PIB sobe 0,4% no terceiro trimestre, na quinta alta seguida, mas com ritmo mais lento


Juros mais altos e fim do processo de normalização das atividades afetadas pela pandemia pesaram na perda de fôlego do crescimento

Por Daniela Amorim, Vinicius Neder, Italo Bertão Filho, Marianna Gualter, Daniel Tozzi Mendes e Sandy Oliveira
Atualização:

RIO E SÃO PAULO - Os estímulos bilionários injetados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na economia na reta final da campanha eleitoral foram insuficientes para evitar a perda de fôlego do crescimento econômico no terceiro trimestre. O Produto Interno Bruto (PIB, o valor de todos os produtos e serviços gerados em determinado período) cresceu 0,4% em relação ao segundo trimestre, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira, 1º.

A desaceleração da atividade econômica já era esperada, mas o desempenho informado pelo IBGE veio abaixo das estimativas captadas pelo Estadão/Broadcast, que apontavam para um crescimento de 0,6%. No segundo trimestre, o PIB cresceu 1,0% sobre os três primeiros meses do ano, quando o crescimento econômico foi de 1,3% sobre o quarto trimestre de 2021. Trata-se da quinta alta consecutiva.

Apesar disso, o crescimento do terceiro trimestre levou o PIB ao nível recorde da série histórica do IBGE, iniciada em 1996. O ganho acumulado em relação ao recorde anterior, registrado no primeiro trimestre de 2014, é de apenas 1,4%, o que significa que, em oito anos, o crescimento ecônimico não foi suficiente sequer para acompanhar o crescimento da população.

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Segundo economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, pesaram na perda de fôlego do crescimento uma demanda externa menos favorável, o mau desempenho da agropecuária, o fim do processo de normalização das atividades afetadas pelas medidas de contenção da pandemia de covid-19 e os efeitos iniciais dos juros mais elevados sobre a contenção da demanda.

“A perda de ritmo tem a ver com a agropecuária, que não está num ano muito favorável, e com a questão do comércio exterior”, afirmou Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, explicando que os lockdowns na China, que ainda persegue uma política de “covid zero”, e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia afetaram as exportações do Brasil.

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O PIB da agropecuária encolheu 0,9% ante o segundo trimestre, após o excesso de chuvas prejudicar a safra de cana-de-açúcar. Segundo o coordenador de Inteligência de Mercado da consultioria StoneX, Vitor Andrioli, a colheita da cana ocorre na época de estiagem no Centro-Sul do País, e chuvas acima do normal atrapalham o processo e reduzem o volume de açúcar na planta.

“A produção foi bastante afetada pelo clima desfavorável que prejudicou a qualidade da matéria-prima”, disse Andrioli.

O PIB da indústria cresceu 0,8%, enquanto o setor de serviços avançou 1,1% ante o segundo trimestre, ditando o ritmo do crescimento, como já havia ocorrido no primeiro semestre.

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Na avaliação da economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e coordenadora do Boletim Macro Ibre, está claro que o cenário econômico deste segundo semestre é pior do que o primeiro, quando a força da volta ao normal do funcionamento de uma série de negócios surpreendeu positivamente.

“Há vários sinais de que o cenário está pior, e o terceiro trimestre está no meio do caminho”, diz ela, lembrando que vários analistas projetam uma freada ainda mais forte neste quarto trimestre. “Todos os indicadores de alta frequência mostram perda de impulso no crescimento econômico”, completa a economista, citando os dados sobre geração de empregos formais de outubro, registrados no Caged, e os indicadores de confiança do empresariado, calculados pela FGV, que deterioraram em outubro e novembro.

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Medidas de estímulo

Para Eduardo Vilarim, economista do Banco Original, as medidas de estímulo adotadas pelo governo federal – especialmente a elevação do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 por mês, o auxílio temporário para taxistas e caminhoneiros, e a redução de tributos federais e estaduais sobre os combustíveis – ajudaram a impulsionar o crescimento. Só que, agora, a tendência é que os estímulos percam efeito, segundo o economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otávio de Sousa Leal.

“Esse cenário negativo parecia estar sendo disfarçado pela injeção de dinheiro do governo na economia, mas agora o efeito passou”, disse Leal.

