Nos últimos tempos, o avanço das casas de apostas, conhecidas pelo termo em inglês “bets”, se tornou parte importante das discussões econômicas e de saúde no Brasil. Levantamentos conduzidos por bancos e associações do varejo apontam a importância cada vez maior desse segmento no orçamento dos brasileiros, com possíveis reflexos negativos no consumo de outros bens e serviços.
De acordo com um estudo do banco Santander, estima-se que os brasileiros tenham gasto entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões com jogos em 2023, incluindo não só as apostas online, mas também as loterias federais e as atividades que permanecem ilegais (como jogo do bicho).
Segundo o economista do banco Ruben Couto, há indícios de que as despesas com jogos online estão tornando mais lento o processo de “desalavancagem” das famílias - ou seja, de pagamento de dívidas. Ele esperava que, pelo momento atual da economia brasileira, com o Produto Interno Bruto (PIB) surpreendendo para cima e aumento da renda por meio do mercado de trabalho e de programas sociais, a redução das dívidas fosse mais rápida.
O crescimento das bets também tem preocupado na questão da saúde. O fácil acesso às apostas online impulsionou, por exemplo, a busca por tratamento no Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti), em São Paulo. A unidade registrou um salto de 175% - de 58 inscritos em 2022 para 160 em 2023. O aumento da procura por jovens adultos (de 18 a 30 anos) foi ainda mais expressivo: 480%. Saltou de 10 para 58. “A procura sempre aumenta quando o acesso às apostas é ampliado e um jogo se torna popular. Foi assim com os bingos, até sua proibição, em 2004. Agora, o fenômeno se repete com as apostas online”, disse o psiquiatra Hermano Tavares, coordenador do Pro-Amiti.
Esse cenário pode sofrer alguma modificação a partir de janeiro, quando entra em vigor a regulamentação do setor, que promete um enorme enxugamento no número de empresas operando, já que as regras ficarão bem mais rigorosas - incluindo o pagamento de uma licença de funcionamento de R$ 30 milhões à vista.
O Estadão vem acompanhando de perto todo esse movimento envolvendo as bets. Nas reportagens apresentadas a seguir, é possível ter um panorama completo de tudo o que vem acontecendo:
Bets já movimentam R$ 100 bi no País, tiram dinheiro do consumo e causam preocupação ao varejo
Desde que foram legalizadas no País em 2018, no governo de Michel Temer, as casas de apostas online avançaram sob o orçamento dos brasileiros e viraram preocupação para governo e empresas. A hipótese é de que o gasto com as apostas esteja drenando parte dos recursos que iriam para compra de bens e serviços, além de representar um risco de aumento de inadimplência no futuro.
No ano passado, as empresas de bets movimentaram entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões em apostas no Brasil, quase 1% do PIB, segundo projeções da Strategy&Brasil, consultoria estratégica da consultoria PwC. Do total movimentado, entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões deixaram de ser gastos com bens e serviços (ou investidos em alguma aplicação), diz o diretor da Strategy& Brasil, Mauro Toledo. Em casos mais drásticos, os gastos com apostas levaram ao endividamento dos jogadores. Leia mais aqui.
Bets avançam no orçamento das famílias, bancos falam em ‘bomba-relógio’ e preocupação já chega ao BC
O aumento dos gastos das famílias com os jogos de apostas online entrou no radar do Banco Central. A preocupação é que parte do orçamento esteja sendo gasta com as chamadas “bets” de forma descontrolada - o que pode diminuir a renda disponível para o consumo e o pagamento de dívidas. Isso teria o efeito de interromper a queda dos níveis de endividamento - que vêm recuando, ainda que lentamente, nos últimos meses.
Na visão da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), há uma “bomba relógio” contratada sobre as finanças de milhões de famílias - o que, em última instância, levaria os bancos a ficar mais seletivos na concessão do crédito, com encarecimento de diversas linhas. Leia mais aqui.
Quais são as maiores empresas de apostas que atuam no Brasil?
Desde a legalização das apostas esportivas em 2018, o número de empresas de jogos online explodiu no Brasil. Calcula-se que atualmente pelo menos 2 mil empresas estejam atuando no mercado interno. No ranking das dez maiores, feito pela plataforma SEMRush com base nos acessos dos últimos 12 meses, Bet 365, Betano e Betfair aparecem como as líderes no País.
