Concursada, professora, formada na federal. Secretária de Administração do seu Estado por quase uma década, presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado. Regina Sousa sofreu ataques há seis anos durante as discussões do impeachment, quando passou a ser mais conhecida por um público nacional. Anta, semianalfabeta, criatura, gentalha – tachou uma jornalista. “Achei que fosse a tia do café”, concluiu um humorista.
Regina virou a primeira governadora do Piauí no semestre que passou, e ataques recomeçaram. Um proeminente político local (e primeiro governador brasileiro cassado pelo TSE por abuso de poder econômico) resumiu assim o fato histórico: “Assumiu uma macumbeira!”.
Antes, um ex-prefeito ironizou o próprio rótulo de tiazinha do café – porque “a mulher, parece que nem uma tapioca sabe fazer”. Se não é pelo seu currículo, por que as posições ocupadas por ela causam tanto espanto? Pela sua origem incomum no poder: Regina é uma mulher negra do interior – chegou a ser quebradeira de coco de babaçu.
Tem a pele escura, o cabelo crespo, não renega seu sotaque e não se traja para compensar a sua origem. “Sou uma pessoa simples, não sei me arrumar”, disse recentemente.
Neste mês, comemora-se o Dia da Mulher Negra Latino-americana, época de discutir sua ausência em espaços de liderança e de destacar iniciativas como o Quilombo nos Parlamentos – espécie de “RenovaBR” focado em candidatos negros nas eleições de outubro. São mais de 100 em diversos partidos – o leitor pode querer conhecê-los em www.quilombonosparlamentos.com.br.
A ausência de minorias em lideranças alimenta o ciclo vicioso em que a própria sub-representação desincentiva a participação política – quem gostaria de ser atacado como a governadora do Piauí?
O País é privado da falta de perspectiva de uma parcela expressiva e vulnerável da população. Tomemos o caso das mulheres negras. Entre os 10% mais pobres da população, existem 4 delas para cada homem branco – segundo estudo do Made-USP. Elas respondem por apenas 15% da renda no País, ou menos do que todos os homens brancos do 1% mais rico. Mas ficam sem voz.
Que possamos sonhar com a utopia de uma sociedade em que se encare que não é a governadora que tem cara de tia do café – é a tia do café que tem cara de governadora.
* DOUTOR EM ECONOMIA