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Pela ótica da demanda, o consumo das famílias cresceu 1% em relação ao segundo trimestre. Já o consumo do governo registrou avanço de 1,3%, enquanto os investimentos, medidos na formação bruta de capital fixo (FBCF), cresceram 2,8%. O setor externo teve contribuição negativa para o PIB porque as importações cresceram mais (5,8% ante o segundo trimestre) do que as exportações (3,6%, no mesmo período).

Clientes enchem salão de restaurante no Itaim Bibi: normalização do funcionamento de negócios afetados pelas medidas contra a covid-19 ditou o ritmo da economia no primeiro semestre, mas tende a perder fôlego até o fim do ano Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 9/11/2022

Na visão de Matos, da FGV, as medidas de estímulo “anabolizaram” o crescimento no terceiro trimestre, mas não mudam o cenário de desaceleração da economia, seja no fim deste ano seja em 2023. Além das próprias medidas perderem a força para impulsionar a economia, sem o efeito da normalização do funcionamento dos negócios afetados pela pandemia, a alta dos juros arrefece a atividade. Se as transferências de renda e a moderação da inflação dão algum impulso ao consumo de serviços e bens não duráveis, os bens duráveis, como eletrodomésticos e veículos, que dependem das vendas a prazo, enfrentam uma demanda em queda.

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A economista-chefe da gestora de recursos CM Capital, Carla Argenta, chamou a atenção para o mau desempenho da indústria de transformação, que cresceu apenas 0,1% ante o segundo trimestre. “Na indústria de transformação, um dos grandes motivos [para a desaceleração] é a indústria automotiva, segmento que arrefeceu bastante. Em todos os segmentos em que o endividamento é importante para o consumo, ainda mais com uma taxa de juros no patamar em que está, sentimos essa desaceleração”, afirmou.

Ao mesmo tempo, o aumento da pobreza que as transferências procuram enfrentar impede um avanço mais generalizado do consumo. O economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), lembrou ainda o arrefecimento da inflação nos últimos meses favoreceu o consumo de serviços e bens não duráveis. O alívio nos preços dos combustíveis permitiu que as famílias de classe média e alta gastassem mais um pouco.

Para Matos, da FGV, crescer com os estímulos como “anabolizantes” também traz “desafios fiscais” para a frente. “Tivemos mais PIB, mas também mais desafios fiscais. Se temos um PIB maior em 2022, temos que ter um PIB menor em 2023 para acomodar esses estímulos. Não dá pra comemorar um PIB com um ciclo de desaceleração já contratado”, diz a economista.

Silvia Matos, da FGV, destaca que há vários sinais de perda de fôlego na economia Foto: Fábio Motta/Estadão - 21/5/2019

Desafios fiscais

Os “desafios fiscais” citados pela pesquisadora da FGV também estão na lista de preocupações de analistas do mercado financeiro. Vilarim, do Banco Original, explica que um aumento dos desequilíbrios das contas do governo poderia levar a novas rodadas de alta no dólar e mais inflação, o que levaria a novos aumentos na taxa básica de juros (a Selic, hoje em 13,75% ao ano). Assim, “a queda esperada para a taxa no fim de 2023 pode não existir”, o que levaria a um crescimento ainda menor no próximo ano.

“O risco fiscal pode levar a um desdobramento negativo na economia. Estamos aguardando as negociações da PEC de Transição [proposta de emenda à Constituição que o Gabinete de Transição de governo pretende aprovar para acomodar crescimento de gastos públicos nos próximos anos] e o anúncio dos nomes da equipe econômica [do novo governo Lula] para uma sinalização mais clara do que vai acontecer”, diz Mauricio Nakahodo, economista sênior do banco MUFG Brasil.

De formação teórica desenvolvimentista, Oreiro, da UnB, considera as preocupações com os desequilíbrios das contas públicas exageradas. Os indicadores de risco de calote nos títulos da dívida pública do Brasil, determinados pelo próprio mercado financeiro, estão, atualmente, muito melhores do que estavam na transição para o primeiro governo Lula, 20 anos atrás. Além disso, estão longe de apontar para desconfiança em relação ao pagamento da dívida.