A maioria das empresas que atuam no Brasil tem sede no exterior, em países como Reino Unido, Grécia e Gibraltar. Normalmente, a operação brasileira tem sido tocada por algum sócio nacional ou executivos contratados. Em seus sites, elas oferecem tanto apostas esportivas, como o resultado de uma partida de futebol, quanto jogos de cassino online, incluindo os mais famosos como o jogo do tigrinho e aviãozinho. Leia mais aqui.
Como uma das maiores bets do Brasil ensina a enganar apostadores até com uso do ChatGPT
A Bet7k, uma das principais casas de apostas brasileiras, oferece um curso para capacitação de parceiros que ensina a forjar depoimentos de falsos ganhadores, driblar regras de anúncios em redes sociais, montar perfis de falsos “experts” e até a usar o ChatGPT para aprimorar promessas de ganhos elevados com jogos de azar. Tudo para atrair novos apostadores a jogos virtuais como o do “tigrinho” e o do “aviãozinho”.
Procurada, a Bet7k não se manifestou, mas o site onde estava hospedado o curso foi retirado do ar após o pedido de explicações apresentado pela reportagem. Com cerca de 90 milhões de acessos por mês no site oficial, a Bet7k patrocina cinco dos 20 clubes da série B do Campeonato Brasileiro e a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). Leia mais aqui.
Regulamentação deve reduzir número de empresas de apostas no País e gerar arrecadação de R$ 3 bi
Se até agora qualquer empresa podia criar um site ou aplicativo e disputar a preferência do público brasileiro por apostas online, logo essa realidade mudará drasticamente. A partir do ano que vem, as empresas de apostas precisarão pagar por uma licença para operar negócios de apostas e jogos online no País. O valor é de R$ 30 milhões e permite a exploração do mercado por cinco anos, com até três marcas diferentes por empresa.
A medida faz parte de uma legislação abrangente, inspirada em modelos internacionais, que visa tornar o setor regulado de forma que continue a existir, gere empregos no País e capte recursos para o governo. Leia mais aqui.
Bets: 9% dos apostadores encaram como investimento e 25% buscam dinheiro rápido, aponta pesquisa
As apostas online ganharam outras funcionalidades para os apostadores que moram na cidade de São Paulo. Apesar de a grande maioria (59%) buscar os jogos como forma entretenimento e diversão, um quarto dos paulistanos procura obter dinheiro rápido com os jogos e 9% consideram as apostas como investimento.
Somente 6% admitem o jogo como um vício, revela pesquisa inédita feita pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) para avaliar o impacto das apostas online, legalizadas em 2018. A enquete foi presencial e ouviu 3.622 pessoas, entre os dias 12 e 19 de julho. Leia mais aqui.
Bets criam rede de apostas sobre resultado das eleições e Fazenda aponta ilegalidade
Cinco casas de apostas virtuais estão aproveitando brechas da legislação eleitoral para lançar mercados voltados às eleições municipais deste ano. Sem uma regulamentação por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as empresas oferecem oportunidades para os usuários apostarem nos candidatos que acreditam ser os futuros vencedores dos pleitos em capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
O Ministério da Fazenda, que regula quais empresas são autorizadas a realizar apostas esportivas do Brasil, afirma que não há previsão legal para jogos relacionados às eleições municipais. Segundo a pasta, as bets podem criar mercados que tenham relação apenas a eventos com temática esportiva ou jogos on-line. Leia mais aqui.
Farra das bets: legislação mais rígida promete ‘limpeza’ no mercado brasileiro
A regulamentação das apostas esportivas e dos jogos online no País começa a pôr fim à farra das empresas que exploraram o mercado nacional de maneira quase irrestrita desde 2019. Pelas novas leis, as companhias não só precisam pagar impostos, seguir normas rígidas sobre pagamento de prêmios aos apostadores e garantir proteções contra lavagem de dinheiro e terrorismo, mas também pagar por uma licença de exploração do setor a partir de 2025.
Com a legislação, a expectativa é de que isso signifique o fim do Velho Oeste no setor. Para isso, porém, o novo “xerife” precisará ser duro na fiscalização, uma tarefa desafiadora. A responsabilidade será da Secretaria de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda. Não à toa, o número de milhares de empresas, a princípio, será reduzido a pouco mais de uma centena. Leia mais aqui.
