BRASÍLIA - Sem nenhum tipo de licenciamento ambiental, a Petrobrás ergueu um “almoxarifado submarino” no litoral brasileiro, lotado com milhares de maquinários e tubulações de suas plataformas de petróleo, que ocupa uma área maior que a da cidade de Florianópolis (SC).
O Estadão teve acesso exclusivo ao processo sobre o assunto. A pedido da Petrobrás, o caso passou a correr sob sigilo dentro do Ibama. A petroleira busca um acordo com o órgão ambiental para iniciar a retirada do material lançado irregularmente em seis áreas da Bacia de Campos, região localizada nos litorais do Rio de Janeiro e Espírito Santo. O volume da parafernália é colossal. Os dados revelam que a Petrobrás tem hoje mais de 1,4 mil quilômetros de tubos de PVC flexíveis, usados na extração de petróleo, lançados no fundo do mar (veja quadro).
Somadas, essas seis regiões chegam a 460 quilômetros quadrados. É como se uma capital como Florianópolis (SC) ou Porto Alegre (RS) fosse transformada em um depósito marinho, de forma irregular, como afirma o próprio Ibama em um dos documentos. “As áreas denominadas como ‘almoxarifados submarinos’ vêm sendo utilizadas pela Petrobrás para o armazenamento de equipamentos (ex.: linhas flexíveis, umbilicais, sistemas de ancoragem) sem o devido licenciamento ambiental”, declara o órgão federal.
A definição de “almoxarifado submarino” usada para se referir aos depósitos é da própria petroleira que, em uma reunião realizada em julho de 2019, estimou que o processo de retirada de toda essa tralha deverá custar pelo menos R$ 1,5 bilhão, além de demorar mais de cinco anos até que tudo esteja devidamente limpo. Tudo começaria em 2022. Somente em 2027 é que a área estaria livre do maquinário (veja texto abaixo).
Ao analisar a dimensão do problema, os técnicos do Ibama afirmam que o lançamento e recolhimento desses equipamentos realizados por anos vinham causando “impactos algumas vezes superiores à instalação de um sistema de produção típico, sem qualquer avaliação prévia de alternativas locacionais e tecnológicas e sem qualquer medida controle ou monitoramento”.
Multa
Por causa da ausência de licenciamento para fazer essas operações, o Ibama chegou a multar a Petrobrás em R$ 2,5 milhões e a impor uma indenização de R$ 25 milhões pelo impacto ambiental causado, além da exigência de retirar cada tubo e parafuso que a estatal abandonou no litoral brasileiro. Um termo de ajustamento de conduta (TAC) foi firmado entre a petroleira e o órgão ambiental para que o trabalho seja executado, mas após sucessivos ajustes, o fato é que nada foi feito concretamente, até o momento.
A Petrobrás foi questionada pela reportagem sobre cada uma dessas informações, incluindo a situação atual de seu acordo, o cronograma de retirada da parafernália e sua possível destinação em solo. Foi perguntada ainda onde passou a depositar o material que acumula desde 2016, quando o lançamento no fundo do mar foi proibido. Primeiro, a estatal informou que iria apurar as informações. Um dia depois, entrou em contato para pedir mais prazo para dar sua resposta, o que foi concedido. Finalmente, vencido o prazo acordado, limitou-se a declarar que não prestaria nenhuma informação a respeito.
Os mesmos questionamentos foram enviados à área de comunicação e à presidência do Ibama, que ignoraram reiterados pedidos de esclarecimento sobre o assunto. A área de comunicação do órgão está impedida de se manifestar para a imprensa desde o ano passado, por ordem direta do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Os documentos mostram que a utilização dessas áreas como almoxarifado não é recente. O relatório revela que a petroleira começou a usar parte da região para depositar seus equipamentos em 1991 e que essa prática foi ampliada nos anos seguintes, até março de 2016, quando o Ibama, que já buscava há anos um acordo sobre o assunto, determinou a paralisação total de lançamentos no oceano.
Na prática, a Petrobrás passou mais de duas décadas usando essas áreas como depósito marinho, sob a alegação de que reutilizava em outras plataformas diversos maquinários e tubulações deixados nos locais e de que tinha “dificuldade logística” para adotar outra alternativa. Cerca de metade do que hoje está depositado nas áreas já é considerado material inservível, segundo os relatórios.