese, está relacionado. O Brasil tem 1,5% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto a China tem 30% e os Estados Unidos têm 20%. A maior parte deles é desmatamento, porque não se coloca prioridade nisso e se aceita até 2030. Acho que não zeramos até 2030, mas podemos chegar próximo. Se fizermos isso, mostramos prioridade ao mundo em combater o nosso maior emissor, o desmatamento ilegal, e com força para exigir que mundo encare os seus emissores. Se o Brasil enfrentar desmatamento ilegal com prioridade e destinação de recursos, mostraria ao mundo que está levando questão a sério e poderia exigir mais. Se chegar na COP-30 em Belém com desmatamento correndo, o País perde protagonismo.

E o desmatamento legal? Ele deve ser incluído nessa meta do governo de zerar até 2030, considerando que o Código Florestal permite supressão de áreas?

O governo incluiu acabar com desmatamento legal até 2030, mas não começou o debate ainda. Concordamos que o ilegal é a maior parte do desmatamento e que o enfrentamento do ilegal precisa de política. Então, vamos enfrentar isso com rigor. Quando estiver enfrentado com rigor e sob controle, colocamos o desmate legal em debate, com transparência. Este seria o momento de abrir o debate sobre o desmate legal com transparência. Mudança no Código Florestal ou permiti-lo até 2030 poderia ser uma proposta. O governo pode por meio de mecanismos financeiros induzir para não haver desmatamento, mesmo o legal.

A legislação do mercado de carbono é outra estratégia. Em paralelo, temos os biocombustíveis de segunda geração e a energia fotovoltaica indo bem, o que de repente permite aceitar a emissão que precisaria para alimentos. É algo a ser debatido depois de virar a página do ilegal. Quem vai decidir é a sociedade. O País até pode iniciar debate antes ou em paralelo, mas deveria começar depois de tratar o ilegal, desde que tenha convencido que está tratando o desmatamento ilegal e que precisa disso nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Uma alternativa de mecanismo financeiro para recompensar o não desmate poderia ser o pagamento com crédito de carbono. Mas está errado deixar junto o desmatamento ilegal e legal. Isso é reflexo para política externa que trata ambos como iguais, mas para política doméstica são fatos que têm de ser tratados separados e com transparência.

O agronegócio é muito associado ao desmatamento ilegal. Como mudar isso e como o setor pode contribuir para a redução do ilegal, de forma geral, na sociedade?

Esse atrelamento ao agro é o resultado de deixar o ilegal e o legal juntos. É uma decisão política. É instrumentalizar essa decisão com política pública de diminuir drasticamente a emissão do Brasil, sabendo que a maior parte dela é do desmatamento ilegal. Para desmatamento ilegal, é polícia na rua. As entidades do setor vêm se manifestando contra o desmatamento ilegal. Ainda existe uma polarização partidária e na gestão Bolsonaro houve crescimento do desmatamento ilegal. Esse vínculo acaba pesando. É um movimento de deixar claro que isso não é assim e que o setor se desatrelou disso. As lideranças do agro defendem o fim do desmate ilegal.

O agronegócio está pronto para uma meta mais robusta de desmatamento zero, incluindo o legal e o ilegal?

Nem o agro e nem o Brasil estão preparados, até porque o debate não se iniciou. Ouvi pela primeira vez a meta incluindo fim do desmatamento legal do secretário Extraordinário de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Ambiental e Territorial do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, e não ficou claro se estará contemplado na própria lei do mercado regulado de carbono. O debate não se iniciou nem pelos ambientalistas, nem pelo governo e nem pelo agro. O desmatamento legal está na lei, portanto, ou se muda a lei ou se traz incentivos para isso. Há um debate enorme a ser feito e que ainda não foi iniciado.

Há um lema no agro de que o setor pode dobrar a produção de alimentos sem derrubar uma árvore sequer a partir dos 40 milhões de hectares de pastagens degradadas. É realmente possível?

