Começando na capital gaúcha, a fila tem 4 mil quilômetros. Do frio de 12 graus do Sul ela atinge Belém do Pará e seus 33 graus.
Na BR-101 ela sobe, passando por Tubarão e chega a Florianópolis. Mais pessoas se enfileiram no caminho até Joinville. Depois, na 376, chega a Curitiba.
Pela BR-116 atravessa o Estado de São Paulo. Há muitas crianças na fila. Frequentemente só com a mãe. Pela BR-050 mais famílias, uma atrás da outra. A carreira vai por Jundiaí e Campinas.
Corta Minas na 153 e chega em Itumbiara. Há moradores de rua e pedintes, mas também pessoas que têm teto e tiveram azar. A linha humana sobe por Goiânia e conquista o Tocantins. Mais crianças, juntos de pais que perderam o emprego ou que simplesmente não fecham o mês com o trabalho que têm.
A maioria dos enfileirados é negra. Na BR-010, mais pessoas esperam pacientemente. Com fome, a multidão se arrasta pelo Nordeste via Açailândia e Imperatriz. Muitos estão ali há meses. Outros já estiveram anos atrás e regressaram.
O percurso do renque alcança a Amazônia e chega a Belém.
Milhões de brasileiros reconhecidamente pobres aguardam o pagamento do Auxílio Brasil. O governo atesta sua pobreza mas não paga o benefício. São mais de 2 milhões de famílias.
É fácil se acostumar com o número e perder sua dimensão. Se a fila, virtual, fosse física, ela atravessaria o Brasil do Sul ao Norte. Imagine isso.
O governo gasta como nunca na Assistência Social, mas prioriza o valor do benefício – agora chegando a R$ 600 – em vez da cobertura – o que seria mais efetivo para o combate à miséria.
A fila será reduzida com a nova PEC do Auxílio, mas pode voltar a aumentar por erros no seu desenho. Na verdade, desde o ano passado a Constituição garante transferências de renda como um direito de todos que precisarem, e as filas não deveriam existir.
O problema da fila explica o paradoxo dos pedintes nas grandes cidades. Se nunca se gastou tanto com pagamentos aos mais pobres, por que há tantos nos semáforos?
Porque muita gente que precisa não acessa o benefício. Além disso, o governo precisa se dedicar à busca ativa, por exemplo ajudando os que têm problemas com documentos a superar a burocracia e comer. Nem na fila esses estão.
Não adianta propagandear o valor de R$ 600 para quem recebe zero. O ganho histórico no orçamento da Assistência Social exigirá mudanças para que a pobreza extrema possa ser erradicada e a desigualdade caia mais substancialmente. Há gente demais no acostamento.