“Sou mais otimista para o segundo semestre [de 2023]. Tendo uma nova regra fiscal [no lugar do teto de gastos, regra que limita o crescimento da despesa pública de um ano ao valor do ano anterior, corrigido apenas pela inflação], vai abrir espaço para um aumento dos investimentos públicos, e aí pode ter espaço para um crescimento maior”, afirma Oreiro, citando a perspectiva de acomodação nas cotações internacionais das matérias-primas exportadas pelo Brasil como um obstáculo ao crescimento.

RIO E SÃO PAULO - Os estímulos bilionários injetados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na economia na reta final da campanha eleitoral foram insuficientes para evitar a perda de fôlego do crescimento econômico no terceiro trimestre. O Produto Interno Bruto (PIB, o valor de todos os produtos e serviços gerados em determinado período) cresceu 0,4% em relação ao segundo trimestre, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira, 1º.

A desaceleração da atividade econômica já era esperada, mas o desempenho informado pelo IBGE veio abaixo das estimativas captadas pelo Estadão/Broadcast, que apontavam para um crescimento de 0,6%. No segundo trimestre, o PIB cresceu 1,0% sobre os três primeiros meses do ano, quando o crescimento econômico foi de 1,3% sobre o quarto trimestre de 2021. Trata-se da quinta alta consecutiva.

Apesar disso, o crescimento do terceiro trimestre levou o PIB ao nível recorde da série histórica do IBGE, iniciada em 1996. O ganho acumulado em relação ao recorde anterior, registrado no primeiro trimestre de 2014, é de apenas 1,4%, o que significa que, em oito anos, o crescimento ecônimico não foi suficiente sequer para acompanhar o crescimento da população.

Segundo economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, pesaram na perda de fôlego do crescimento uma demanda externa menos favorável, o mau desempenho da agropecuária, o fim do processo de normalização das atividades afetadas pelas medidas de contenção da pandemia de covid-19 e os efeitos iniciais dos juros mais elevados sobre a contenção da demanda.

“A perda de ritmo tem a ver com a agropecuária, que não está num ano muito favorável, e com a questão do comércio exterior”, afirmou Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, explicando que os lockdowns na China, que ainda persegue uma política de “covid zero”, e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia afetaram as exportações do Brasil.

O PIB da agropecuária encolheu 0,9% ante o segundo trimestre, após o excesso de chuvas prejudicar a safra de cana-de-açúcar. Segundo o coordenador de Inteligência de Mercado da consultioria StoneX, Vitor Andrioli, a colheita da cana ocorre na época de estiagem no Centro-Sul do País, e chuvas acima do normal atrapalham o processo e reduzem o volume de açúcar na planta.

“A produção foi bastante afetada pelo clima desfavorável que prejudicou a qualidade da matéria-prima”, disse Andrioli.

O PIB da indústria cresceu 0,8%, enquanto o setor de serviços avançou 1,1% ante o segundo trimestre, ditando o ritmo do crescimento, como já havia ocorrido no primeiro semestre.

Na avaliação da economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e coordenadora do Boletim Macro Ibre, está claro que o cenário econômico deste segundo semestre é pior do que o primeiro, quando a força da volta ao normal do funcionamento de uma série de negócios surpreendeu positivamente.

“Há vários sinais de que o cenário está pior, e o terceiro trimestre está no meio do caminho”, diz ela, lembrando que vários analistas projetam uma freada ainda mais forte neste quarto trimestre. “Todos os indicadores de alta frequência mostram perda de impulso no crescimento econômico”, completa a economista, citando os dados sobre geração de empregos formais de outubro, registrados no Caged, e os indicadores de confiança do empresariado, calculados pela FGV, que deterioraram em outubro e novembro.

Medidas de estímulo

Para Eduardo Vilarim, economista do Banco Original, as medidas de estímulo adotadas pelo governo federal – especialmente a elevação do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 por mês, o auxílio temporário para taxistas e caminhoneiros, e a redução de tributos federais e estaduais sobre os combustíveis – ajudaram a impulsionar o crescimento. Só que, agora, a tendência é que os estímulos percam efeito, segundo o economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otávio de Sousa Leal.

“Esse cenário negativo parecia estar sendo disfarçado pela injeção de dinheiro do governo na economia, mas agora o efeito passou”, disse Leal.