A ocupação das pastagens é um processo natural. É possível. Então, não precisa derrubar mais nenhuma árvore? Ou você muda o Código Florestal ou incentiva o produtor a não desmatar. Isso é um debate. Quem está lá com uma fazenda e tem o direito de desmatar pode ser recompensado por algum instrumento financeiro. Mas é um debate que ainda não foi iniciado. É um debate tão relevante como foi o do Código Florestal. Eu sou contra mudar o código. Sou a favor de incentivos para evitar o desmate. O Brasil ainda não sabe o quanto de área foi desmatada. Não sabemos nem o número exato que precisa ser feito regularização ambiental e quem ainda tem direito a desmatar.

Enquanto discutimos o desmatamento ilegal, a União Europeia busca implantar sua lei antidesmatamento que proíbe importação de commodities ligadas ao desmatamento, seja legal ou ilegal. A resposta do governo e do setor privado tem sido eficiente?

Enxergo que houve omissão do Brasil quando a lei foi aprovada. Na tramitação da lei no Parlamento Europeu não houve a participação de exportadores brasileiros. Primeiramente, precisamos assumir essa omissão. Agora a lei está na fase da regulamentação. Acho que para preservar o comércio, precisamos ampliar a rastreabilidade. Já fizemos rastreabilidade para a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida como o mal da vaca louca. É possível rastrear a cadeia para comprovar a não ligação com desmatamento. Para a cadeia bovina, podemos resolver com certificação privada. Para a soja, já existem certificações de rastreamento no mercado. Na minha opinião, a lei da União Europeia está em desacordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas a OMC demora tempo para avaliar as questões e não necessariamente resolve. Não será solução levar a questão para a OMC como estratégia prioritária.

Neste momento, também acompanhamos queimadas no Pantanal. É outra pauta a ser priorizada? Esse tema está de fato sendo concretizado pelo setor privado e governo?

É uma pauta complexa. No governo Bolsonaro, durante as queimadas no Pantanal, vi relações equivocadas com desmatamento. O fogo do Canadá e o da Califórnia têm origens distintas das queimadas do Brasil e tem que ser tratados de maneira distinta O fogo do Pantanal não é ligado ao desmatamento, e sim às altas temperaturas, com a maioria dos focos de causas naturais. O enfrentamento está, de fato, sendo concretizado.

O Brasil discute seu mercado regulado de carbono. O agronegócio ficou de fora da regulamentação. O setor perde ao não participar?

Não estávamos preparados para entrar. O mercado de carbono foi desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos para pressionar a energia e os combustíveis fósseis, como maior emissor de carbono nestes mercados. Ele foi pensado para pressionar o fóssil e não para a compra de créditos de carbono. Na produção de alimentos se visa a incentivar a redução das emissões e não a penalização aos produtores. A produção de alimentos não pode ser vista como passiva e sim tem de integrar a rota da redução da emissão. Ela produz algo que é essencial, mas usina a carvão pode ser substituída por outras fontes, por exemplo.

BRASÍLIA - Pecuarista e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), o empresário Pedro de Camargo Neto avalia que o governo precisa tratar o fim do desmatamento ilegal com maior prioridade e com estratégias para além do comando e controle. Para Camargo Neto, o País perde protagonismo ao chegar na 28ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), na próxima semana em Dubai, com o compromisso de zerar o desmatamento até 2030, conforme o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

“É um erro pensar em admitir mais sete anos para combater a ilegalidade”, disse Camargo Neto, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Ele defende que o compromisso do País seja revisto para 2025, quando o Brasil vai ser a sede da COP-30, em Belém (PA). “É possível fazer muito mais desde que exista prioridade.”

Na avaliação do empresário, com cerca de 1,5% das emissões de gases relacionados ao efeito estufa, o Brasil tem uma posição geopolítica privilegiada para pressionar os grandes emissores na revisão de seus compromissos, mas para isso precisa enfrentar o desmatamento na Amazônia, principal fonte das emissões domésticas.

“Infelizmente, me parece que não terá liderança para utilizar essa posição ao falar em desmatamento zero somente em 2030 e ao tratar tudo junto impedindo enxergarem o importante posicionamento do Brasil”, diz.

