NOVA YORK - O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que a companhia está disposta a colaborar com o debate sobre a situação do setor aéreo no Brasil, mas que não vai baixar o preço com um “canetaço”. Desde o ano passado, o preço do querosene de aviação (QAV) já baixou quase 41%, segundo ele.
“A gente vai expor ao governo, no mínimo, no aspecto instrutivo. Nada de baixar mais preço”, disse Prates, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, no intervalo do segundo dia do “Deep Dive”, evento para investidores estrangeiros, realizado pela Petrobras, em Nova York. “Abaixar artificialmente o preço representaria a Petrobras subsidiar um setor”, alertou.
Segundo ele, a principal dúvida que intriga o investidor estrangeiro hoje é o risco de interferência estatal no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas ele não vê exagero. Para Prates, é natural que políticos vejam as empresas estatais como “tentáculos do Estado”. “Agora, também é preciso entender que, do outro lado, tem gestores e pessoas que têm que argumentar o contrário”.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Como foi a receptividade dos investidores estrangeiros? Quais as principais preocupações?
A receptividade foi muito boa. Foram dois dias depurando a empresa, passando todas as dúvidas, deixamos os investidores e analistas à vontade para perguntar, se tem influência política, qual é o relacionamento com o ministro, com o presidente, com o que quiser, se a gente está errando ou acertando uma determinada tecnologia, tudo o que não fosse segredo absolutamente industrial, estratégico, a gente abriria.
E o que mais preocupa?
Teve muita pergunta sobre eventual influência política, o fato de conviver com o governo, como é que é, se a gente recebe ordem direta ou não. Eu respondi claramente, incisivamente, expressamente, que não existe isso e que, do outro lado, existe gente que argumenta, que sou eu e os diretores. Principalmente o presidente Lula tem extremo respeito e compreensão do processo que tem que ser seguido para mandar na empresa, ou seja, utilizar a influência e os votos do Conselho de Administração e não ordens diretas ou, pior ainda, pela imprensa.
O risco de interferência política foi um temor que sempre rondou as gestões petistas e que impacta a própria Petrobras. Mais recentemente, tivemos o imbróglio envolvendo a Vale. Como o senhor vê essa questão?
Eu vejo com naturalidade. Eu também fui agente político e considero que ainda sou um agente político em uma missão específica. É natural que as pessoas, quando não são devidamente alertadas, tentem, ensaiem (algum tipo de interferência). Acho que é válido e compreensível. Não considero um escorregão, uma tentativa de má-fé. É natural que as pessoas pensem que essas estatais, não só a Petrobras, são espécies de “longa manus” (executor de ordens), tentáculos do Estado. Agora, também é preciso entender que, do outro lado, tem gestores e pessoas que têm que argumentar o contrário. Aos poucos, as pessoas vão se acostumando que a forma de acionar esses tentáculos do Estado é outra que não a administração direta.
E o investidor?
A compreensão do outro lado também precisa existir. A gente fez várias digressões nesse sentido, lembrando que o governo manda na Petrobras via o Conselho de Administração, mas que a empresa é diferente da Shell, da IBM, de um hotel, de um restaurante, de uma sapataria. A Petrobras é uma empresa do Estado, que vai ao mercado buscar acionistas minoritários que acreditem na sua gestão. A nossa missão é provar que há mais vantagens do que desvantagens. E que a gente pode ser gestor sendo nomeado pelo governo. Tem uma imagem muito martelada na mente das pessoas que se é estatal, é ineficiente. Se é estatal, vão roubar. Não é verdade isso. O TCU (Tribunal de Contas da União) tem acesso aos nossos números online.
Isso foi depois da Lava Jato?
A gente está implementando um sistema agora que o TCU vai ter acesso aos nossos números na hora que o gestor inserir uma planilha. É como se o TCU estivesse dentro da empresa, em tempo real. Para nós, é bom. Eu não vejo isso como coisa ruim. Tem de ter controle mesmo.
Mas o senhor que já esteve dos dois lados, não vê exagero na intervenção no governo Lula?