Pela ótica da demanda, o consumo das famílias cresceu 1% em relação ao segundo trimestre. Já o consumo do governo registrou avanço de 1,3%, enquanto os investimentos, medidos na formação bruta de capital fixo (FBCF), cresceram 2,8%. O setor externo teve contribuição negativa para o PIB porque as importações cresceram mais (5,8% ante o segundo trimestre) do que as exportações (3,6%, no mesmo período).

Clientes enchem salão de restaurante no Itaim Bibi: normalização do funcionamento de negócios afetados pelas medidas contra a covid-19 ditou o ritmo da economia no primeiro semestre, mas tende a perder fôlego até o fim do ano Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 9/11/2022

Na visão de Matos, da FGV, as medidas de estímulo “anabolizaram” o crescimento no terceiro trimestre, mas não mudam o cenário de desaceleração da economia, seja no fim deste ano seja em 2023. Além das próprias medidas perderem a força para impulsionar a economia, sem o efeito da normalização do funcionamento dos negócios afetados pela pandemia, a alta dos juros arrefece a atividade. Se as transferências de renda e a moderação da inflação dão algum impulso ao consumo de serviços e bens não duráveis, os bens duráveis, como eletrodomésticos e veículos, que dependem das vendas a prazo, enfrentam uma demanda em queda.

A economista-chefe da gestora de recursos CM Capital, Carla Argenta, chamou a atenção para o mau desempenho da indústria de transformação, que cresceu apenas 0,1% ante o segundo trimestre. “Na indústria de transformação, um dos grandes motivos [para a desaceleração] é a indústria automotiva, segmento que arrefeceu bastante. Em todos os segmentos em que o endividamento é importante para o consumo, ainda mais com uma taxa de juros no patamar em que está, sentimos essa desaceleração”, afirmou.

Ao mesmo tempo, o aumento da pobreza que as transferências procuram enfrentar impede um avanço mais generalizado do consumo. O economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), lembrou ainda o arrefecimento da inflação nos últimos meses favoreceu o consumo de serviços e bens não duráveis. O alívio nos preços dos combustíveis permitiu que as famílias de classe média e alta gastassem mais um pouco.

Para Matos, da FGV, crescer com os estímulos como “anabolizantes” também traz “desafios fiscais” para a frente. “Tivemos mais PIB, mas também mais desafios fiscais. Se temos um PIB maior em 2022, temos que ter um PIB menor em 2023 para acomodar esses estímulos. Não dá pra comemorar um PIB com um ciclo de desaceleração já contratado”, diz a economista.

Silvia Matos, da FGV, destaca que há vários sinais de perda de fôlego na economia Foto: Fábio Motta/Estadão - 21/5/2019

Desafios fiscais

Os “desafios fiscais” citados pela pesquisadora da FGV também estão na lista de preocupações de analistas do mercado financeiro. Vilarim, do Banco Original, explica que um aumento dos desequilíbrios das contas do governo poderia levar a novas rodadas de alta no dólar e mais inflação, o que levaria a novos aumentos na taxa básica de juros (a Selic, hoje em 13,75% ao ano). Assim, “a queda esperada para a taxa no fim de 2023 pode não existir”, o que levaria a um crescimento ainda menor no próximo ano.

“O risco fiscal pode levar a um desdobramento negativo na economia. Estamos aguardando as negociações da PEC de Transição [proposta de emenda à Constituição que o Gabinete de Transição de governo pretende aprovar para acomodar crescimento de gastos públicos nos próximos anos] e o anúncio dos nomes da equipe econômica [do novo governo Lula] para uma sinalização mais clara do que vai acontecer”, diz Mauricio Nakahodo, economista sênior do banco MUFG Brasil.

De formação teórica desenvolvimentista, Oreiro, da UnB, considera as preocupações com os desequilíbrios das contas públicas exageradas. Os indicadores de risco de calote nos títulos da dívida pública do Brasil, determinados pelo próprio mercado financeiro, estão, atualmente, muito melhores do que estavam na transição para o primeiro governo Lula, 20 anos atrás. Além disso, estão longe de apontar para desconfiança em relação ao pagamento da dívida.

“Sou mais otimista para o segundo semestre [de 2023]. Tendo uma nova regra fiscal [no lugar do teto de gastos, regra que limita o crescimento da despesa pública de um ano ao valor do ano anterior, corrigido apenas pela inflação], vai abrir espaço para um aumento dos investimentos públicos, e aí pode ter espaço para um crescimento maior”, afirma Oreiro, citando a perspectiva de acomodação nas cotações internacionais das matérias-primas exportadas pelo Brasil como um obstáculo ao crescimento.