Queimada na Amazônia: Brasil deveria chegar à COP-28 com metas mais ambiciosas, diz pecuarista Foto: Gabriela Biló/Estadão

Liderança ativa no setor, Camargo Neto foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura no governo de Fernando Henrique Cardoso e uma das vozes dissonantes quando o setor se alinhou às práticas do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O desmatamento na Amazônia caiu 45% neste ano, segundo os dados divulgados pelo governo. É um número a ser comemorado?

É um número positivo, mas é o fácil, porque existia um ambiente de descontrole e uma certa indução à ilegalidade. O garimpo era praticamente aceito, assim como a exploração madeireira ilegal. O governo chegou, pôs controle e conseguiu. Agora, a próxima etapa será cada vez mais difícil. O governo, em vez de sinalizar prioridade no enfrentamento do desmatamento, com aumento de efetivos, aumento de recursos, uma estratégia nova, ele inclui na NDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) 2030 e sinalizou 2030 como o fim do desmatamento. Com isso, leio que ele não está com pressa.

Na sua opinião, a meta de fim de desmatamento ilegal deveria ser antecipada?

Ao meu ver, o fim do desmatamento ilegal teria de ser antecipado para até a COP-30, que será realizada em Belém em 2025. Cada país tem um desafio para enfrentar em relação à emissão de gases de efeito estufa, como trocar a matriz de combustíveis fósseis e adotar carros elétricos. Todos são difíceis. O nosso desafio é a criminalidade na Amazônia. Acho que o nosso desafio é até mais fácil que o dos Estados Unidos e o da China, porque para o deles existe um debate público sobre realizar ou não a mudança. O nosso consiste no combate ao crime e, para isso, não precisa de debate público. Exige estratégia, mais polícia, mas não há contrariedade em combater criminalidade. Contudo, não existe prioridade e há uma confusão em tratar desmatamento ilegal e legal como igual no Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite do Inpe).

Essa falta de separação entre desmatamento legal e ilegal é danosa para o agro?

É danosa para o Brasil e para o mundo, porque o papel geopolítico do Brasil hoje era pressionar a Europa e a China quanto à redução das emissões. Para ter uma posição geopolítica forte, não basta sediar a COP-30 em Belém. É preciso chegar lá com força política de mostrar “estou fazendo a minha parte enfrentando o crime e vocês não estão mudando e continuam usando petróleo”. O Brasil perde oportunidade. O agro está nessa conta toda. Se o governo não tem capacidade, ele que confesse que não dá conta de controlar o crime e fica proibido de atribuir a culpa aos alimentos. É possível fazer muito mais desde que exista prioridade. É responsabilidade do Brasil enfrentar a sua maior fonte de emissão, que é o desmatamento, em momento de mudanças climáticas.

A falta de divisão entre desmatamento legal e ilegal é um erro do Ministério do Meio Ambiente ou é uma questão de inviabilidade de sistema?

O Prodes não separa. Se tiver Cadastro Ambiental Rural (CAR) é possível separar pela delimitação das áreas e cruzamento com as autorizações de desmate nas áreas legais. A grande fonte do desmatamento ilegal é área de grilagem, as áreas não denominadas. Ao meu ver, a maior parte das áreas não denominadas na Amazônia são áreas federais. Hoje, há pouca área privada que pode ser desmatada. É preciso que o governo trabalhe em conjunto com as Secretarias de Meio Ambiente dos Estados, com ICMBio, com Polícia Federal e Ministério da Gestão - responsável pela gestão do CAR.

O que precisa ser feito nessa segunda fase de combate e controle do desmatamento, que o senhor considera que será mais difícil?

Falta orçamento, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia não deu certo, a força policial é pequena. É uma questão também de estratégia de utilizar a tecnologia disponível, como imagem de satélite. Com essa informação, tem de haver ação policial imediata. Alguns Estados, como Mato Grosso e Pará, fazem esforços, mas há questões que têm de ser feitas pelo governo federal. Existe um trabalho de recomposição de orçamento federal, mas para ser o líder mundial precisamos fazer mais do que está sendo feito.

