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Chama o "VAR" na economia e discute como tornar o Brasil melhor

Opinião|A falta do pai: qual é o retrato da família brasileira mais vulnerável?


Experiência internacional traz mais exemplos de combate à pobreza em famílias que contam apenas com a mãe do que lições sobre como incentivar a boa paternidade

Por Pedro Fernando Nery
Atualização:

A primeira vez que vi a frase achei uma grande bobagem. Na minha lembrança, a fala era do então senador republicano Marco Rubio – agora, secretário de Estado. “A pobreza é fundamentalmente a ausência do pai.” Achei careta, e também uma oportunidade perdida. Porque Rubio era um dos principais entusiastas, na direita americana, de uma espécie de Bolsa Família para os Estados Unidos.

Com o tempo, a frase voltava à minha cabeça. A pobreza é a falta do pai. Lembrei de um vídeo antigo, de um protesto por cotas raciais, possivelmente na USP. Meninas negras, de fora da universidade, interrompiam uma aula de Economia. Um estudante revoltado com a manifestação discutia com elas, talvez sobre meritocracia. Em algum momento, revela que estudou em um cursinho de ponta.

Elas devem ter sugerido privilégio, porque ele passou a argumentar que o pai ralou muito na vida para conseguir chegar ao ponto em que pudesse matricular seu filho em uma instituição de elite. A menina respondeu: “Nem pai eu tive”. Parecia mimimi. Não é.

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Um adulto a menos em casa implica menos um provedor: no caso masculino, o que tem acesso privilegiado ao mercado de trabalho. Essa falta, ademais, limita a disponibilidade para o trabalho do outro genitor. Na pandemia, foram pagos mais de 10 milhões de auxílios emergenciais a mães solo – mulheres sem emprego formal que estivessem abaixo da linha da pobreza.

Sem o pai, há ainda a perda de uma referência de comportamentos – aqui supondo que o pai que falta é o bom pai
Sem o pai, há ainda a perda de uma referência de comportamentos – aqui supondo que o pai que falta é o bom pai Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Sem o pai, há ainda a perda de uma referência de comportamentos – aqui supondo que o pai que falta é o bom pai. Perde-se também em cuidado, acompanhamento da educação e da saúde. Um efeito de segunda ordem são as mães sobrecarregadas, mais predispostas à depressão, o que pode impactar tremendamente a qualidade da maternidade, com consequências graves principalmente na primeira infância.

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A Constituição brasileira até prescreve um “princípio da paternidade responsável”, mas a experiência internacional traz mais exemplos de combate à pobreza em famílias que contam apenas com a mãe do que lições sobre como incentivar a boa paternidade. Para os conservadores, é agir na consequência, não na causa. O recente livro O Privilégio dos Dois Pais, da economista Melissa S. Kearney, colecionaria as evidências.

Aqui, um estudo do governo brasileiro identificou no CadÚnico 10 milhões de crianças na primeira infância em famílias de baixa renda: três-quartos vivendo com mães solo. O retrato da família brasileira mais vulnerável é um retrato sem homens. Como deve ser a política social diante da escassez de pais?

A primeira vez que vi a frase achei uma grande bobagem. Na minha lembrança, a fala era do então senador republicano Marco Rubio – agora, secretário de Estado. “A pobreza é fundamentalmente a ausência do pai.” Achei careta, e também uma oportunidade perdida. Porque Rubio era um dos principais entusiastas, na direita americana, de uma espécie de Bolsa Família para os Estados Unidos.

Com o tempo, a frase voltava à minha cabeça. A pobreza é a falta do pai. Lembrei de um vídeo antigo, de um protesto por cotas raciais, possivelmente na USP. Meninas negras, de fora da universidade, interrompiam uma aula de Economia. Um estudante revoltado com a manifestação discutia com elas, talvez sobre meritocracia. Em algum momento, revela que estudou em um cursinho de ponta.

Elas devem ter sugerido privilégio, porque ele passou a argumentar que o pai ralou muito na vida para conseguir chegar ao ponto em que pudesse matricular seu filho em uma instituição de elite. A menina respondeu: “Nem pai eu tive”. Parecia mimimi. Não é.

