A novidade da política industrial sob Biden não é só o seu ressurgimento, mas o seu uso para múltiplos fins. Por exemplo, as empresas que atuam na fabricação de chips receberão apoio do governo federal, mas só se garantirem creche para os seus funcionários. O Wall Street Journal chamou de “política industrial social”. Vamos de política “socindustrial”, como definiu o professor Carlos Alberto Ramos, da UnB.
O professor vê na iniciativa uma tentativa de chamar responsabilidade social às empresas, e a possibilidade de a política industrial afetar o PIB de outras formas, como via taxa de participação e via capital humano (pelas crianças).
E no Brasil? Aqui, o debate público parece ter mais resistência à política industrial do que à agenda social: seria a política socindustrial uma chance de conciliação?
Em um momento em que o governo sinaliza para mais crédito público e renúncia para setores incentivados, eles poderiam ser expoentes das prioridades do País. O impacto é naturalmente menor se uma política abrange apenas parte das empresas do que todas elas, mas há vantagens na abordagem. Uma é testar resultados antes de escalar uma intervenção.
A política socindustrial também permitiria a governos implantarem parte da sua agenda sem lidar com o fiscal estrangulado. E, ainda que o alcance seja limitado, as empresas afetadas podem ter boas práticas copiadas por outras, e estigmas podem ser reduzidos.
O exemplo americano já indica uma política que poderia ser incluída no bojo da política industrial, pela suboferta aqui: a de creches. Podemos pensar em outras.
O projeto da Lei dos Direitos da Mãe Solo, em tramitação e já aprovado no Senado, prevê que grandes empresas destinem parte das vagas a essas mulheres – grupo excluído do mercado formal e vital para o combate à pobreza. Onze milhões de auxílios emergenciais foram pagos na pandemia à mãe solo: vivendo na pobreza, com crianças e sem emprego formal. Onze milhões!
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A exigência, nos conselhos e direções das empresas, de um mínimo de mulheres e negros também poderia ser tentada. Se é muito polêmico exigir a cota em todas as companhias, como ocorre em países europeus, quem sabe pelo menos das beneficiadas pela política industrial.
A “regra de Tinbergen” em políticas públicas, na sua leitura mais ampla, prescreve que se deve ter apenas um objetivo para cada instrumento usado. Leva o nome do primeiro Nobel em Economia (o holandês Jan Tinbergen). A política socindustrial viola a regra. Vale tentar?