Há uma estimativa de que o Brasil sairia de 6º maior emissor de gases ligados ao efeito estufa para 23º emissor com o fim do desmatamento. O desmatamento precisa ser visto, para além do uso da terra, como também ação para redução das emissões de carbono?

Em tese, está relacionado. O Brasil tem 1,5% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto a China tem 30% e os Estados Unidos têm 20%. A maior parte deles é desmatamento, porque não se coloca prioridade nisso e se aceita até 2030. Acho que não zeramos até 2030, mas podemos chegar próximo. Se fizermos isso, mostramos prioridade ao mundo em combater o nosso maior emissor, o desmatamento ilegal, e com força para exigir que mundo encare os seus emissores. Se o Brasil enfrentar desmatamento ilegal com prioridade e destinação de recursos, mostraria ao mundo que está levando questão a sério e poderia exigir mais. Se chegar na COP-30 em Belém com desmatamento correndo, o País perde protagonismo.

E o desmatamento legal? Ele deve ser incluído nessa meta do governo de zerar até 2030, considerando que o Código Florestal permite supressão de áreas?

O governo incluiu acabar com desmatamento legal até 2030, mas não começou o debate ainda. Concordamos que o ilegal é a maior parte do desmatamento e que o enfrentamento do ilegal precisa de política. Então, vamos enfrentar isso com rigor. Quando estiver enfrentado com rigor e sob controle, colocamos o desmate legal em debate, com transparência. Este seria o momento de abrir o debate sobre o desmate legal com transparência. Mudança no Código Florestal ou permiti-lo até 2030 poderia ser uma proposta. O governo pode por meio de mecanismos financeiros induzir para não haver desmatamento, mesmo o legal.

A legislação do mercado de carbono é outra estratégia. Em paralelo, temos os biocombustíveis de segunda geração e a energia fotovoltaica indo bem, o que de repente permite aceitar a emissão que precisaria para alimentos. É algo a ser debatido depois de virar a página do ilegal. Quem vai decidir é a sociedade. O País até pode iniciar debate antes ou em paralelo, mas deveria começar depois de tratar o ilegal, desde que tenha convencido que está tratando o desmatamento ilegal e que precisa disso nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Uma alternativa de mecanismo financeiro para recompensar o não desmate poderia ser o pagamento com crédito de carbono. Mas está errado deixar junto o desmatamento ilegal e legal. Isso é reflexo para política externa que trata ambos como iguais, mas para política doméstica são fatos que têm de ser tratados separados e com transparência.

O agronegócio é muito associado ao desmatamento ilegal. Como mudar isso e como o setor pode contribuir para a redução do ilegal, de forma geral, na sociedade?

Esse atrelamento ao agro é o resultado de deixar o ilegal e o legal juntos. É uma decisão política. É instrumentalizar essa decisão com política pública de diminuir drasticamente a emissão do Brasil, sabendo que a maior parte dela é do desmatamento ilegal. Para desmatamento ilegal, é polícia na rua. As entidades do setor vêm se manifestando contra o desmatamento ilegal. Ainda existe uma polarização partidária e na gestão Bolsonaro houve crescimento do desmatamento ilegal. Esse vínculo acaba pesando. É um movimento de deixar claro que isso não é assim e que o setor se desatrelou disso. As lideranças do agro defendem o fim do desmate ilegal.

O agronegócio está pronto para uma meta mais robusta de desmatamento zero, incluindo o legal e o ilegal?

Nem o agro e nem o Brasil estão preparados, até porque o debate não se iniciou. Ouvi pela primeira vez a meta incluindo fim do desmatamento legal do secretário Extraordinário de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Ambiental e Territorial do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, e não ficou claro se estará contemplado na própria lei do mercado regulado de carbono. O debate não se iniciou nem pelos ambientalistas, nem pelo governo e nem pelo agro. O desmatamento legal está na lei, portanto, ou se muda a lei ou se traz incentivos para isso. Há um debate enorme a ser feito e que ainda não foi iniciado.