Não vejo porque não está havendo intervenção estatal. Veja bem, sobre o negócio da Vale, ninguém confirmou que o ministro ligou a mando do presidente. Foi misterioso isso. Saiu um negócio dizendo que o ministro... E eu não tenho aqui nenhuma procuração para defender o ministro.
Mas o ministro admitiu que estava trabalhando nesse sentido...
Trabalhar é uma coisa, outra coisa é ligar e dizer o presidente mandou botar, que foi uma matéria que saiu. Aquela matéria assustou todo mundo e criou um ápice de compreensão do problema que, na verdade, talvez nunca tenha chegado a tanto. O ministro tem o direito de articular, de conversar com a gestão, como tem na Eletrobras, privada também, e ele também conversa. Nos Estados Unidos aconteceria isso, na França, na Itália. É natural. Eu não vejo isso como intervenção. Então, eu não vi esse processo.
A Petrobras foi convocada a participar no plano de ajuda do governo às empresas aéreas? Como será isso?
Convocada não, foi convidada a participar. A gente tem que estar toda hora educando todo mundo, porque fica um negócio que parece que está mandando. Não, chamaram a gente pra ir lá, porque somos o principal fornecedor, para entender a base do processo. Dentro da tarifa de passagem aérea, tem várias coisas e uma delas é o combustível que, por sua vez, tem vários componentes e aí entra a Petrobras.
As empresas aéreas citam o combustível como a razão para o elevado preço das passagens...
A Gol é uma das empresas mais tranquilas de trabalhar. Ela não vai para o jornal reclamar, não vai acusar a Petrobras, não faz nada disso. A TAM tem um contrato exclusivo com a Vibra, também tem a vida dela resolvida. Quem reclama é a Azul, que não faz parte da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) e usa a Iata (Associação Internacional de Transportes Aéreos) como porta-voz.
Quanto o preço do QAV baixou?
A gente baixou 30% no ano passado, e 10% neste, e mais 0,5% a partir de amanhã. Então, são quase 41% de redução. Mas, por que as passagens subiram de 80% a 140%? Se existe uma correlação entre uma coisa e outra, no mínimo tinha que estar parado ou baixando 20%. Ou existe a correlação, e isso é importante, ou não existe a correlação, ou não é tão importante assim, e o problema está em outros lugares. E aí não cabe à Petrobras, não é a nossa função. A Petrobras foi convidada, vai participar da reunião. Tudo bem, a gente sempre colabora.
E como poderia ser essa colaboração?
A gente vai expor ao governo, no mínimo, no aspecto instrutivo. Nada de baixar mais preço. Como é que funciona o preço. E aí, na reunião, normalmente o que acontece é que o pessoal diz, não, está bom como está. E aí o assunto sai, a gente meio que sai da berlinda. Abaixar artificialmente o preço representaria a Petrobras subsidiar um setor. Para isso, eu teria de ter uma ordem direta cumprindo todos os trâmites e a devida compensação financeira segundo a lei das estatais.
E isso foi solicitado?
Não, jamais foi solicitado isso. A gente vai até o limite. Mas simplesmente ir lá no canetaço e dizer vamos agora baixar 15% o QAV porque a Azul pediu, a gente não pode fazer. Até porque as empresas aéreas vão ter um lucro bastante expressivo em 2023 em relação ao ano anterior.
Mas a Gol acaba de entrar com pedido de recuperação judicial...
A TAM (atual Latam) também já passou por isso e se recuperou. Então, são arranjos que dizem respeito ao negócio da companhia aérea e não necessariamente a tentar espremer a Petrobras, o governo apertar para dar um subsídio por meio da empresa. O subsídio se dá diretamente como governo, mas como empresa estatal mista, eu acho difícil.
E venda direta do QAV é possível?