Sites de apostas irregulares serão bloqueados a partir de outubro, prevê portaria da Fazenda
A Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda publicou portaria que dá prazo até 1.º de outubro para o fim do funcionamento no País das empresas de apostas de quota fixa que ainda não iniciaram sua regularização junto ao governo. Há um prazo adicional até 10 de outubro para o levantamento dos depósitos dos apostadores e, a partir de 11 de outubro, o órgão solicitará o bloqueio dos sites e a exclusão dos aplicativos das casas irregulares.
“A pessoa jurídica que mantiver depósito de apostador é obrigada a ter na guarda e conservação os valores depositados bem como os restituir quando o exija o depositante, garantindo ainda meios para que tal exigência possa ser formalizada, independentemente do prazo da portaria”, completa o texto, publicado no Diário Oficial da União (DOU). Leia mais aqui.
Governo deu 1º passo para regulamentar bets, e setor passará por pente-fino rigoroso, diz Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a portaria sobre o funcionamento das empresas de apostas de quota fixa no Brasil é só um primeiro passo de ampla regulamentação das bets, diante da preocupação crescente sobre a dependência que as pessoas podem criar em relação a essa atividade. Além do aspecto relacionado a saúde, Haddad citou questões sobre endividamento e uso de cartão de crédito, pontos que já entraram no radar dos bancos.
“Estamos começando com essa primeira medida, mas eu já determinei que tudo isso seja regulamentado adequadamente. A questão do endividamento com a finalidade do jogo, a questão do uso do cartão de crédito, a questão da publicidade, do patrocínio, também tem chegado até nós a questão do fiado para jogar. Tudo isso vai passar agora, nessas próximas semanas, por um pente-fino bastante rigoroso, porque o objetivo da lei é fazer o que não foi feito nos quatro anos do governo anterior”, afirmou Haddad. Leia mais aqui.
Fazenda conta com BC para mapear fluxos e barrar bets do exterior, diz secretário
Diante do que foi classificado pelo ministro Fernando Haddad como uma “pandemia” de dependência em jogos online, o Ministério da Fazenda decidiu intensificar o cerco aos sites de bets e está em diálogo com o Banco Central para que a autoridade monetária possa ajudar nesta tarefa. O BC atuará, por exemplo, na identificação de fluxos financeiros que permitam ao governo estrangular o uso de sites que tenham seu domínio no exterior - e, portanto, alheios à regulamentação nacional recente.
A tentativa de separar o “joio do trigo” dentro de uma atividade que cresce de forma preocupante no Brasil acontece enquanto a pasta está também focada em analisar e conceder as primeiras autorizações para os grupos de apostas atuarem no País. A Fazenda recebeu 113 pedidos, de 108 empresas, e pretende analisar todos até o final do ano. À medida que toca esse processo, que envolve a análise de milhares de páginas de documentação, a Secretaria de Prêmios e Apostas da Fazenda investe em outras frentes, como a parceria com o BC e outros órgãos de fiscalização. Leia mais aqui.
Mais de 1,3 milhão de pessoas ficaram inadimplentes por conta de apostas, diz CNC
Mais de 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes no primeiro semestre de 2024 devido a apostas em cassinos online, segundo cálculos da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A entidade afirma que os apostadores têm usado “sem controle” cartão de crédito nessas plataformas de jogos, o que contribui para um aumento das contas em atraso.
Os brasileiros já gastaram R$ 68 bilhões em jogos entre junho de 2023 e junho de 2024, o equivalente a 0,62% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, apontou a CNC. O montante revela que 22% da renda disponível das famílias foi destinada às apostas no último ano, “gerando uma série de consequências econômicas e sociais”, alertou a entidade. Leia mais aqui.
‘Bets são o novo crack’, diz membro do grupo Jogadores Anônimos, que reúne viciados em apostas
O avanço dos jogos online no País e o aumento do número de adeptos às bets, depois da sua legalização em 2018 pelo governo de Michel Temer, preocupa o grupo de Jogadores Anônimos (JA), entidade voltada para a recuperação de viciados. “A bet é o novo crack, é uma pandemia. A tendência dos últimos dois anos e para os próximos dois anos é que isso cresça muito”, disse um membro do JA, sob a condição de anonimato.