Há um lema no agro de que o setor pode dobrar a produção de alimentos sem derrubar uma árvore sequer a partir dos 40 milhões de hectares de pastagens degradadas. É realmente possível?

A ocupação das pastagens é um processo natural. É possível. Então, não precisa derrubar mais nenhuma árvore? Ou você muda o Código Florestal ou incentiva o produtor a não desmatar. Isso é um debate. Quem está lá com uma fazenda e tem o direito de desmatar pode ser recompensado por algum instrumento financeiro. Mas é um debate que ainda não foi iniciado. É um debate tão relevante como foi o do Código Florestal. Eu sou contra mudar o código. Sou a favor de incentivos para evitar o desmate. O Brasil ainda não sabe o quanto de área foi desmatada. Não sabemos nem o número exato que precisa ser feito regularização ambiental e quem ainda tem direito a desmatar.

Enquanto discutimos o desmatamento ilegal, a União Europeia busca implantar sua lei antidesmatamento que proíbe importação de commodities ligadas ao desmatamento, seja legal ou ilegal. A resposta do governo e do setor privado tem sido eficiente?

Enxergo que houve omissão do Brasil quando a lei foi aprovada. Na tramitação da lei no Parlamento Europeu não houve a participação de exportadores brasileiros. Primeiramente, precisamos assumir essa omissão. Agora a lei está na fase da regulamentação. Acho que para preservar o comércio, precisamos ampliar a rastreabilidade. Já fizemos rastreabilidade para a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida como o mal da vaca louca. É possível rastrear a cadeia para comprovar a não ligação com desmatamento. Para a cadeia bovina, podemos resolver com certificação privada. Para a soja, já existem certificações de rastreamento no mercado. Na minha opinião, a lei da União Europeia está em desacordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas a OMC demora tempo para avaliar as questões e não necessariamente resolve. Não será solução levar a questão para a OMC como estratégia prioritária.

Neste momento, também acompanhamos queimadas no Pantanal. É outra pauta a ser priorizada? Esse tema está de fato sendo concretizado pelo setor privado e governo?

É uma pauta complexa. No governo Bolsonaro, durante as queimadas no Pantanal, vi relações equivocadas com desmatamento. O fogo do Canadá e o da Califórnia têm origens distintas das queimadas do Brasil e tem que ser tratados de maneira distinta O fogo do Pantanal não é ligado ao desmatamento, e sim às altas temperaturas, com a maioria dos focos de causas naturais. O enfrentamento está, de fato, sendo concretizado.

O Brasil discute seu mercado regulado de carbono. O agronegócio ficou de fora da regulamentação. O setor perde ao não participar?

Não estávamos preparados para entrar. O mercado de carbono foi desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos para pressionar a energia e os combustíveis fósseis, como maior emissor de carbono nestes mercados. Ele foi pensado para pressionar o fóssil e não para a compra de créditos de carbono. Na produção de alimentos se visa a incentivar a redução das emissões e não a penalização aos produtores. A produção de alimentos não pode ser vista como passiva e sim tem de integrar a rota da redução da emissão. Ela produz algo que é essencial, mas usina a carvão pode ser substituída por outras fontes, por exemplo.

BRASÍLIA - Pecuarista e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), o empresário Pedro de Camargo Neto avalia que o governo precisa tratar o fim do desmatamento ilegal com maior prioridade e com estratégias para além do comando e controle. Para Camargo Neto, o País perde protagonismo ao chegar na 28ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), na próxima semana em Dubai, com o compromisso de zerar o desmatamento até 2030, conforme o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

“É um erro pensar em admitir mais sete anos para combater a ilegalidade”, disse Camargo Neto, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Ele defende que o compromisso do País seja revisto para 2025, quando o Brasil vai ser a sede da COP-30, em Belém (PA). “É possível fazer muito mais desde que exista prioridade.”