É uma coisa que a gente não pode recomendar, porque as distribuidoras são os nossos clientes. Isso não cabe a nós propor isso, jamais. A Vibra é nossa compradora, ela tem uma função, foi dado pela lei do petróleo uma função às distribuidoras. Todo mundo tem o direito de ir lá na ANP (Agência Nacional do Petróleo) pedir uma autorização para ter uma distribuidora. Mas não somos nós que temos que dar esse tipo de recomendação.
Quanto à Braskem, já há alguma decisão? Como estão essas conversas?
A nossa parte nessa história é acompanhar o processo para se certificar que quem vai entrar seja alguém que acompanha o nosso investimento, que tenha sinergias conosco. A gente pode exercer nossa voz ao final todo o processo exercendo o direito de referência. Se a gente não estiver feliz com quem está fazendo oferta, a gente vai lá e oferece, cobre a proposta e fica o dono da Braskem. Isso é uma hipótese, que é a primeira que a gente vai seguir? Não. A gente quer, de fato, seja uma coisa compartilhada dentro de uma política de que esses novos negócios, de transição energética, mesmo petroquímica e fertilizante, vai se dar com sócios congêneres, gente do mesmo tamanho, que pode nos acompanhar, mas que tem coisas a aportar, não só dinheiro, mas sinergias mesmo.
Mas em que temperatura está isso?
Estão fazendo diligência agora. Me parece que a Adnoc está no final, mas não é uma negociação exclusiva, talvez, empresas chinesas, europeias. A gente fez a nossa diligência, fomos ao México, aos Estados Unidos, visitar as plantas do lado da Alemanha, foi ver tudo. As plantas do Brasil a gente já conhece. Estamos acompanhando o processo.
E a situação da mina da Braskem em Maceió?
Para esse assunto da venda das ações, eu diria que afeta pouco, pelo menos os (investidores) que estão interessados hoje. A empresa é um monstro e tem um passivo ambiental que foi gerado por uma operação mal fadada lá com a causa das cavernas de sal-gema. Isso impede a gente de comprar? Espanta alguém? Não. Vai se lidar com o que a justiça mandar fazer. Não vejo um reflexo tão grande. O que fez foi um pouco, talvez, adiar o cronograma, porque ficou aquela coisa de ia ter CPI ou não. E a gente, então, teve um pouco mais de cuidado, nós mesmos, a própria Novonor também, de abrir um pouco mais a possibilidade de propostas, esticar mais os prazos.
Qual a expectativa para a chegada do novo sócio na Braskem?
Gostaria muito que acontecesse nesse primeiro semestre, para a gente começar já o segundo semestre com um sócio definido.
A Petrobras mencionou a investidores em Nova York realizar uma cooperação internacional para exploração de novas fronteiras. Como seria, com quem, onde?
A gente está entrando em coisas novas, em petróleo e em fronteiras novas no Brasil. Queremos talvez juntar isso com algumas potenciais explorações em outras áreas, complementares às nossas, similares em ambiente operacional. A nossa casa é o Atlântico. Esse é o ambiente operacional que a gente sente em casa, a nossa praia, literalmente. Então, tudo que é costa africana, golfe do México, parte aqui do Caribe e tal, Suriname, Guiana, e até Mar do Norte, ainda é nossa casa. Mas é prioridade ir pra qualquer lugar fora em relação ao Brasil? Não.
Qual é a prioridade?
A prioridade continua ser pagar royalties e atuar no Brasil, onde a gente se sente melhor, onde a gente se sente em casa, literalmente. Agora, havendo parcerias a se fazer, trocas, etc, a gente pode estar analisando outras áreas. São basicamente três blocos.
Quais?
Os países escandinavos e ainda Holanda e Inglaterra, até por conta da Shell e Equinor, que são parceiros importantes, fora a experiência de offshore eólico nessa região. O segundo bloco são países do Golfo porque têm empresas estatais, dependentes do petróleo. Estamos nos aproximando cada vez mais e temos algo para aprender com eles. E, por fim, China e outros países que vierem junto como Coreia, Cingapura, que a gente já interage muito e quer começar a trazer mais para perto do Brasil, fazer trocas mais inteligentes.