Um adulto a menos em casa implica menos um provedor: no caso masculino, o que tem acesso privilegiado ao mercado de trabalho. Essa falta, ademais, limita a disponibilidade para o trabalho do outro genitor. Na pandemia, foram pagos mais de 10 milhões de auxílios emergenciais a mães solo – mulheres sem emprego formal que estivessem abaixo da linha da pobreza.

Sem o pai, há ainda a perda de uma referência de comportamentos – aqui supondo que o pai que falta é o bom pai Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Sem o pai, há ainda a perda de uma referência de comportamentos – aqui supondo que o pai que falta é o bom pai. Perde-se também em cuidado, acompanhamento da educação e da saúde. Um efeito de segunda ordem são as mães sobrecarregadas, mais predispostas à depressão, o que pode impactar tremendamente a qualidade da maternidade, com consequências graves principalmente na primeira infância.

A Constituição brasileira até prescreve um “princípio da paternidade responsável”, mas a experiência internacional traz mais exemplos de combate à pobreza em famílias que contam apenas com a mãe do que lições sobre como incentivar a boa paternidade. Para os conservadores, é agir na consequência, não na causa. O recente livro O Privilégio dos Dois Pais, da economista Melissa S. Kearney, colecionaria as evidências.

Aqui, um estudo do governo brasileiro identificou no CadÚnico 10 milhões de crianças na primeira infância em famílias de baixa renda: três-quartos vivendo com mães solo. O retrato da família brasileira mais vulnerável é um retrato sem homens. Como deve ser a política social diante da escassez de pais?

A primeira vez que vi a frase achei uma grande bobagem. Na minha lembrança, a fala era do então senador republicano Marco Rubio – agora, secretário de Estado. “A pobreza é fundamentalmente a ausência do pai.” Achei careta, e também uma oportunidade perdida. Porque Rubio era um dos principais entusiastas, na direita americana, de uma espécie de Bolsa Família para os Estados Unidos.

Com o tempo, a frase voltava à minha cabeça. A pobreza é a falta do pai. Lembrei de um vídeo antigo, de um protesto por cotas raciais, possivelmente na USP. Meninas negras, de fora da universidade, interrompiam uma aula de Economia. Um estudante revoltado com a manifestação discutia com elas, talvez sobre meritocracia. Em algum momento, revela que estudou em um cursinho de ponta.

Elas devem ter sugerido privilégio, porque ele passou a argumentar que o pai ralou muito na vida para conseguir chegar ao ponto em que pudesse matricular seu filho em uma instituição de elite. A menina respondeu: “Nem pai eu tive”. Parecia mimimi. Não é.

Um adulto a menos em casa implica menos um provedor: no caso masculino, o que tem acesso privilegiado ao mercado de trabalho. Essa falta, ademais, limita a disponibilidade para o trabalho do outro genitor. Na pandemia, foram pagos mais de 10 milhões de auxílios emergenciais a mães solo – mulheres sem emprego formal que estivessem abaixo da linha da pobreza.

Sem o pai, há ainda a perda de uma referência de comportamentos – aqui supondo que o pai que falta é o bom pai Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Sem o pai, há ainda a perda de uma referência de comportamentos – aqui supondo que o pai que falta é o bom pai. Perde-se também em cuidado, acompanhamento da educação e da saúde. Um efeito de segunda ordem são as mães sobrecarregadas, mais predispostas à depressão, o que pode impactar tremendamente a qualidade da maternidade, com consequências graves principalmente na primeira infância.

A Constituição brasileira até prescreve um “princípio da paternidade responsável”, mas a experiência internacional traz mais exemplos de combate à pobreza em famílias que contam apenas com a mãe do que lições sobre como incentivar a boa paternidade. Para os conservadores, é agir na consequência, não na causa. O recente livro O Privilégio dos Dois Pais, da economista Melissa S. Kearney, colecionaria as evidências.

Aqui, um estudo do governo brasileiro identificou no CadÚnico 10 milhões de crianças na primeira infância em famílias de baixa renda: três-quartos vivendo com mães solo. O retrato da família brasileira mais vulnerável é um retrato sem homens. Como deve ser a política social diante da escassez de pais?

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Opinião por Pedro Fernando Nery

Professor de economia do IDP. Autor do livro "Extremos - Um Mapa para Entender as Desigualdades no Brasil"