Na avaliação do empresário, com cerca de 1,5% das emissões de gases relacionados ao efeito estufa, o Brasil tem uma posição geopolítica privilegiada para pressionar os grandes emissores na revisão de seus compromissos, mas para isso precisa enfrentar o desmatamento na Amazônia, principal fonte das emissões domésticas.

“Infelizmente, me parece que não terá liderança para utilizar essa posição ao falar em desmatamento zero somente em 2030 e ao tratar tudo junto impedindo enxergarem o importante posicionamento do Brasil”, diz.

Queimada na Amazônia: Brasil deveria chegar à COP-28 com metas mais ambiciosas, diz pecuarista Foto: Gabriela Biló/Estadão

Liderança ativa no setor, Camargo Neto foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura no governo de Fernando Henrique Cardoso e uma das vozes dissonantes quando o setor se alinhou às práticas do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O desmatamento na Amazônia caiu 45% neste ano, segundo os dados divulgados pelo governo. É um número a ser comemorado?

É um número positivo, mas é o fácil, porque existia um ambiente de descontrole e uma certa indução à ilegalidade. O garimpo era praticamente aceito, assim como a exploração madeireira ilegal. O governo chegou, pôs controle e conseguiu. Agora, a próxima etapa será cada vez mais difícil. O governo, em vez de sinalizar prioridade no enfrentamento do desmatamento, com aumento de efetivos, aumento de recursos, uma estratégia nova, ele inclui na NDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) 2030 e sinalizou 2030 como o fim do desmatamento. Com isso, leio que ele não está com pressa.

Na sua opinião, a meta de fim de desmatamento ilegal deveria ser antecipada?

Ao meu ver, o fim do desmatamento ilegal teria de ser antecipado para até a COP-30, que será realizada em Belém em 2025. Cada país tem um desafio para enfrentar em relação à emissão de gases de efeito estufa, como trocar a matriz de combustíveis fósseis e adotar carros elétricos. Todos são difíceis. O nosso desafio é a criminalidade na Amazônia. Acho que o nosso desafio é até mais fácil que o dos Estados Unidos e o da China, porque para o deles existe um debate público sobre realizar ou não a mudança. O nosso consiste no combate ao crime e, para isso, não precisa de debate público. Exige estratégia, mais polícia, mas não há contrariedade em combater criminalidade. Contudo, não existe prioridade e há uma confusão em tratar desmatamento ilegal e legal como igual no Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite do Inpe).

Essa falta de separação entre desmatamento legal e ilegal é danosa para o agro?

É danosa para o Brasil e para o mundo, porque o papel geopolítico do Brasil hoje era pressionar a Europa e a China quanto à redução das emissões. Para ter uma posição geopolítica forte, não basta sediar a COP-30 em Belém. É preciso chegar lá com força política de mostrar “estou fazendo a minha parte enfrentando o crime e vocês não estão mudando e continuam usando petróleo”. O Brasil perde oportunidade. O agro está nessa conta toda. Se o governo não tem capacidade, ele que confesse que não dá conta de controlar o crime e fica proibido de atribuir a culpa aos alimentos. É possível fazer muito mais desde que exista prioridade. É responsabilidade do Brasil enfrentar a sua maior fonte de emissão, que é o desmatamento, em momento de mudanças climáticas.

A falta de divisão entre desmatamento legal e ilegal é um erro do Ministério do Meio Ambiente ou é uma questão de inviabilidade de sistema?

O Prodes não separa. Se tiver Cadastro Ambiental Rural (CAR) é possível separar pela delimitação das áreas e cruzamento com as autorizações de desmate nas áreas legais. A grande fonte do desmatamento ilegal é área de grilagem, as áreas não denominadas. Ao meu ver, a maior parte das áreas não denominadas na Amazônia são áreas federais. Hoje, há pouca área privada que pode ser desmatada. É preciso que o governo trabalhe em conjunto com as Secretarias de Meio Ambiente dos Estados, com ICMBio, com Polícia Federal e Ministério da Gestão - responsável pela gestão do CAR.