RIO E SÃO PAULO - Os estímulos bilionários injetados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na economia na reta final da campanha eleitoral foram insuficientes para evitar a perda de fôlego do crescimento econômico no terceiro trimestre. O Produto Interno Bruto (PIB, o valor de todos os produtos e serviços gerados em determinado período) cresceu 0,4% em relação ao segundo trimestre, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira, 1º.

A desaceleração da atividade econômica já era esperada, mas o desempenho informado pelo IBGE veio abaixo das estimativas captadas pelo Estadão/Broadcast, que apontavam para um crescimento de 0,6%. No segundo trimestre, o PIB cresceu 1,0% sobre os três primeiros meses do ano, quando o crescimento econômico foi de 1,3% sobre o quarto trimestre de 2021. Trata-se da quinta alta consecutiva.

Apesar disso, o crescimento do terceiro trimestre levou o PIB ao nível recorde da série histórica do IBGE, iniciada em 1996. O ganho acumulado em relação ao recorde anterior, registrado no primeiro trimestre de 2014, é de apenas 1,4%, o que significa que, em oito anos, o crescimento ecônimico não foi suficiente sequer para acompanhar o crescimento da população.

Segundo economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, pesaram na perda de fôlego do crescimento uma demanda externa menos favorável, o mau desempenho da agropecuária, o fim do processo de normalização das atividades afetadas pelas medidas de contenção da pandemia de covid-19 e os efeitos iniciais dos juros mais elevados sobre a contenção da demanda.

“A perda de ritmo tem a ver com a agropecuária, que não está num ano muito favorável, e com a questão do comércio exterior”, afirmou Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, explicando que os lockdowns na China, que ainda persegue uma política de “covid zero”, e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia afetaram as exportações do Brasil.

O PIB da agropecuária encolheu 0,9% ante o segundo trimestre, após o excesso de chuvas prejudicar a safra de cana-de-açúcar. Segundo o coordenador de Inteligência de Mercado da consultioria StoneX, Vitor Andrioli, a colheita da cana ocorre na época de estiagem no Centro-Sul do País, e chuvas acima do normal atrapalham o processo e reduzem o volume de açúcar na planta.

“A produção foi bastante afetada pelo clima desfavorável que prejudicou a qualidade da matéria-prima”, disse Andrioli.

O PIB da indústria cresceu 0,8%, enquanto o setor de serviços avançou 1,1% ante o segundo trimestre, ditando o ritmo do crescimento, como já havia ocorrido no primeiro semestre.

Na avaliação da economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e coordenadora do Boletim Macro Ibre, está claro que o cenário econômico deste segundo semestre é pior do que o primeiro, quando a força da volta ao normal do funcionamento de uma série de negócios surpreendeu positivamente.

“Há vários sinais de que o cenário está pior, e o terceiro trimestre está no meio do caminho”, diz ela, lembrando que vários analistas projetam uma freada ainda mais forte neste quarto trimestre. “Todos os indicadores de alta frequência mostram perda de impulso no crescimento econômico”, completa a economista, citando os dados sobre geração de empregos formais de outubro, registrados no Caged, e os indicadores de confiança do empresariado, calculados pela FGV, que deterioraram em outubro e novembro.

Medidas de estímulo

Para Eduardo Vilarim, economista do Banco Original, as medidas de estímulo adotadas pelo governo federal – especialmente a elevação do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 por mês, o auxílio temporário para taxistas e caminhoneiros, e a redução de tributos federais e estaduais sobre os combustíveis – ajudaram a impulsionar o crescimento. Só que, agora, a tendência é que os estímulos percam efeito, segundo o economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otávio de Sousa Leal.

“Esse cenário negativo parecia estar sendo disfarçado pela injeção de dinheiro do governo na economia, mas agora o efeito passou”, disse Leal.

Pela ótica da demanda, o consumo das famílias cresceu 1% em relação ao segundo trimestre. Já o consumo do governo registrou avanço de 1,3%, enquanto os investimentos, medidos na formação bruta de capital fixo (FBCF), cresceram 2,8%. O setor externo teve contribuição negativa para o PIB porque as importações cresceram mais (5,8% ante o segundo trimestre) do que as exportações (3,6%, no mesmo período).

