O desempenho da economia brasileira no primeiro trimestre, segundo analistas, acabou reforçando a visão mais cautelosa que o Banco Central vem adotando na condução da política monetária. Segundo dados divulgados nesta terça-feira, 4, pelo IBGE, o PIB brasileiro cresceu 0,8% no primeiro trimestre, puxado essencialmente pelo setor de serviços.
De acordo com Laiz Carvalho, economista para o Brasil do BNP Paribas, esse crescimento é um reflexo direto do aquecimento do consumo das famílias. “Estamos vendo uma demanda muito forte das famílias, pelo mercado de trabalho aquecido, salários mais altos e, em geral, maior renda disponível”, disse a economista.
Esse cenário, segundo ela, deve fazer com que as expectativas para a inflação de serviços à frente fiquem mais altas, trazendo impactos de alta também para as projeções de inflação cheia. “O número em si do PIB de hoje não muda nada para o BC, mas reforça essa visão mais cautelosa. Temos visto nos últimos discursos e comunicações (do BC) uma preocupação com as expectativas de inflação futuras. E essa atividade forte é um dos elementos que devem impactar as projeções”, disse.
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O BNP, por ora, projeta mais dois cortes de 0,25 ponto porcentual na taxa Selic, que encerraria o ano, nesse caso, em 10%. A estimativa, contudo, tem viés de alta. “Vemos as expectativas de inflação cada vez mais distantes da meta (de inflação) de 3%. Não mudamos o cenário ainda, mas pode ser que, se houver corte de juro em junho, seja o último corte”, disse.
Na avaliação da consultoria Capital Economics, o crescimento do PIB até surpreendeu no primeiro trimestre, mas parece refletir mais uma recuperação temporária da economia. Por isso, segundo a consultoria, tudo indica que o ritmo de alta vai desacelerar daqui para a frente e que a atividade deve fechar o ano com expansão de 1,5% a 1,8%.
Mas, apesar de considerar que o ritmo de expansão da economia no primeiro trimestre não vai se manter, o economista-chefe de mercados emergentes da consultoria, William Jackson, reconhece que ele impõe riscos para a política monetária. “O crescimento da economia, e do consumo das famílias em particular, vai levantar (ainda mais) preocupações sobre a inflação no Banco Central, sugerindo que a nossa projeção de Selic no fim do ano, de 9,75%, tem cada vez mais riscos para cima”, disse.
“Os indicadores antecedentes apontam para um segundo trimestre mais fraco - o PMI industrial caiu fortemente em maio e o indicador de confiança do consumidor também recuou nos últimos meses. As enchentes no Rio Grande do Sul podem pesar no crescimento. E duvidamos que a força da produção agrícola vista no primeiro trimestre seja sustentável”, diz o economista-chefe de mercados emergentes da consultoria, William Jackson.
A força da demanda doméstica no primeiro trimestre também foi destacada pela economista-chefe para o Brasil da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro. Para ela, isso confirma o tom duro adotado pelo Banco Central (BC) desde o último comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom).
Segundo Tatiana, o crescimento de 1,6% na demanda doméstica no primeiro trimestre ficou bem acima de todas as últimas leituras. Em 2022, o crescimento trimestral médio da demanda doméstica foi de 0,9%. Em 2023, desacelerou a 0,4% no primeiro semestre e 0,2% no segundo.
“Agora, esse primeiro trimestre interrompe o ciclo de desaceleração da demanda doméstica”, disse. “O BC já tinha falado sobre isso na comunicação, que a economia veio fora da expectativa no primeiro trimestre. Ele já disse isso na última decisão, em que trocou a velocidade dos cortes para 0,25 ponto e deu um tom bastante duro para a condução da política monetária daqui para a frente.”
A economista pondera, no entanto, que a tendência é de esfriamento da economia. Parte da forte expansão da demanda vista até agora, segundo ela, é explicada por três fatores: o pagamento de precatórios em atraso, o reajuste acima da inflação do salário mínimo e o mercado de trabalho resiliente. Nenhum desses elementos parece capaz de continuar influenciando muito a economia, ela diz.
“E temos o impacto do desastre climático no Rio Grande do Sul, que vai se manifestar no segundo trimestre e que não conhecemos”, diz Pinheiro. “Provavelmente, a expansão fiscal, por causa desse desastre, não vai compensar esse efeito. O segundo trimestre deve ser bastante fraco por causa do impacto da contabilização do desastre climático, e o terceiro e quarto trimestres, sem impulsos, não devem crescer nesse mesmo ritmo de 1,6% para a demanda doméstica.”
Por conta disso, ela espera crescimento de 1,8% para o PIB de 2024 e afirma que, se não fosse o desastre no Rio Grande do Sul, teria aumentado a projeção. Para a taxa Selic, ela espera que o Banco Central promova apenas mais um corte de 0,25 ponto porcentual, e pause o ciclo com os juros em 10,25%. O ciclo seria retomado em 2025, quando a taxa deve cair a 9,5%.