O que precisa ser feito nessa segunda fase de combate e controle do desmatamento, que o senhor considera que será mais difícil?

Falta orçamento, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia não deu certo, a força policial é pequena. É uma questão também de estratégia de utilizar a tecnologia disponível, como imagem de satélite. Com essa informação, tem de haver ação policial imediata. Alguns Estados, como Mato Grosso e Pará, fazem esforços, mas há questões que têm de ser feitas pelo governo federal. Existe um trabalho de recomposição de orçamento federal, mas para ser o líder mundial precisamos fazer mais do que está sendo feito.

Há uma estimativa de que o Brasil sairia de 6º maior emissor de gases ligados ao efeito estufa para 23º emissor com o fim do desmatamento. O desmatamento precisa ser visto, para além do uso da terra, como também ação para redução das emissões de carbono?

Em tese, está relacionado. O Brasil tem 1,5% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto a China tem 30% e os Estados Unidos têm 20%. A maior parte deles é desmatamento, porque não se coloca prioridade nisso e se aceita até 2030. Acho que não zeramos até 2030, mas podemos chegar próximo. Se fizermos isso, mostramos prioridade ao mundo em combater o nosso maior emissor, o desmatamento ilegal, e com força para exigir que mundo encare os seus emissores. Se o Brasil enfrentar desmatamento ilegal com prioridade e destinação de recursos, mostraria ao mundo que está levando questão a sério e poderia exigir mais. Se chegar na COP-30 em Belém com desmatamento correndo, o País perde protagonismo.

E o desmatamento legal? Ele deve ser incluído nessa meta do governo de zerar até 2030, considerando que o Código Florestal permite supressão de áreas?

O governo incluiu acabar com desmatamento legal até 2030, mas não começou o debate ainda. Concordamos que o ilegal é a maior parte do desmatamento e que o enfrentamento do ilegal precisa de política. Então, vamos enfrentar isso com rigor. Quando estiver enfrentado com rigor e sob controle, colocamos o desmate legal em debate, com transparência. Este seria o momento de abrir o debate sobre o desmate legal com transparência. Mudança no Código Florestal ou permiti-lo até 2030 poderia ser uma proposta. O governo pode por meio de mecanismos financeiros induzir para não haver desmatamento, mesmo o legal.

A legislação do mercado de carbono é outra estratégia. Em paralelo, temos os biocombustíveis de segunda geração e a energia fotovoltaica indo bem, o que de repente permite aceitar a emissão que precisaria para alimentos. É algo a ser debatido depois de virar a página do ilegal. Quem vai decidir é a sociedade. O País até pode iniciar debate antes ou em paralelo, mas deveria começar depois de tratar o ilegal, desde que tenha convencido que está tratando o desmatamento ilegal e que precisa disso nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Uma alternativa de mecanismo financeiro para recompensar o não desmate poderia ser o pagamento com crédito de carbono. Mas está errado deixar junto o desmatamento ilegal e legal. Isso é reflexo para política externa que trata ambos como iguais, mas para política doméstica são fatos que têm de ser tratados separados e com transparência.

O agronegócio é muito associado ao desmatamento ilegal. Como mudar isso e como o setor pode contribuir para a redução do ilegal, de forma geral, na sociedade?

Esse atrelamento ao agro é o resultado de deixar o ilegal e o legal juntos. É uma decisão política. É instrumentalizar essa decisão com política pública de diminuir drasticamente a emissão do Brasil, sabendo que a maior parte dela é do desmatamento ilegal. Para desmatamento ilegal, é polícia na rua. As entidades do setor vêm se manifestando contra o desmatamento ilegal. Ainda existe uma polarização partidária e na gestão Bolsonaro houve crescimento do desmatamento ilegal. Esse vínculo acaba pesando. É um movimento de deixar claro que isso não é assim e que o setor se desatrelou disso. As lideranças do agro defendem o fim do desmate ilegal.

O agronegócio está pronto para uma meta mais robusta de desmatamento zero, incluindo o legal e o ilegal?