Clientes enchem salão de restaurante no Itaim Bibi: normalização do funcionamento de negócios afetados pelas medidas contra a covid-19 ditou o ritmo da economia no primeiro semestre, mas tende a perder fôlego até o fim do ano Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 9/11/2022

Na visão de Matos, da FGV, as medidas de estímulo “anabolizaram” o crescimento no terceiro trimestre, mas não mudam o cenário de desaceleração da economia, seja no fim deste ano seja em 2023. Além das próprias medidas perderem a força para impulsionar a economia, sem o efeito da normalização do funcionamento dos negócios afetados pela pandemia, a alta dos juros arrefece a atividade. Se as transferências de renda e a moderação da inflação dão algum impulso ao consumo de serviços e bens não duráveis, os bens duráveis, como eletrodomésticos e veículos, que dependem das vendas a prazo, enfrentam uma demanda em queda.

A economista-chefe da gestora de recursos CM Capital, Carla Argenta, chamou a atenção para o mau desempenho da indústria de transformação, que cresceu apenas 0,1% ante o segundo trimestre. “Na indústria de transformação, um dos grandes motivos [para a desaceleração] é a indústria automotiva, segmento que arrefeceu bastante. Em todos os segmentos em que o endividamento é importante para o consumo, ainda mais com uma taxa de juros no patamar em que está, sentimos essa desaceleração”, afirmou.

Ao mesmo tempo, o aumento da pobreza que as transferências procuram enfrentar impede um avanço mais generalizado do consumo. O economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), lembrou ainda o arrefecimento da inflação nos últimos meses favoreceu o consumo de serviços e bens não duráveis. O alívio nos preços dos combustíveis permitiu que as famílias de classe média e alta gastassem mais um pouco.

Para Matos, da FGV, crescer com os estímulos como “anabolizantes” também traz “desafios fiscais” para a frente. “Tivemos mais PIB, mas também mais desafios fiscais. Se temos um PIB maior em 2022, temos que ter um PIB menor em 2023 para acomodar esses estímulos. Não dá pra comemorar um PIB com um ciclo de desaceleração já contratado”, diz a economista.

Silvia Matos, da FGV, destaca que há vários sinais de perda de fôlego na economia Foto: Fábio Motta/Estadão - 21/5/2019

Desafios fiscais

Os “desafios fiscais” citados pela pesquisadora da FGV também estão na lista de preocupações de analistas do mercado financeiro. Vilarim, do Banco Original, explica que um aumento dos desequilíbrios das contas do governo poderia levar a novas rodadas de alta no dólar e mais inflação, o que levaria a novos aumentos na taxa básica de juros (a Selic, hoje em 13,75% ao ano). Assim, “a queda esperada para a taxa no fim de 2023 pode não existir”, o que levaria a um crescimento ainda menor no próximo ano.

“O risco fiscal pode levar a um desdobramento negativo na economia. Estamos aguardando as negociações da PEC de Transição [proposta de emenda à Constituição que o Gabinete de Transição de governo pretende aprovar para acomodar crescimento de gastos públicos nos próximos anos] e o anúncio dos nomes da equipe econômica [do novo governo Lula] para uma sinalização mais clara do que vai acontecer”, diz Mauricio Nakahodo, economista sênior do banco MUFG Brasil.

De formação teórica desenvolvimentista, Oreiro, da UnB, considera as preocupações com os desequilíbrios das contas públicas exageradas. Os indicadores de risco de calote nos títulos da dívida pública do Brasil, determinados pelo próprio mercado financeiro, estão, atualmente, muito melhores do que estavam na transição para o primeiro governo Lula, 20 anos atrás. Além disso, estão longe de apontar para desconfiança em relação ao pagamento da dívida.

“Sou mais otimista para o segundo semestre [de 2023]. Tendo uma nova regra fiscal [no lugar do teto de gastos, regra que limita o crescimento da despesa pública de um ano ao valor do ano anterior, corrigido apenas pela inflação], vai abrir espaço para um aumento dos investimentos públicos, e aí pode ter espaço para um crescimento maior”, afirma Oreiro, citando a perspectiva de acomodação nas cotações internacionais das matérias-primas exportadas pelo Brasil como um obstáculo ao crescimento.

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