O grupo se define como uma “irmandade cujos membros compartilham suas experiências, energia e esperança para parar de jogar, manter-se abstinente e ajudar outros jogadores compulsivos a fazerem o mesmo”. Embora não colete dados ou estatísticas formais, um membro do JA relata um aumento significativo nos casos e afirma que o impacto das apostas afeta homens e mulheres de forma semelhante, independentemente da classe social.” Leia mais aqui.
Bets podem causar dependência como o álcool, o tabaco ou a cocaína, diz especialista
O fácil acesso às bets impulsionou a busca por tratamento no Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI). A unidade registrou um salto de 175% - de 58 inscritos em 2022 para 160 em 2023. O aumento da procura por jovens adultos (de 18 a 30 anos) foi ainda mais expressivo: 480%. Saltou de 10 para 58. “A procura sempre aumenta quando o acesso às apostas é ampliado e um jogo se torna popular. Foi assim com os bingos, até sua proibição, em 2004. Agora, o fenômeno se repete com as apostas online”, analisa o psiquiatra Hermano Tavares, coordenador do Pro-Amiti.
“Desde que as apostas online foram legalizadas, em 2019, o perfil do paciente mudou: a média de idade caiu (de 47 anos para 30), o predomínio de homens aumentou e os jogos mais relatados passaram a ser as apostas esportivas e os cassinos online”, descreve o médico. Leia mais aqui.
Força-tarefa do governo contra vício das apostas está na gaveta há 1 ano
Em meio à explosão do mercado de apostas online no Brasil, uma proposta do Ministério da Fazenda para a criação de uma força-tarefa contra o vício nos jogos está há um ano na gaveta. No segundo semestre de 2023, a pasta sugeriu a criação de um grupo de trabalho interministerial para atuar na prevenção e no tratamento do vício em apostas esportivas - com alertas contundentes sobre a dependência patológica, a chamada ludopatia.
À época, o Congresso ainda discutia a regulamentação do setor no País, que seria aprovada meses depois. Um ano se passou e o grupo segue no papel, apesar dos reiterados alertas de profissionais da área da saúde, que vêm o vício alcançar brasileiros cada vez mais jovens. Leia mais aqui.
Futebol e celular impulsionam bets entre crianças e adolescentes: como educar contra o vício?
A proximidade com o futebol, os games e o celular fizeram com que as bets entrassem no universo infantil e adolescente com uma força que preocupa escolas, famílias e especialistas.
O maior risco é a forma como as apostas esportivas são apresentadas, o que atrai fortemente crianças e adolescentes. A publicidade ostensiva online e offline, com influenciadores e até medalhistas olímpicos, durante o jogo de futebol, na camisa dos times, nas redes sociais, normaliza as bets e faz com que pareçam saudáveis e divertidas. Leia mais aqui.
Educação financeira contra vício em bets ajuda, mas é preciso mais; entenda
A educação financeira ajuda, mas não é suficiente para afastar crianças e adolescentes do vício nas bets, as apostas esportivas online. É o que dizem os próprios especialistas em educação financeira.
“Há uma pressão grande de influenciadores, o futebol, a facilidade, o hábito de usar celular, e ainda a ilusão de gratificação imediata. O caminho está aberto demais para que esse comportamento surja”, diz a doutora em psicologia econômica, consultora e membro do comitê de pesquisa da International Network for Financial Education da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Vera Rita de Mello Ferreira. “Educação financeira não é a salvação da lavoura.” Leia mais aqui.
Bets vão além dos clubes e se aliam a ‘embaixadores’, como Galvão Bueno e Vini Jr.
O fato de o mercado de apostas ter valores inflacionados, com pagamento vultosos de patrocínios a clubes de futebol, fez algumas das principais casas de apostas esportivas do País mudarem sua estratégia de marketing. Em vez de patrocinar equipes, parte das bets tem investido em “embaixadores”, como são chamados os parceiros comerciais das empresas, sejam eles jogadores, atletas olímpicos, jornalistas, influenciadores ou criadores de conteúdo. O narrador Galvão Bueno e Vini Jr, astro do Real Madrid e da seleção brasileira, são algumas dessas figuras.
Algumas casas de apostas argumentam que não mais investem em times da Série A porque os valores estão inflacionados, sobretudo depois que a Vai de Bet decidiu pagar R$ 360 milhões ao Corinthians no maior contrato do tipo na história do futebol brasileiro. O acordo, porém, acabou rompido cinco meses depois em razão dos controversos pagamentos da intermediária do acordo a uma suposta empresa “laranja”. Leia mais aqui.