Nem o agro e nem o Brasil estão preparados, até porque o debate não se iniciou. Ouvi pela primeira vez a meta incluindo fim do desmatamento legal do secretário Extraordinário de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Ambiental e Territorial do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, e não ficou claro se estará contemplado na própria lei do mercado regulado de carbono. O debate não se iniciou nem pelos ambientalistas, nem pelo governo e nem pelo agro. O desmatamento legal está na lei, portanto, ou se muda a lei ou se traz incentivos para isso. Há um debate enorme a ser feito e que ainda não foi iniciado.

Há um lema no agro de que o setor pode dobrar a produção de alimentos sem derrubar uma árvore sequer a partir dos 40 milhões de hectares de pastagens degradadas. É realmente possível?

A ocupação das pastagens é um processo natural. É possível. Então, não precisa derrubar mais nenhuma árvore? Ou você muda o Código Florestal ou incentiva o produtor a não desmatar. Isso é um debate. Quem está lá com uma fazenda e tem o direito de desmatar pode ser recompensado por algum instrumento financeiro. Mas é um debate que ainda não foi iniciado. É um debate tão relevante como foi o do Código Florestal. Eu sou contra mudar o código. Sou a favor de incentivos para evitar o desmate. O Brasil ainda não sabe o quanto de área foi desmatada. Não sabemos nem o número exato que precisa ser feito regularização ambiental e quem ainda tem direito a desmatar.

Enquanto discutimos o desmatamento ilegal, a União Europeia busca implantar sua lei antidesmatamento que proíbe importação de commodities ligadas ao desmatamento, seja legal ou ilegal. A resposta do governo e do setor privado tem sido eficiente?

Enxergo que houve omissão do Brasil quando a lei foi aprovada. Na tramitação da lei no Parlamento Europeu não houve a participação de exportadores brasileiros. Primeiramente, precisamos assumir essa omissão. Agora a lei está na fase da regulamentação. Acho que para preservar o comércio, precisamos ampliar a rastreabilidade. Já fizemos rastreabilidade para a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida como o mal da vaca louca. É possível rastrear a cadeia para comprovar a não ligação com desmatamento. Para a cadeia bovina, podemos resolver com certificação privada. Para a soja, já existem certificações de rastreamento no mercado. Na minha opinião, a lei da União Europeia está em desacordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas a OMC demora tempo para avaliar as questões e não necessariamente resolve. Não será solução levar a questão para a OMC como estratégia prioritária.

Neste momento, também acompanhamos queimadas no Pantanal. É outra pauta a ser priorizada? Esse tema está de fato sendo concretizado pelo setor privado e governo?

É uma pauta complexa. No governo Bolsonaro, durante as queimadas no Pantanal, vi relações equivocadas com desmatamento. O fogo do Canadá e o da Califórnia têm origens distintas das queimadas do Brasil e tem que ser tratados de maneira distinta O fogo do Pantanal não é ligado ao desmatamento, e sim às altas temperaturas, com a maioria dos focos de causas naturais. O enfrentamento está, de fato, sendo concretizado.

O Brasil discute seu mercado regulado de carbono. O agronegócio ficou de fora da regulamentação. O setor perde ao não participar?

Não estávamos preparados para entrar. O mercado de carbono foi desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos para pressionar a energia e os combustíveis fósseis, como maior emissor de carbono nestes mercados. Ele foi pensado para pressionar o fóssil e não para a compra de créditos de carbono. Na produção de alimentos se visa a incentivar a redução das emissões e não a penalização aos produtores. A produção de alimentos não pode ser vista como passiva e sim tem de integrar a rota da redução da emissão. Ela produz algo que é essencial, mas usina a carvão pode ser substituída por outras fontes, por exemplo.

Entrevista por Isadora Duarte

Repórter do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, em Brasília. Jornalista formada pela UFRGS, com extensão em economia pela FGV e especialização em agronegócio pelo Insper. Responsável pela cobertura do agronegócio na capital federal, acompanha a condução da política agrícola e os projetos setoriais no Legislativo.

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